Cultura

Contista se utiliza de linguagem minimalista em ‘Nanocantos’

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 17:04 | Atualizado há 3 anos

Os
pequenos contos que o leitor vê em “Nanocantos”, do escritor Tom Wilton, foram
concebidos sem nenhuma pretensão. Escrito às sextas-feiras e aos sábados entre
2013 e 2015 diretamente no Facebook pelo aparelho celular, a obra, que será
lançada nesta quinta-feira, 16, às 19h, no Evoé Café, começou a tomar forma
como livro em 2021, numa conversa que o autor teve com a poeta, editora, atriz
e professora Thaise Monteiro, sem a intensão que um dia pudessem ser reunidos
em um livro-caixa.

Telegráficos
e concisos, as frases apresentam uma voz narrativa não inventada de pronto,
como em “11/04/2015”. “Fui, segundo o poeta, esporrado”, diz, desprezando
qualquer tipo de firula verbal e desferindo uma porrada. “Aquilo de porra não
usada em sexo. Concebido no meio do mundo, entre o Vácuo e o Vazio, carregando
inscrito nas costas “não fui feito pra loucura”, ora, muito menos pra
amenidades. Sou do riso frouxo, do choro etílico, da madrugada em claro, do
desmedido. Sou esquizofrênico, suicida e puta. Sou um sempre-aí, nunca dado,
suposto. Ainda me inventam.”

Não
existiu papel, nem lápis ou caneta, porém dedos deslizando pela tela de um
celular que clicava um teclado virtual. Nesse período, Tom conta que buscava
reelaborar a partir da escrita que utiliza o mínimo da linguagem. Quanto mais
conseguia dizer com poucas palavras, mais interessante achava o processo. Quanto
mais sinônimos e estruturas mínimas para convocar o leitor, mais continuava a
produzir. Até que chegou num ponto ao qual prestava atenção à quantidade de
palavras utilizadas e depois à quantidade de caracteres de cada nanocanto.

“Daí, quando eu terminava, postava no meu perfil pessoal da rede social e observava as interações, os comentários de quem visualizava a postagem”, recorda-se o autor, em entrevista ao DM concebida nesta quarta, 15. Para ele, esse processo foi interessante, porque era coletivo. “Não era só eu, ensimesmado em mim com minhas questões, era muita gente junta também. Se eu me debatia com as questões de saúde mental, sexualidade, relacionamentos … eu soube ali que não era só eu, tinha História comigo. Talvez um processo que se apresentou como sujeito pra mim mesmo.”

Em
geral, os dedos em escrita de Tom oscilam de cinco a 25 palavras. De 125
nanocantos, só 15 variam a mais, de 28 a 87. Segundo o professor de literatura
da Universidade Federal de Goiás (UFG) e poeta Jamesson Buarque, autor do
nanoprefácio “A Pegada de Tom”, os textos podem ser definidos como prosemas,
mas ele pontua: “Tanto faz. Há apenas três distribuídos em versos. Podem ser
crônicas. Tanto faz. As contas são inerentes aos nanocantos, convergem pra
concisão, já que gêneros de escrita, tanto faz. Pegada contra pegada dá em
enfrentamento”, explica.

Pela
concisão, em “Nanocantos”, a morte canta, porém não a favor da velhice, doença
ou acidente. Canta o suicídio ou homicídio. O mundo massacrando homossexuais
que acabam por se matar, já que não mais aguentam a roleta-russa desse delírio
cotidiano diário. O mundo ceifando a vida de gays por não os suportarem. O mundo
narrado nas páginas do noticiário o reacionarismo dos escandalizados com
“caralho, porra, puta e cu”, que espancam, esquartejam, estupram, torturam até
que o corpo suicide, mas se não os leva à morte ou ao suicídio, o mundo vai os
definhando até que os deprime.

O que te
levou, Tom, a abordar esses temas? “Foram assassinatos de mulheres cis, de
mulheres trans, de travestis, de crianças que brincavam de boneca, era tanta
desgraça junta naquele momento como hoje que eu implodi. Foi pra dentro o
estouro e eu não tinha morrido, eu ainda estava aqui e o que é que eu iria
fazer com aquele corpo implodido, repleto de vísceras estilhaçadas?”, afirma o
escritor, dizendo que a língua o interpelou e o poético se impôs.

“O que
eu fiz em Nanocantos é gritar alto, muito alto com muita gente para que possam
nos escutar outros tantos, para que possam entender que também se grita de dor,
mas sobretudo de raiva, de indignação, para dizer que juntes a História é
outra, juntes nossos gritos históricos não deixarão a Casa Grande em paz nunca
mais (para registrar aqui a mestra Conceição Evaristo)”, atesta o autor.

Se para
essas notícias efêmeras o espaço é pouco e a atenção é reduzida, Tom mostra em
“Nanocantos” conflitos que fazem coincidir uma realidade imaginada. “Pode
causar síncope no senso sensível. Convém aguentar. O senso conservador dirá que
é coisa de bicha. E é. Vai censurar. Dane-se”, anota Jamesson. Sem dúvida, “Nanocantos” é um livro necessário,
porque se alia a concisões transigentes entre si, revidando à altura contra o
senso conservador. “Revida com muitos socos. Todos muito rápidos. Precisos,
porque concisos. Necessários, porque resistentes.”

Lançamento Nanocanto

Quando: quinta-feira, 16

Horário: às 19h

Onde: Evoé Café com Livros

Endereço: R. 91, 489 – St. Sul


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias