Assim como canta Almir Sater na música "Rasta Bonito": “O temor amigo, é um mito antigo. Tanto tempo faz, que a gente se arrepia, alma do outro mundo gosta é de poesia dos bares da moda e de muita folia.” Goiânia, uma cidade conhecida por sua arquitetura art déco, suas avenidas largas e vibrante vida cultural, também guarda segredos sombrios que se manifestam através de lendas urbanas e histórias sussurradas de boca em boca, de geração em geração.
São lendas urbanas que assombram a cidade, histórias de arrepiar até os mais céticos. Lugares que, à luz do dia, parecem comuns, mas, ao cair da noite, revelam mistérios e assombrações que intrigam e assustam os moradores.
Antiga Estação Ferroviária
Povoando o imaginário popular e se misturando a histórias reais de crimes nunca resolvidos, desaparecimentos misteriosos e mortes brutais, os espíritos condenados a repetir os últimos instantes de vida rondam os locais onde morreram num looping infinito. Há quem jure ter visto essas assombrações em aparições fantasmagóricas na antiga estação ferroviária da cidade.
Quando a luz da lua lança seus raios prateados sobre os trilhos no meio da madrugada, uma locomotiva fantasma desliza silenciosamente, carregando passageiros do além. A lenda contada pelos mais antigos diz que muitos trabalhadores perderam suas vidas em acidentes trágicos e seus espíritos inquietos rondam o local, esperando pelo trem que nunca chega.
Embora não haja registros oficiais de mortes ocorridas dentro da estação que tenham dado origem a lendas urbanas, a própria história do local e o imaginário popular contribuíram para a criação de um ambiente repleto de mistérios.
Uma história que assombra Goiânia
O caso da família Matteucci, ocorrido na Rua 74, no Centro de Goiânia, na década de 1950, é um dos crimes mais brutais e misteriosos da história da cidade. A família inteira foi brutalmente assassinada a machadadas dentro de sua própria casa, em um crime que até hoje não foi totalmente esclarecido.
Tudo aconteceu na madrugada de 6 de dezembro de 1957, quando os corpos dos seis membros da família Matteucci foram encontrados em sua residência na Rua 74. A cena do crime foi impressionante pela violência: os corpos estavam espalhados pela casa, apresentando múltiplas lesões causadas por um instrumento cortante, provavelmente um machado.
A polícia investigou o caso, mas nunca conseguiu identificar o autor ou os autores do crime. Diversas teorias foram levantadas, desde vingança até um crime passional, mas nenhuma delas foi comprovada.
Com o passar dos anos, a história da família Matteucci foi se transformando em uma lenda urbana, alimentada por diversas histórias de fantasmas e atividades paranormais. Muitas pessoas afirmam ter sentido presenças estranhas na casa onde ocorreu o crime. Relatos incluem sons de choros e gemidos vindos do interior da casa, especialmente durante a noite. Alguns disseram ter visto sombras se movimentando pelos cômodos e até figuras humanas. Há também relatos de objetos sendo movidos sem explicação, portas se abrindo e fechando sozinhas e luzes se acendendo e apagando inexplicavelmente.
A casa onde ocorreu o massacre ficou abandonada por muitos anos após o crime. Posteriormente, foi demolida e no local foi construída outra edificação. Apesar disso, as histórias sobre o local continuam a ser contadas, sendo considerado por muitos como um lugar assombrado.
O caso da família Matteucci foi tema de um livro-reportagem de Miguel Jorge, intitulado "Veias e Vinhos", lançado em 1982. O autor pesquisou profundamente os boatos e as notícias em torno do massacre, inclusive entrevistando o homem condenado pelo crime.
Teatro Goiânia
O Teatro Goiânia, um dos mais tradicionais da capital goiana, é palco não apenas de grandes espetáculos, mas também de inúmeras lendas e histórias sobrenaturais. Sua arquitetura imponente e a atmosfera mística que o envolve contribuem para a criação de um ambiente propício ao surgimento de mitos e lendas.
Uma das lendas mais populares sobre o Teatro Goiânia envolve a existência de um túnel secreto que ligava o teatro ao Palácio das Esmeraldas. Construído durante a Ditadura Militar, esse túnel teria sido utilizado para fins não muito claros e, segundo alguns relatos, ainda seria utilizado por entidades sobrenaturais.
