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Resenha

Como foi show fechado de Gilberto Gil no Palácio da Música

Gil fechou projeto Sesc Aldeia de Artes no Oscar Niemeyer. Ritmista inigualável e letrista imortalizado, tropicalista tem gás de sobra

Gilberto Gil no Palácio da Música - Foto: Sesc Goiás/ Instagram Gilberto Gil no Palácio da Música - Foto: Sesc Goiás/ Instagram

Gilberto Gil, 82, irrompeu no palco por volta das 20h. Era uma sexta-feira, clima ameno, noite estrelada. Centenas de pessoas se dirigiam ao Palácio da Música, Oscar Niemeyer, por um motivo: testemunhar o mestre baiano interpretando clássicos de sua longeva discografia.

Sentado no banquinho, caminhando pelo braço de seis cordas como se estivesse comendo mamão, papaya, pá pá pá iá iá, pá pá iá iá, Gil estava elegante. Vestia sapato mocassim. Sofisticado, combinava-o com calça escura de alfaiataria. Ficou show inteiro com canelas à mostra. Camisa viscose sedosa completava look despojado.

Rolou samba sincopado, balanço tropicalista, acordes em sétima ao violão. Notas reverberando sussurros instrumentais. Vivemos ali a sedução da brasilidade. Reggae retumbando a consciência de Bob Marley, pop rock desplugado ecoando no coro que vinha das mesas palavras românticas, clássicos atestando atemporalidade da estética gilbertiniana.


		Como foi show fechado de Gilberto Gil no Palácio da Música
Gil incensou corações e mentes. Foto: Sesc Goiás/ Instagram


Gil incensou mentes e corações. Violonista rítmico inigualável (basta ouvir o disco “Gil & Jorge: Ogum, Xangô”, lançado em 1975), abriu concerto tocando primeiros acordes de “´Palco”, gravada no disco “A Gente Precisa Ver o Lugar”, de 1981. Daí, com sua alma que cheira a talco, anunciou de forma ancestral o que deveríamos esperar da noite.

“Trago minha banda, só quem é de Luanda/ saberá lhe dar valor/ dar valor/ vale quanto pesa pra quem preza o louco bumbum do tambor/ do tambor”, vocalizou, dando início à sequência de sambas cujo ápice seria “Aquele Abraço”, de “Cérebro Eletrônico”, de 69.

Fomos ao delírio. Houve espaço, todavia, para composição escrita naqueles tempos amordaçados do exílio. Tão logo tocara a introdução de “Ladeira da Preguiça”, conhecida no vozeirão cortante de Elis Regina, o público estrilou. A fase londrina deu no elepê “Expresso 2222”, de 71, que demonstra Gil numa sintonia contracultural com linguagem dos Stones.

Na bateria, o músico Marcelo Costa uniu a precisa guitarra semi-acústica de Bem Gil ao violão desinibido mas despalhetado tocado pela estrela da noite. Baquetava no circuito caixa-bumbo-chimbal compassos de samba, samba-rock, bossa nova, porém nunca se perdendo na altura dos decibéis. Era o coração da música, pulsava o ritmo da vida.


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São enormes as contribuições de Gil à cultura brasileira. Foto: Sesc Goiás/ Instagram


Bem, inclusive, se mostrou músico versátil. Seu ídolo maior é o pai e, logo atrás dele, vem o guitarrista Jimi Hendrix. Cresceu escutando MPB na vitrola paterna, tocando violão nas férias de Salvador e acompanhando o herói máximo na turnê europeia que se repete há três décadas. Logo, não se pode dizer que a habilidade guitarrística dele é mero acaso.

São enormes as contribuições violeiras de Gil à música brasileira. Quando explora diferentes batidas nas seis cordas (elétricas ou não), o músico confere ao instrumento suingue acentuado no samba e xote, no reggae e rock. Às vezes, como em “Volks-Volkswagen Blues”, publicada no disco “Cérebro Eletrônico”, de 69, percebemos certo sotaque bluesy.

Gil seguiu cantando e tocando hits. Lançado no disco “Um Banda Um”, de 82, “Andar com Fé” produziu palmas compassadas quando ouvimos os primeiros acordes desse hino. “Andá com fé eu vou/ que a fé não costuma faiá”, avisou, entre versos esperançosos. Imagine, então, nossa sensação ali: emocionante. Mas o show, sabemos, tem que continuar.

Simpático e bom de papo, alertou que faria versão “mais quieta” de “Tempo Rei”, publicada no elepê “Raça Humana”, de 84. “Originalmente, é um pop rock”, explicou Gil. Ladeado por cochichos percussivos, o clímax fabricou uma explosão de vozes que se originara nas mesas espalhadas pelo ambiente. Era, afinal, o refrão: “tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei.”


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Artista espalhou amor pelo Palácio da Música. Foto: Sesc Goiás/ Instagram


‘Nossa arquitetura’

Amor espalhado pelo Palácio da Música. Eis que, então, começa “Drão”, de “Um Banda Um”. “Paradoxalmente, é canção que fiz quando me separei de Sandra. Tive período muito feliz ao lado dela. Foram três filhos”, comentou, antes de tocar a introdução. “Estende-se infinito, imenso monolito/ nossa arquitetura/ quem poderá fazer aquele amor morrer?”.

Outra canção bem-recebida pelo público foi “Esotérico”, em homenagem aos Doces Bárbaros. Tinha virado coro, com pessoas cantando verso a verso, relembrando memórias pretéritas e admirando a poucos metros uma lenda da música prestes a se aposentar. Conforme Gil, não adianta nem lhe abandonar, porque mistério sempre há de pintar por aí.

Paulo Leminski, poeta marginal, e Alice Ruiz, mulher da palavra libertária, são evocados pelo mestre tropicalista em dada altura do concerto. Parceiro artístico de Leminski, Gil contou que escreveu “Estrela” para uma menina nascida em Curitiba (PR). “Deram-lhe o nome de Estrela. Alice (Ruiz), mãe. Leminski, pai. Fiz a canção pra ela”, disse o artista.


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Cantor tocou sua versão para “Woman no Cry”, de Bob Marley. Foto: Sesc Goiás/ Instagram


Em seguida, o cantor-violonista tocou sua versão para “Woman no Cry”, de Bob Marley. Os versos “tudo tudo tudo vai dar pé…” se tornaram hino contra a ditadura militar. Lançada em 79, no elepê “Realce”, a canção nos oferecia espécie de alento contra o apodrecido regime fardado. A versão apresentada no Palácio da Música foi gravada em “Kaya N'Gan Daya”, de 2002.

No fim do show, Gil interpretou “Vamos Fugir”, “Esperando na Janela” e fez releitura de Nação Zumbi, com “Maracatu Atômico”. “Menina Baiana”, que está na trilha sonora da novela “Renascer”, fechou o show. Aos 82 anos, Gilberto Gil descolou acentos com sua voz, variou figuras rítmicas, acelerou ou retardou certas passagens, como no samba “Aquele Abraço”, momento apoteótico, com breques, síncopas, gingados e improvisos. Gil é ótimo.

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