Cultura

Chacal o poeta marginal

Diário da Manhã

Publicado em 21 de junho de 2016 às 02:17 | Atualizado há 4 meses

“Em todo poema se aproveita algum verso, desse, nem isso.” (Chacal)

 

O cavaleiro da poesia marginal, ou seja, da arte expressa em luzes e movimentos–quando o corpo invade a cena. Ricardo de Carvalho Duarte é o filho mais novo do ex-jogador de futebol do Fluminense-RJ, Marcial (marcador de Leônidas) e dona Madalena. Em 1968, durante a revolução da queima do soutien e quebra de valores obsoletos, amarrados à mentira da moral, já respirava seus agridoces 17 anos, enfim, o Chacal, que palestrou na “Oficina de Escrita Criativa”, no sábado, dia 4, evento que está sendo realizado, entre abril e julho, pela União Brasileira de Escritores (UBE–Seção Goiás).

Assim ele apresenta o currículo intelectual que abarca sua vida: o Chacal, da geração mimeógrafo, do alto da sabedoria anárquica-intelectual construída à base de contestação, iluminação, inspiração e inconformismo sob influência do ácido lisérgico e em meio à fumaça de Maria e Joana, perdido, ao mesmo tempo tentando encontrar-se na carreira colorida por muita alucinação e expansão da consciência capazes de (re) colocar – a três palavras e delimitado por um mundo fictício -, um continente, suas pessoas e toda maluquice careta que intriga o sujeito criativo, ou seja, aquele capaz de brincar com a coletividade careta que sempre insistiu em ser normal.

Formado em Teoria da Informação e Editoração pela Escola de Comunicação (UFRJ), em 1977, o poeta escritor, performer e produtor cultural acredita que, na era do iPhone, o antídoto cultural capaz de sanar a mesmice–que denuncia uma paralisia cultural–bebe na fonte da Antropologia. Ele (re) afirma a proposta do “livro como alimento para as novas gerações”. Ácido em suas posições político-antropofágicas, ele argumenta sobre a delação premiada, signo da moda atual que empobrece a política brasileira e afirma que é apelido moderno de uma antiga covardia instalada. Segundo Ricardo o “X-9 ou dedo-duro” pós-modernizado é filho bastardo e bisneto dos “cachorros” os quais denunciavam, na sua cidade, o Rio de Janeiro, o morador do edifício e suas visitas, fato que remonta ao período cinzento da ditadura civil e militar. Hoje, 50 anos separam o evento cultural que detonou as rédeas da produção formal pelas mãos, cabeças e pés marginais da Geração Mimeógrafo, tempo e era de quando as crianças ainda liam Monteiro Lobato e assistiam a seriados na TV numa sociedade, à época, embalada no papel celofane do Sonho de Valsa, até então, romântica, movida a lambreta, a preto e branco.

Chacal compreende e enxerga, analisa a cultura enquanto canal de conversação, afinal, segundo ele “não faz diferença alguma se você lê, escreve ou fala quatro idiomas diferentes” e não transpira a inteligência criativa. Contemporâneo de Hendrix, Beatles, Rolling Stones e da poesia beatinik americana ele viajou em performances antológicas – ao vivo e a cores, lisérgicas -, com Allen Ginsberg, em Londres, recorte vivo das lembranças que marcam, ainda hoje, sua palavra falada. Citando Oswald de Andrade, escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro (1890-1954), afirma que a arte da Tropicália o influenciou estruturalmente e provoca ao argumentar sobre o porquê das gerações 1960/70 e 80–mesmo e apesar do período de exceção -, não terem sido, até os dias atuais, suprimidas em seu poder de criação pela contemporaneidade. Aquelas três décadas, muito próximas, e, que ainda sopram aos ouvidos, denunciaram ao mundo moderno o movimento cultural mundializado expresso nos lábios da boca profunda antropofágica, identidade em carne, sangue e saliva da contracultura.

