Cultura

Clássico do punk brasileiro, Os Cabeloduro tocam no Martim Cererê

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 1 de julho de 2023 às 21:05 | Atualizado há 2 anos

Caso a profecia dos Dead Kennedys se concretize, você estará lá pelas 23h muito bêbado para transar. Estará engazopado na zoeira, ouvidos jazidos em acordes rápidos, ébrio pelas letras debochadas. Anarquia, vamos dizer assim. Nunca é demais um show da banda Os Cabeloduro, um dos clássicos do punk brasileiro, que se apresenta neste sábado, 1°, a partir das 20h, na abertura do Festival Viva Cererê. Coisa pra ouvir no último volume do escárnio. 


O som dos brasilienses não tem mistério: lembra um Ramones embriagado nos riffs do New York Dolls enquanto dá um rolê com Dead Kennedys nas ruas de Nova Iorque – bêbados, óbvio. Ou seja, é de se esperar riffs rápidos e versos afiados contra qualquer resquício autoritário que insista em pairar sobre o Brasil. Uma música do “F…se” com “Pinga com Limão” para criticar a “A Barca”. Como diz uma música deles, se o meu fígado falasse… 


Na impossibilidade comunicativa hepática, vale um esquenta para o show ao som do disco “Com Todo Amor e Carinho”, gravado pelo grupo brasiliense em 1996 e lançado à época apenas em CD. Graças a Monstro Discos, selo goiano de renome no cenário roqueiro brasileiro, a obra ganhou versão em elepê. Qualquer crítico sério põe o álbum entre os melhores já produzidos no punk rock brasileiro em todos os tempos, com toda vênia, aliás.


O punk rock, no Brasil, tem como marco zero o festival “Começo do Fim do Mundo”, ocorrido no Sesc Pompeia, em São Paulo. Vivia-se o ano de 1982. O Brasil levava a sério o título de vanguarda do atraso terceiro mundista: futebol, economia e política eram uma lambança só (sem a língua dos Stones, que àquela época não era bem-vinda nem nos palcos, muito menos em solo pátrio). Havia um medo generalizado, uma angústia permanente. 


Essa era a combustão da Lixomania, Olho Seco, Inocentes e Ratos do Porão. Isso em São Paulo, a paulicéia que se desvairava no caos da metrópole cafeeira, porque mais acima um pouco, na região Centro-Oeste, Daniel Quirino, Hélio Gazu, Hamilton Pernão e Beto Podrinho acham um tremendo pé no saco a vibe discursiva de José Sarney. E no Guará, cidade-satélite da Capital projetada por Oscar Niemeyer, nascia Os Cabeloduro. A ditadura tinha ido embora, mas um político gestado no berço ditatorial da Arena se fazia presidente.


Um estado violência, se você quer saber: hiperinflação, marajá, injustiça. Olhando pelo retrovisor, o nome Os Cabeloduro parece adequado para traduzir as origens do grupo, conseguindo inserir o cotidiano a uma música visceral. Sempre atentos aos ensinamentos contidos numa edição do fanzine britânico “Sideburns” que circulou em 1977, ano de “Janie Jones”, do The Clash. Sintático, direto e ébrio, o texto recitava, na verdade, o manual da inspiração: “este é um acorde/ este é outro/ este é um terceiro/ agora monte uma banda”. 


Cena movimentada


Grande “Sideburns”, exemplo irrefutável de métrica punk. Os Cabeloduro movimentavam naquele início de anos 90 bares locais e pequenos espaços. Pouco tempo depois, em 1993, Ralph substitui Pernão e o hidratado quarteto passou a tocar Distrito Federal e seu Entorno afora. Os fãs ficavam em polvorosa pela acidez textual do grupo e a música direta pela qual tanto lutavam. Como a popularidade deles crescia ao ritmo de progressão punk, o estúdio virou destino natural aos músicos, que gravaram a primeira fita demo da carreira. 


À imprensa especializada, distribuíram mais de 2 mil cópias. Em 1995, o som de Os Cabeloduro já havia cruzado o Atlântico: o público português conheceu o EP “Vozes da Raiva” e a coletânea “Um Xute na Oreia”, ambos destruídos pelo resto do Velho Mundo. Isso reforça, por exemplo, como a banda acerta ao desdenhar de que apenas tocar em palcos grandes é importante. “Com Todo Amor e Carinho”, o disco relançado pela Monstro, saiu em 1996 e, sem demorar muito, já virou obrigatório em qualquer lista do punk brasileiro. 


Aclamados, seguem para São Paulo, onde apresentaram uma temporada de shows e divulgaram o disco em rádios e revistas. No próximo ano, voltaram para Brasília e, antes da saída de Podrinho, lançaram “Cult 22” (1998), “Porão do Rock” (2000) e “Cerrado Allstars” (2000). Depois, veio “Tributo aos Garotos Podres” (2003), com Gazu nos vocais. Parar? A banda chamou Marcelo Vourakis e foi, de novo, para São Paulo gravar “Tudo que a gente tem”, disco lançado em 2004, no Porão do Rock, um dos mais tradicionais da cena brasileira. 


Há dois trabalhos da banda disponíveis no Spotify, principal plataforma de áudio: “Os Cabeloduro Demotape 1993” (2020) e “A Gente Só Se Fode” (2016). Os dois possuem boas composições e versos demolidores, mas – talvez pelo contexto em que tenha sido criado, anos de impeachment – estabelece uma espécie de crônica kafkiana daqueles anos. Cantar “Que País É Esse” ou dizer que “somos burgueses sem religião” é fácil, difícil é frasear “Que A Gente Só Se F…” ou falar que “A Revolução Não Será Televisionada”. Será uma festa punk.


Veja a programação do fim de semana:


Sábado, 1


9 horas – Oficina: Danças Urbanas, com Ben Hur (GO)


9 horas – Oficina: Autogerenciamento de Carreira Artística, com Jota Wagner (SP)


14h30 – Oficina: Danças Urbanas (módulo 2), com Ben Hur (GO)


20 horas – Espetáculo teatral: Plural, da Cia NU Escuro (GO)


20 horas – Discotecagem: DJ Pafa


21h30 – Show: Os Cabeloruro (DF)


22 horas – Discotecagem: DJ Iara Kevene


Domingo, 2


9h – Oficina: Jogos Teatrais para Iniciantes e Adolescentes, com Adriana Brito (GO)


9h – Oficina: Danças Urbanas (módulo 3), com Bem Hur (GO)


9h – Oficina: Aulas de Percussão, com Edilson Morais (GO)


14h30 – Oficina: Jogos Teatrais para Iniciantes e Adolescentes (módulo 2), com Adriana Brito (GO)


14h30 – Oficina: Autogerenciamento de Carreira Artística (módulo 2), com Jota Wagner (SP)


20 horas – Espetáculo circense: Duo Fiti&Paldi, com Arturo Hopkis e Lissette Macarena (Chile)


20 h– Discotecagem: Maurício Mota


21h30 – Shows musicais: Patriarca Jhonsons (Luziânia) e Melodizzy (Goiânia)


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