Companhia leva textos de Beckett ao Teatro IFG
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 6 de outubro de 2022 às 16:19 | Atualizado há 4 meses
Inovador das imagens dos palcos, o dramaturgo Samuel Beckett (1906-1989) precisa ser escutado neste século 21. Ainda continua grande a obsessão em limitá-lo apenas ao autor de “Esperando Godot” (1953), como se ele tivesse só uma obra relevante, o que não faz jus à envergadura do escritor e nem sua importância estilística: Beckett escreveu também para o rádio, para o cinema e para televisão. E são textos pouco difundidos nos palcos goianos.
Beckett é, ao lado de Eugène Ionesco, Arthur Adamov, Harold Pinter e Fernando Arrabal, um mestre do chamado Teatro do Absurdo. Cunhada pelo crítico húngaro Martin Esslin (1918-2002) no início dos anos 1960, a expressão identifica peças teatrais que, escritas após a Segunda Guerra Mundial, num cenário de desolação ocasionado pelo conflito bélico, denunciam o clima de solidão e de incomunicabilidade do indivíduo moderno por meio de recursos literários que rompem com as características do realismo, em vigência desde o século 19.
Não era exatamente um movimento encaixotado num gênero específico, mas tratava-se de uma classificação que servia como parâmetro a uma das mais importantes tendências criativas do século 20. Por exemplo: Ionèsco e os rinocerontes começam a se multiplicar. O bicho some da mesma maneira que surge, ou seja, de uma hora para outra. A cena se repete, até que, tempos mais tarde, esmaga o gato de uma das personagens. Todos começaram a debater se o animal tinha um ou dois chifres, um absurdo.
Para assimilar a obra beckettiana, não se pode deixar de contextualizar o título mais importante dela, “Esperando Godot”. Beckett lançou os primeiros trabalhos de sua produção nos anos 1930, num estilo que encontra certa similaridade com James Joyce, autor símbolo do modernismo europeu e ele mesmo responsável por “Ulisses”, romance-catatau que até hoje é motivo de discussões acerca de sua linguagem transgressora. Ambos tinham uma amizade. Mas o dramaturgo achava difícil trabalhar artisticamente na língua inglesa.
Além desse detalhe, Beckett almejava se distanciar do mestre irlandês e, em 1937, escolheu escrever em francês. Queria também ampliar seu arcabouço criativo neste idioma. E, tirando o fato de que era um escritor dos melhores, atuou como tradutor de francês, italiano, espanhol e alemão, formando-se em artes e literatura no Trinity College, em Dublin. Isso lhe deu repertório que revelaria, nas próximas décadas, um escritor de notória versatilidade.
Seu lugar, acreditava, era Paris. A artilharia nazi-fascista, contudo, frustrou-lhe os planos, já que a guerra tirou de cena a liberdade parisiense do pilantra Henry Miller, nos anos 20, e do homem da cidade Charles Baudelaire, no século 19. Beckett, então, deu um tempo no ofício da escrita: afinal, escrever como? Escrever para quê? Em 1941, ciente que precisava lutar, participou da Resistência Francesa e, um ano depois, fugiu da Gestapo, escolhendo morar no sul da França. Atuou ainda na Cruz Vermelha irlandesa na Normandia, em 1945.

Após o término da Segundo Guerra Mundial, o dramaturgo Samuel Beckett debruçou-se sobre a escrita, publicando seus textos mais famosos e criando um estilo que a crítica chamaria de “literatura de despalavra”. Modernista por excelência, ele tentava romper os limites categóricos da arte das palavras e explorava ao máximo o hibridismo entre gêneros, já que enxergava um aparente esgotamento na linguagem: escrevia em francês, traduzia para o inglês, quando não vice-e-versa.
Nos anos 50, já com a sociedade europeia aparando os destroços da guerra, publicou duas trilogias de sucesso: uma de romance, com “Molloy”, Malone Morre” e “O inominável”, e a de teatro, ao lançar os clássicos “Esperando Godot”, “Fim de Partida” e “Dias Felizes”. A primeira, aliás, foi vivida e dirigida por nomes de peso do teatro brasileiro, entre eles Cacilda Becker, Walmor Chagas, Antunes Filho e Zé Celso. Em um Brasil calado, o sucesso da espera pelo misterioso Godot, que nunca aparece, era garantia.
“A obra dramática de Beckett foi responsável por alterar os paradigmas do teatro, em virtude de suas propostas formais, aliadas à universalidade dos temas abordados”, apontam as doutorandas em teoria literária pela Unicamp Ana Maria Ferreira Côrtes e Gabriela Vescovi, em ensaio. Entre os motivos de “Esperando Godot” ter caído no gosto do público, dizem, estão a experiência da solidão, da falta de sentido, da crise do sujeito, da linguagem e dos fundamentos da sociedade, à época sob a ditadura militar, em 1969.
No cenário teatral goiano, a dramaturgia beckettiana está em boas mãos com as montagens feitas pelo grupo Máskara Núcleo de Pesquisa, que já participou do IV Festival Beckett de Buenos Aires, na Argentina, em 2009. A companhia informa que, até dezembro, irá realizar apresentações em espaços culturais de Goiânia. O próximo espetáculo será amanhã, no Teatro IFG, a partir das 20h, onde apresentam “Curta Beckett”. São quatro textos.
E, como já virou tradição, o público pode esperar uma leitura particular das obras de Samuel Beckett realizadas pelos goianos. “Não é nosso objetivo procurar uma cópia fiel do que supostamente teria sido proposto pelo autor em algum teatro hoje inexistente, nem o de ser diferente. Procuramos, nas vozes e silêncios de Beckett, um diálogo com seus escritos, com suas palavras, imagens esboçadas de seu processo criativo”, afirma a companhia. É o que a sociedade necessita. Beckett ajuda a explicar o absurdo atual.
Saiba quais textos Máskara vai apresentar
Esboço para Rádio I
É um escrito para ser falado, ou seja, é radiofônico. Seguindo a tradição da obra de Samuel Beckett, aqui, os personagens não possuem nomes, nem características físicas e tampouco psicológicas. Dessa mesma maneira não há lugar definido. É um diálogo entre um homem e uma mulher, permeado pela voz e pela música.
Vai-e-Vem
Escrita em 1965, a peça tem como personagem três mulheres, possivelmente semelhantes, em um diálogo repleto de silêncios, cochichos, memórias e lembranças. Memórias, lembranças, que constroem uma cumplicidade: no gesto, nos olhares, nos diálogos. Um vai e vem contínuo mas repleto de significados.
O Improviso de Ohio
“Improviso de Ohio” é uma das inquietantes peças curtas de Beckett. Beckett difere da formatação clássica do gênero e põe em cena um ato de leitura, de escrita, de ensaio, e não uma improvisação de atores. Dois personagens que são “tão parecidos quanto possível”, concentram-se em uma história lida em um grande livro aberto.
Texto Para Nada IV
“Texto Para Nada IV” faz parte de uma coletânea de 13 Textos Para Nada, escritos em 1950. Como sempre, escreve Beckett, o texto é sobre “um personagem indefinido, em lugar igualmente indefinido” e nele se constata e reflete o vazio sempre preenchido da existência, um vazio preenchido pelo nada.
‘Curta Beckett’
Amanhã
Às 20h
Teatro IFG
Rua 75, 46
Elenco: Nina Soldera, Ronei Vieira, Mariana Tagliari, Ilmara Damasceno, Allan Lourenço
Entrada franca