Chacal 2

Ao anunciar os referenciais de seu trabalho e produção cultural, no Brasil e exterior, Ricardo de Carvalho Duarte levanta os nomes de Glauber Rocha, cineasta brasileiro e Jean-Luck Godard, cineasta franco-suíço, alardeando que “queria ter um canal de conversa com o mundo, impactado nos dias atuais, por um mundo de informações”. Chacal denuncia a tecnologia digital enquanto ferramenta pós-moderna “negativa para a cultura, apesar de essencial”. Segundo o mestre do mimeógrafo, o momento, talvez seja “o mesmo instante cultural e de mudanças estruturais, ainda em 1965, quando o rei do Brasil e líder da Jovem Guarda, Roberto Carlos, gritava ao microfone os versos de ‘quero que tudo mais vá pro inferno!’”. Segundo Chacal aquele instante colocava na janela midiática–voltada para o mundo–os hierofantes da nova cultura os quais, “rezavam uma missa tocada a efeitos especiais”, e traz o recorte histórico “enriquecido”, ao citar as artes plásticas de Helio Oiticica e ainda a literatura de Oswald de Andrade. Chacal viaja na antropofagia destes personagens da história os quais, segundo o “escritor e poeta maldito” “absorveram a força do inimigo ao usar a sua própria e lançar algo novo, até se tornarem capazes de comer seu inimigo colonizador”. Fechando o parágrafo, em sua viagem lisérgica (surreal), sobre a questão “com quantas artimanhas um poema se fala” cita Chico Science enquanto poeta original “incomparável”, ou seja, aquele que não se propõe a mistificar o artista.

Político e politizado, Ricardo critica a Educação “em crise” no Brasil e pelo mundo, enterrada e imbecilizada por governos que pensam a Economia. Chacal afirma que qualquer aula didática é performática e que “cada artista é um educador, e, cada educador, tem que ser um artista, pois cada um conta aquilo que sabe”. Ao citar seu livro, escrito aos 21 anos de idade, “Preço da Passagem” joga no holofote a seguinte afirmação: “Sou um protopunk da estética da colagem, da coisa suja, do mimeógrafo, alimentado na ideologia utópica, o punk que se alimenta no ódio e vai à luta pela sobrevivência e não vive da imagem.” Citando um de seus poemas–áspero retrato daquilo que se refere às redes sociais -, Chacal detona o “Facebook” enquanto “tribuna atribulada, solidões abissais se expondo ao infinito. A gente nunca sabe ali com quem está falando, mas, na real, a gente nunca sabe mesmo, nem no espelho”. Ao fechar o ciclo de ataques criativos o poeta do mimeógrafo acerta o alvo da paralisia intelectual e dispara: “O Facebook é uma vertigem que escorre, de cima para baixo, no inexorável córtex onde tudo se consome e tudo se consuma nesse turbilhão sem tecla off. Por falar nisto, alguém sabe como se recheia pescoço de camelo?”

Zarabatana no olho do inimigo, sua verve marginal escancara as sete faces do poema, segundo Chacal “quando o corpo invade a cena e o verso por vias da palavra maldita”. É quando o cinema entra em palco e pergunta se a poesia é uma droga ou algum duende cantando para subir. Premiado, em 2008, pela (APCA) pelo conjunto de poesias reunidas “Belvedere”, Carvalho participou, em 2013, da “Feira do Livro de Frankfurt” evento internacional onde apresenta o monólogo autobiográfico “Uma história à margem”. Em abril de 2014 palestrou e atuou em performances da “Brazil Week”, na Harvard University, e, em 2015, lançou dois curtas sobre seu trabalho: “Chacal Palavra Filme” e “É Proibido Fazer Poesia”.

Ao afirmar que o escritor não pode ter o leitor enquanto um ser curioso e ignorante “por ser ele tão sagaz quanto você”, lembra os anos de 1968 quando a inspiração chegava movida a sexo, drogas e “rock’n roll”, estruturada na linguagem de um mundo capitalista e caótico, quando e onde a droga era uma “coisa cultural”, sem excesso, uma tradição com gênese em Humboldt. Ao descrever o ato de se escrever sobre o efeito de substâncias, as mais diversas, Chacal relata “Meu primeiro ácido”, poema parido, aos 17 anos, sobre o efeito da expansão da consciência, quando “Bob Dylan e Leminski me informavam muito mais que a poesia parnasiana”, confessa. Critica a exclusão social “que retira da literatura e artes plásticas as classes sem acesso aos meios educacionais e também o fato pelo qual o cidadão tem que “aprender a escrever para poder, só depois, escrever”, e, brincando com o verso, avisa que “da orelha esquerda de Moisés saltava um duende capenga nas noites de lua cheia”. E finaliza com a história da centopeia, irmã da onomatopeia, que, ao su-su-rar segredos inconfessáveis, revoluciona o mur-mú-rio e responde na forma do poema quebra-línguas, ou seja, o trava-línguas que abusa do sentido sonoro das palavras.

E o pulso, ainda pulsa!

 

(Antônio Lopes, filósofo; assistente social; mestre em Serviço Social/PUC-Goiás; aluno-ouvinte em Direitos Humanos/UFG)


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