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Luto

Chrystian refinou sertanejo com lirismo, epopeia e flerte entre diferentes estilos musicais

Artista cantou em inglês nos anos 70 e formou bem-sucedida dupla com irmão, na década seguinte

Chrystian, da dupla com Ralf: voz inconfundível - Foto: Instagram/ Reprodução Chrystian, da dupla com Ralf: voz inconfundível - Foto: Instagram/ Reprodução

Chrystian, sertanejo de técnica vocal apurada, se imortalizou na música popular brasileira durante os anos em que cantou com o irmão Ralf. Baladas românticas consagraram dupla goiana, que emplacou nas paradas hits como “Chora Peito”, “Ausência”, “Saudade” e “Nova York”. Antes disso, todavia, já era conhecido pelos fãs como a voz mais afinada do Brasil.

Por vezes lascivos, os versos cantados pelo artista ajudaram na educação sentimental brasileira. “Eu cubro com espumas/ O seu corpo nu/ Nós dois embaixo do chuveiro/ Amor com cheiro de shampoo”, vocaliza, fazendo a segunda voz, em “Cheiro de Shampoo”.

Além da carreira sexagenária, Chrystian se inseriu dentre as maiores vozes de nosso cancioneiro. Começou a usar gogó cedo, aos sete anos. Nascido em 3 de novembro de 1956, em Goiânia, era aposta artística do pai. Não o decepcionou. Ao contrário, perpetuou-se na história. Com trilhas de novelas, popularizou-se a ponto de sua música atravessar gerações.

Ainda na capital goiana, chegou a apresentar programa infantil. Quando se mudou para São Paulo atrás de oportunidades, teve empurrão de Roberto Carlos no início da nova vida. José Pereira da Silva Neto foi apresentado ao público como Chrystian, lançando dois discos, “Don´t Say Goodbye” e “Made in USA”, de 73 e 76. Ambos fizeram sucesso radiofônico.

Como cantava em inglês – algo comum à época –, explodiu com a balada lamuriosa “Don´t Say Goodbye”, que ingressou na trilha da novela “Cavalo de Aço”, exibida em 73, na TV Globo. A versão de Chrystian tocou à exaustão, pois era música dos protagonistas Tarcísio Meira e Glória Menezes. Os atores interpretavam o casal Rodrigo e Miranda Soares.

Havia ali um arranjo ideal para as rádios: comentários sutis elaborados no contrabaixo, sussurros no violão, notas agudas no vocal. “Por favor, não diga adeus/ Eu preciso do calor que você tem/ Eu preciso do sol que você traz/ Por isso, não vá embora”, vocaliza.

Tal qual “Don´t Say Goodbye”, “Tears” também lembra qualquer balada funk-soul da Motown. Murmura Chrystian na primeira estrofe da canção: “Toda vez que vejo seu rosto/ É somente num retrato na parede/ Ela me leva a todos os lugares/ Que costumávamos ir”.

“Fez parte de uma geração de cantores de estúdio que marcou nossa música, junto ao irmão, Ralph, e a nomes como Jessé, Harmony Cats e Dudu França" André Barcinski, jornalista

Nos anos 70, as gravadoras preferiam lançar artistas brasileiros cantando no idioma estranheiro. Isso ocorria porque a teledramaturgia optava por hits na língua de Frank Sinatra. Algo semelhante ocorreu com Fábio Jr., que gravou sob pseudônimo de Mark Davis. Em 74, usando esse nome estrangeiro, integrou a trilha de “Barba Azul”, exibida na TV Tupi.

André Barcinski, pesquisador, destacou na rede social X a carreira vitoriosa de Chrystian. “Fez parte de uma geração de cantores de estúdio que marcou nossa música, junto ao irmão, Ralph, e a nomes como Jessé, Harmony Cats e Dudu França. Suas vozes estão em centenas de discos”, disse Barcinski, autor de livros relevantes para a bibliografia musical brasileira.

Quando entrou no mercado sertanejo, ao lado do irmão Ralf Richardson da Silva, continuou assíduo na televisão. Na Globo, “Saudade” foi incluída em “Pacto de Sangue” (1989) e “Minha Gioconda” , em parceria com Agnaldo Rayol, esteve em “Rei do Gado” (1996), clássico de Benedito Ruy Barbosa. Chrystian era a segunda voz da dupla com Ralf.

Ao todo, Chrystian e Ralf lançaram 20 álbuns, além de DVDs e coletâneas. Venderam 15 milhões de cópias. Foram responsáveis pela chegada do sertanejo às paradas de sucesso e pelo fenômeno popular que esse estilo musical se tornou a partir dos anos 90,

Discografia complexa

Para o compositor Giancarlo Rufatto, Chrystian e Ralf tem discografia mais complexa do sertanejo nos anos 80 e 90. “As canções que eles gravaram iam muito além de dor de amor, têm muitas histórias sobre sonhadores, perdedores, romances proibidos e até contos épicos sobre luta de classes e racismo”, afirmou no X, enfatizando referências a Neil Young e Santana percebidas no disco “Prazer por Prazer”, lançado pelos irmãos em 1995.

Ralf se despediu do irmão em texto publicado no Instagram. “Fizemos sempre o nosso melhor. Diante dos nossos compromissos, infelizmente não conseguimos nos despedir, mas tenho certeza que nosso ‘pai’ te encaminhará na luz junto ao Senhor Jesus. Descanse em paz meu irmão Chrystian”, escreveu o artista, numa publicação que viralizou pela internet.

Mesmo que a saúde estivesse debilitada, Chrystian tinha show marcado para o dia 22 em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Há dois dias, divulgou nas redes sociais gravação de um programa com os cantores Renato Teixeira e Sérgio Reis. Os três deram entrevista para Danilo Gentili, no SBT, exibida no dia da morte do sertanejo.

Fizemos sempre o nosso melhor. Diante dos nossos compromissos, infelizmente não conseguimos nos despedir Ralf, irmão

Chrystian era casado há três décadas com a professora de yoga Key Vieira, que faria doação de um rim ao marido assim que ele tivesse condições físicas para receber o transplante. Fã da dupla, Key conheceu o esposo durante show em Cassilândia, no Mato Grosso. O cantor também foi casado com Gretchen, num romance retratado nas publicações de fofoca.

Artistas com Fábio Jr., Maiara, Eduardo Costa, Rio Negro, Maria Cecília, Roberta Mirnada e Rodolfo e Belluco lamentaram a morte de Chrystian. Fábio Jr. lembrou que o conheceu quando eram adolescentes. “E daí para uma vida toda de carinho e respeito por um dos grandes artistas do nosso Brasil, um cara tão divertido e com coração gigante", afirmou.

Chrystian estava internado no Hospital Samaritano, em São Paulo. Ele fazia tratamento para enfrentar problemas renais e cardíacos, mas uma infecção generalizada o matou, conforme nota da unidade de saúde. O cantor foi velado em São Caetano do Sul, no Cerimonial Ossel, que ocorreu entre 11h às 16h desta quinta. José Pereira da Silva Neto deixa esposa e dois filhos. Tinha 67 anos. (Com Cristina Camargo, da Folhapress)

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