Aos 52 anos, Elon Musk tem preocupado os líderes das empresas Space X e Tesla pelo uso de LSD, cocaína, ecstasy e cogumelos psicodélicos, utilizados por ele em festas privadas, onde foi flagrado liberando imagens surrealistas que povoam seu inconsciente. Mas não chega a ser exatamente uma surpresa o apreço de Musk por estados alterados da mente: já acendera cigarro de maconha num podcast comandado por Joe Rogan, em setembro de 2018.
O magnata se junta a personalidades públicas simpatizantes das experiências psicodélicas. Steve Jobs - fundador da Apple e criador do iPhone - já falou sobre os delírios que lhe passavam pela cabeça durante as trips. E o cineasta Oliver Stone - autor de “The Doors” - afirmou que colocou doses de ácido na bebida do pai. Já o cientista Francis Crick, um dos responsáveis por descobrir o DNA, declarou que usava a substância para “pensar melhor”.
No Brasil, o ensaísta Luiz Carlos Maciel trouxe a cultura da lisergia ao jornalismo brasileiro, entrevistando no Copacabana Palace a cantora Janis Joplin, destrinchando as curiosidades em torno da música feita pelo The Doors e falando do som tocado pelo lendário guitarrista Jimi Hendrix. O jornalista era uma voz inteligente por aqui, um guru da contracultura. Da geração mesma que Maciel, a repórter Glória Maria confessou ter experimentado LSD durante a adolescência, cuja experiência descreveu como importante para a vida inteira.
Maciel acredita que as drogas alucinógenas ajudam a vislumbrar uma nova realidade. O termo psicodélico, explica, nasceu pelas palavras do psicólogo Timothy Leary, guru do ácido nos anos 60. A expressão significa expansão da consciência, com visão ampla da realidade e frequentemente mística. “O princípio fundamental dessa realidade, a que existe para você pelo menos, entendido de uma maneira sintética e geral, é que a verdadeira realidade é criada de acordo com sua própria mente”, reflete o ensaísta, na obra “As Quatro Estações”.
Contudo, o LSD é capaz de expandir os pontos fracos da psique em forma de visões terríveis, o que configura uma bad trip. Brian Jones, guitarrista e fundador dos Rolling Stones, é um exemplo disso. A cada vez que viajava - e ele não raro se excedia -, demonstrava sinais de paranoia no que dizia respeito aos Stones. Pensava, por exemplo, ter sido preterido pelo cantor Mick Jagger, então consolidando em meados dos anos 60 parceria criativa com o guitarrista Keith Richards - com quem Brian, inclusive, teve sua primeira onda lisérgica.
A música encontrou na dietilamida do ácido lisérgico uma fonte para estimular a criação. Brian e Keith conheceram a droga numa festa promovida pelo escritor Ken Kesey, conhecidas à época como “acid fest”. Correspondeu às expectativas aquilo que Ken lhes apresentara: liberou a consciência, promoveu sensação de liberdade e fez imagens alucinantes surgirem em suas mentes. Depois, ambos até tentaram convencer Mick Jagger a tomar ácido, mas - cauteloso e preocupado com a saúde - o cantor decidiu esperar um pouco mais pra viajar.
O que não se deve esperar do LSD, entretanto, é que ele irá nos deixar agarrados à leitura de um livro. Por isso, trata-se de droga intimamente ligada à música. Faz você ficar sentado por horas a fio escutando um desses sons compostos para se ouvir chapado. Um deles, por exemplo, é o chamado pop barroco, subgênero do rock popular nos anos 60 ao trazer arranjos orquestrais ao estilo. Discos como “The Satanic Majesties Request”, dos Stones, e “Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band”, Beatles, exibem influências lisérgicas nos arranjos, no andamento rítmico, nas melodias e, óbvio, nos rabiscos tocados à guitarra.
Do jazz à MPB
Até o jazz, considerado por pesquisadores a música clássica dos negros, se psicodelizou nos anos 60. Em 65, John Coltrane gravou o disco “Om”, de 29 minutos, com duas faixas e sons desconexos de saxofone, flauta, piano e bateria. A isso, juntavam-se frases pinçadas da obra “Bhagavad Gita” e do “Livro Tibetano dos Mortos”. O álbum foi revolucionário, pois não guarda equivalência com nada do que havia sido feito antes dele. Tanto que, de acordo com o pesquisador Philip Auslander, o rock psicodélico buscou se inspirar em Coltrane.
Outro jazzista embalado pelo LSD foi Miles Davis. Ele pirou com o cometa Jimi Hendrix. Quando começaram as sessões para gravar “Bitches Brew”, fazia poucas horas que Hendrix havia tocado em Woodstock a música “The Star Spangled Banner”. Miles queria recriar as jam sessions transgressoras de “Eletric Layland”, obra lançada pelo deus da guitarra em 68, mas que em nada lembra o jazz-rock inventivo do elepê hendrixiano: há uma musicalidade densa, sinfônica, com três teclados divididos em acordes dissonantes e discordantes. Tudo é improvisado e orgânico, com influência do modal, temas indianos ou árabes.
Nesta década, no Brasil, a cantora Gal Costa, em seu disco de 1969, se deixou influenciar pela psicodelia que eclodia nos Estados Unidos. Segundo o historiador Júlio Delmanto, na dissertação de mestrado “História Social do LSD no Brasil”, a droga moldou a vanguarda artística do período. Além de Gal, é possível ouvir a influência do ácido na música tocada pelos Mutantes. “Se os hippies americanos beberam na fonte da geração beat, no Brasil, o antecessor direto da contracultura foi o movimento tropicalista”, explica o estudioso.
Em Goiás, a lisergia pode ser sentida na música feita pela banda Boogarins, inspirada pelo movimento tropicalista e pela psicodelia dos anos 60. Lembrando o som tocado pelos australianos do Tame Impala (grupo contemporâneo conhecido pela sonoridade temperada no ácido), os goianos criaram obra cujo propósito parece ser falar sobre a natureza e a goianidade. Mas, seja lá como for, a música deles é… bem, você sabe. Além de tudo, são ouvidos por aí - aos montes.
Drogas impactam outras expressões artísticas
Expoente da geração beat, o escritor Allen Ginsberg usava drogas com a finalidade de realizar uma composição literária diferente, de olho nas imagens trazidas pelos seus versos e perseguindo a autoralidade discursiva. Ginsberg escreveu poemas com métricas lembrando o LSD e a maconha. Nos anos 60, ao lado de Ken Kesey, percorria os Estados Unidos tentando difundir o ácido lisérgico à população.
No cinema, as cores brilhantes, os efeitos trepidantes e as distorções visuais viraram um clichê. Um exemplo clássico pode ser visto no filme “Enter The Void”, dirigido pelo cineasta Gaspar Noé, em 2009. Segundo o próprio Noé, a produção deve ser compreendida como um melodrama psicodélico, com partes inspiradas no “Livro Tibetano dos Mortos”, obra que também baseou o psicólogo Timothy Leary. O longa dividiu a crítica cinematográfica.
Mas o clímax ocorreu de fato com “Medo e Delírio em Las Vegas”, inspirado no clássico do jornalismo gonzo escrito por Hunter S. Thompson. Hoje em dia, as duas obras - filme e livro - viraram cults. E, realmente, certas cenas no longa fazem o espectador dimensionar como é estar na cabeça de um sujeito viajando pesado no ácido. Outro clássico literário inspirado na lisergia, com aliterações excessivas, metáforas exageradas e onomatopéias radicais, é o romance-reportagem “O Teste do Ácido do Refresco Elétrico”, do jornalista Tom Wolfe.
No terreno das artes visuais, o movimento surrealista - imbuído das teorias freudianas sobre o inconsciente - retratou estados e imagens que estão na cabeça de quem embarca nas experiências psicodélicas. Salvador Dalí, por exemplo, derreteu o tempo no quadro “Persistência da Memória de Salvador Dalí”. E o que falar, então, do artista Mati Klarwein ao criar a capa de “Bitches Brew”, gravado por Miles Davis, em 1970? Totalmente lisérgico!