Coppola pirou ao bancar Marlon Brando e Al Pacino em ‘O Poderoso Chefão’
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 1 de março de 2022 às 21:45 | Atualizado há 4 meses
Faz meio século que Francis Ford Coppola, 82, pirou. Pela sua cabeça sedenta por novas ideias e à procura de chacoalhar a encaretada Hollywood, povoavam intenções que por vezes soariam até estranhas, como enfiar goela abaixo da Paramount o então desconhecido Al Pacino e o galã problemático Marlon Brando, por exemplo. Mas isso nem de longe supunha-se o mais complicado. “Eu acredito na América”, dizia uma voz, ao fundo, enquanto a tela estava escura e os primeiros créditos subiam.
Alguém, em sã consciência, via a América, digo, os Estados Unidos com bons olhos à época? Não. O Tio Sam condenava os sonhos de toda uma juventude à morte no Vietnã, os caixões estavam espalhados, a música de The Doors (cuja canção “The End”, uma das mais sombrias da banda liderada por Jim Morrison, abre o filme “Apocaplyse Now”, de 1979) cantava a arrogância de um país que acredita ser o chefão do mundo. Coppola, como lembra o crítico Inácio Araujo, gostava de levar ironia bem a sério.
Em “O Poderoso Chefão”, clássico do conturbado cineasta norte-americano expoente da revolucionária Nova Hollywood, porrada e sangue marcam a trilogia, apesar de o primeiro ser político ao mostrar a luta étnica numa Nova Iorque retratada no pós-Segunda Guerra Mundial, nos anos 1940. Com esse filme, Coppola foi forjado pela academia de Artes e Ciências Cinematográficas, faturando três estatuetas do Oscar, como a de Melhor Filme, além de render milhões de dólares à Paramount Pictures: o épico de gângsteres envelhece como um mafioso sentado na cadeira em seu jardim.
Ator com currículo apimentado pelas atuações em produções de grandes diretores como Howard Hawks, James Caan havia presenciado Coppola ser aprovado no vestibular com “Caminhos Mal Traçados/ Rain People”, um road movie em que dividia a cena com Shirley Knight e Robert Duvall. Caan estava muito bem. O filme, sombrio, considerado de grande qualidade cinematográfica, chegou a ser citado pelo crítico Luiz Carlos Merten como o exame para o qual Francis teve de ser submetido antes de seu épico famoso, cujo roteiro é assinado por ele e pelo escritor Mario Puzo.
O elenco merece elogios. Para compô-lo, Coppola chamou Caan para interpretar o esquentadinho Sonny Corleone. Duvall foi escalado para fazer Tom Hagen, conselheiro de Vito Corleone (Marlon Brando). Ninguém ali era desprovido de talento. Pelo contrário, quando o filme chegou à tela grande, os estudiosos ficaram impactados, o público não queria deixar a sessão, os atores conheceram o sabor da glória, o cineasta sentiu que a trama deveria ganhar uma continuidade – um símbolo da perfeição em cinema – e cinco anos depois veio o tombo. Foi difícil se levantar.

Primeiro, “Apocalypse Now”, com um Marlon Brando endoidecido e um roteiro livremente adaptado do romance “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, nasceu como um projeto fadado à porra-louquice. Segundo, Coppola endividou-se para bancar o cachê milionário exigido por Brando, sua estrela em decadência, Martin Sheen teve piripaque no set de filmagem, enfartando e ficando seis semanas ausente, e o cineasta perdeu 50 quilos. Terceiro, as cenas foram feitas num cenário de guerra. Por pouco, o diretor não atentou contra a própria vida, tamanha desgraça lhe acontecera.
“O Poderoso Chefão”, óbvio, não foi tão pedregoso assim. Ao New York Times, em entrevista publicada na semana retrasada, Coppola afirmou que era de sua natureza artística se preocupar com aspectos fotográficos da película. ‘“O Poderoso Chefão” foi uma experiência muito difícil para mim. Eu era jovem. Eles me pressionaram e me defendi. Gabo-me muito. Fiquei feliz por ter sobrevivido à experiência de “O Poderoso Chefão” não querer mais saber. Nem queria dirigir o terceiro filme”, confessou.
Nunca é demais lembrar, trilha sonora primorosa (composta por Nino Rota), fotografia, direção de arte, cenografia e atuação dos atores se tornaram marcas indeléveis ao filme de Francis Ford Coppola. A trama, decorada por cinéfilos, começa no casamento da filha de Don Corleone, papel de Taila Shire. Em seguida, o público conhece a estrutura criminosa que cerca o chefão, suas organizações e a importância que dá à família. O problema é que ele está velho, quer frear a escalada das drogas, sofre um atentado: há a visão calculista de Michel versus a impulso de Sonny.
Rei dos EUA na Segunda Guerra, Michel levado pelo pai para longe dos negócios. Mas não demora até ele estar à frente e comandar o pow-pow-pow aos inimigos de Don Vito, jorrando sangue pelas valas de Nova Iorque na década de 1940 enquanto imagens da famiglia na igreja se alternam com a sequência de tiro, porrada e pólvora. Aos fãs da trilogia, uma boa notícia: acaba de chegar às salas uma versão remasterizada do filme.