Outras histórias que circulam sobre o teatro incluem a presença de entidades invisíveis nos corredores e camarins, especialmente durante a noite. Ruídos inexplicáveis, passos, batidas em portas e outros sons estranhos são frequentemente ouvidos nos bastidores e nos camarins. Funcionários e artistas relatam ter visto sombras se movimentando nos palcos e nos corredores. Dizem que, quando as luzes da plateia se apagam, dando lugar à magia do palco, os fantasmas aproveitam para ocupar seus assentos preferidos.
Minha experiência como produtora cultural em 2017, durante o Goiânia em Cena, confirma esses relatos. Enquanto operava o equipamento de filmagem no segundo pavimento, em completa escuridão, senti uma presença se aproximar. Localizei a figura na quinta poltrona da terceira fila e, no primeiro momento, imaginei ser alguém da equipe. Cautelosamente, dirigi-me à porta para observar a silhueta. Ao desviar o olhar por um instante, senti um toque em meu braço e uma mecha de cabelo sendo suavemente puxada. Sussurrei três vezes: “Quem é você?”. Assustada, me afastei e corri para as escadas. Após o término do espetáculo, realizamos uma busca minuciosa, mas não encontramos ninguém.
Ao conversar com outros frequentadores do teatro no dia seguinte, compreendi que relatos de experiências sobrenaturais são comuns no local. A atmosfera mística do Teatro Goiânia parece atrair não apenas artistas e espectadores, mas também visitantes de outro plano.
Duplicação da GO-060 nos anos 80
Em 1987, meu falecido pai, Oziel Maciel, trabalhava como operador de retroescavadeira em uma empresa de pavimentação com sede em São Paulo. Ele foi convocado para trabalhar na duplicação da GO-060 e, por isso, veio para Goiânia.
Ele contava que, no acampamento de trabalho, um dos colegas responsáveis por alimentar a usina que misturava brita ao piche asfáltico chegou tarde da noite muito assustado, acordando diversos companheiros.
Ofegante e visivelmente abalado pela experiência que acabara de vivenciar, precisou de vários copos de água para se acalmar antes de relatar o ocorrido. Ele contou que havia esquecido sua garrafa térmica no último trecho pavimentado, há cerca de 5 km do bairro do Vera Cruz em Goiânia, e decidiu ir buscá-la sozinho, já que o local era próximo.
No caminho, ao passar por trás de algumas máquinas, encontrou um casal que parecia perdido. Ele se aproximou e avisou que o local estava em construção e que havia risco de acidentes, sugerindo que eles fossem embora. O casal, porém, relatou que não conseguia encontrar o caminho de volta. Eles explicaram que costumavam passar por ali e que sua casa estava "perdida". Mencionaram que havia uma árvore baixa e uma cruz como ponto de referência, mas que a construção havia mudado a paisagem.
O trabalhador então se lembrou da remoção de um pé de goiaba cerca de 100 metros dali e decidiu ajudar o casal. Caminharam pela madrugada, e durante o trajeto ele perguntou o nome dos jovens, que responderam. O funcionário, sempre na frente e atento ao casal, finalmente chegou ao local onde a árvore foi retirada e viu uma cruz caída no chão. Quando olhou para trás, o casal havia desaparecido.
Curioso, ele puxou a madeira da cruz sob seus pés e, para seu espanto, os nomes gravados nela eram os mesmos que o casal havia mencionado. Aterrorizado, ele percebeu que aquele casal havia morrido naquela parte da rodovia, e que a cruz marcava o local da morte, conforme o costume dos mais antigos.
Durante todo o período da duplicação da rodovia, vários companheiros relataram aparições e encontros sobrenaturais nos locais onde as cruzes haviam sido retiradas. As máquinas ligavam sozinhas, ferramentas desapareciam misteriosamente objetos sumiam e eram encontradas em lugares diferentes de onde haviam sido deixadas. Quando os trabalhos finalmente terminaram, os funcionários decidiram recolocar todas as marcações que haviam sido removidas, na esperança de aplacar os espíritos inquietos.
O Parthenon Center e seus mistérios
O Parthenon Center, um dos edifícios mais emblemáticos de Goiânia, é cercado por uma aura de mistério e lendas sobrenaturais. A história do prédio, marcada por tragédias e acontecimentos inexplicáveis, contribuiu para a criação de um dos mitos urbanos mais populares da capital goiana.
A lenda do suicídio
Uma das histórias mais conhecidas sobre o Parthenon Center envolve um homem que, durante a construção do prédio na década de 1970, teria se jogado do 8º andar. Anos mais tarde, a esposa do dono do empreendimento também teria cometido suicídio da mesma forma.
A partir desses eventos trágicos, o 8º andar do Parthenon Center foi interditado e tornou-se um local cercado de mistério. Funcionários e visitantes relatam ter sentido presenças estranhas, ouvido passos e até mesmo visto sombras se movimentando nos corredores desse andar.
Outras histórias e relatos
Além da lenda dos suicídios, outras histórias sobrenaturais circulam sobre o Parthenon Center. Muitas pessoas que já trabalharam ali afirmam ter visto sombras se movimentando nos corredores e nos elevadores, especialmente durante a noite. A sensação de ser observado é outro relato comum entre aqueles que visitam o prédio.
Apesar das lendas, o Parthenon Center continua sendo um dos edifícios mais importantes de Goiânia. Abriga diversos escritórios, lojas e serviços, além da Orquestra Sinfônica de Goiânia e do Centro Cultural Octo Marques, que opera no local desde 1988, o espaço também abriga duas galerias de arte: a Frei Confaloni e a Sebastião Reis.
As histórias sobrenaturais, no entanto, continuam a fazer parte do imaginário popular e atraem curiosos e amantes do sobrenatural.
Martim Cererê entre a cultura e o mistério
O Centro Cultural Martim Cererê, um dos mais importantes espaços artísticos de Goiânia, é palco não apenas de grandes espetáculos, mas também de uma série de relatos sobre atividades paranormais que circulam pela cidade. A construção, que antes abrigava antigos reservatórios de água, carrega consigo um passado sombrio e uma aura de mistério que alimenta a imaginação dos mais curiosos.
Durante a ditadura militar, o local foi utilizado como centro de detenção e tortura, onde inúmeros opositores do regime foram submetidos a interrogatórios e castigos cruéis. Os gritos de dor e sofrimento ecoaram por aqueles espaços, impregnando-os de uma energia negativa que, segundo muitos, permanece até hoje.
Fenômenos paranormais
Após a transformação do local em um centro cultural, diversos relatos de atividades paranormais começaram a surgir. Funcionários e visitantes afirmam ter visto sombras se movimentando nos corredores, especialmente nos horários mais isolados. Muitas pessoas relatam sentir uma forte sensação de ser observadas, como se fossem acompanhadas por uma presença invisível.
O Martim Cererê representa um interessante contraste entre a cultura e o mistério. Durante o dia, o local é palco de apresentações teatrais, musicais e outras manifestações artísticas. À noite, no entanto, as luzes se apagam e o ambiente se transforma, dando espaço para relatos de fenômenos inexplicáveis.
Mistérios da Rua 8
Entre esses contos, destaca-se o mistério do antigo Casa Liberté, na Rua 8, no Setor Central de Goiânia. Antes de se tornar um ponto de encontro de artistas e boêmios, o local já era um lugar onde passado e presente se entrelaçavam de forma misteriosa.
Não há registros oficiais de crimes ou mortes que elucidem os fenômenos inexplicáveis, mas durante as noites movimentadas, é comum ouvir sussurros no bar que parecem vir do além. Há relatos de um frio intenso em áreas específicas do local, copos se movendo sozinhos, portas abrindo e fechando sem motivo aparente, e sombras cruzando o salão vazio.
A atmosfera da Rua 8, com suas luzes baixas e decoração vintage, contribui para a sensação de que algo sobrenatural está sempre à espreita. Frequentadores mais sensíveis relatam uma presença constante, como se estivessem sendo observados por olhos invisíveis. A sensação de desconforto é intensificada pela arquitetura do local, que parece guardar segredos em cada canto.
Apesar dos relatos assustadores, tanto o local onde hoje há outro tipo de comércio quanto os bares da Rua do Lazer continuam atraindo uma clientela fiel, fascinada pela mistura de história e mistério que envolve o lugar. As lendas e os eventos sobrenaturais adicionam um charme peculiar ao bar, tornando cada visita uma experiência única e, para alguns, arrepiante.
A Rua 8 é um exemplo perfeito de como as lendas urbanas e os relatos de fantasmas podem transformar um local comum em um ponto de interesse cultural e histórico.
Histórias como essas fazem parte da alma de Goiânia, entrelaçando-se com a realidade e alimentando a imaginação de seus moradores. Mesmo nas cidades mais modernas e vibrantes, o passado nunca está realmente morto, apenas adormecido, esperando para ser redescoberto por aqueles corajosos o suficiente para explorar seus recantos mais escuros.