Desde que o primeiro plano do filme irrompe na tela, a sensação é de que em "Grande Sertão" tudo será feito para impressionar o espectador. Como se trata da adaptação de um livro de Guimarães Rosa, pode-se saber que estamos diante de um produto dito de prestígio. Ou um "filme de arte".
O que vem a seguir confirma e aprofunda os temores que o plano de abertura sugere. A estratégia de encher a tela com imagens para inglês ver recheado por um roteiro fundado sobre a máxima de "o sertão é em toda parte" —máxima desde a primeira página do romance.
Se está em toda parte, pode estar onde for —numa favela, por exemplo. Favela estilizada, onde o professor Riobaldo, vivido por Caio Blat, tenta ensinar história do Brasil a alguns alunos. A escola é uma construção precária nesta favela onde tudo tem aquela cor metálica, acobreada, que conhecemos das aventuras dos vikings.
A aula não irá adiante. Uma bala perdida ao longo das muitas altercações que acontecem no lugar apanha uma menina. A mãe corre ao ter a notícia e solta um grito enorme, forte, interminável.
Estamos nos primeiros minutos de filme, e ela chega ali onde chegou Michael Corleone nos últimos momentos de sua saga. A coisa está só começando. Parece que estamos num desses filmes que passam na TV com pessoas horríveis de todos os lados.
Essa convivência entre um mundo de pura violência e outro de sabedoria jagunça se acomodam mal. De repente, no meio da barbárie, entramos no julgamento do coronel da Polícia Militar capturado pelo grupo. Os mais beócios da turma querem acabar logo com ele. Riobaldo entra com a história de que o coronel é adversário, mas é um homem de bem, valente etc.
É talvez o melhor momento do filme, onde o fraseado soa mais prático e menos pomposo: o objetivo de Riobaldo ali é mais convencer os outros do que impressionar pela sabedoria.
Mas aí a gente olha em torno e o discurso não combina com os ouvintes. Então a carnificina continua e, com ela, os insuportáveis gritos, que invariavelmente terminam com a câmera alta, sobre a cabeça da pessoa que grita. Então, ela volta a cabeça para o alto, como se esperasse ser ouvido em outra esfera, e grita mais.
Esses gritos parecem querer significar a dor de uma perda infinita. Mas como gente morre a toda hora nessa favela, ali a dor, ou o grito, nos transmitem apenas a ideia de que a dor não passa de um nó no peito, de um espasmo "grand guignolesco" vivido por fantoches sanguinários, movidos não por alguma ambição ou sentimento, mas pela pura necessidade de estar lá a serviço da arte.
O amor de Riobaldo e Diadorim, vivido por Luisa Arraes, pela ambiguidade sexual que contém, pela angústia que envolve, parece mais um badulaque acrescentado à sanha guerreira dos envolvidos —eles inclusive— e acaba se tornando um fardo a carregar pelos, aliás, bons atores.
(Reflexão lateral: seria mais interessante se Diadorim fosse feito por um ator? Pode ser.)
Olhando em retrospectiva, "O Auto da Compadecida" —condensado de uma minissérie dirigida pelo próprio Guel Arraes— e "Lisbela e o Prisioneiro" parecem mais interessantes agora do que pensei originalmente.
O salto em "Grande Sertão" parece um esforço no sentido de caminhar da televisão ao teatro, o que não seria mau, caso o cinema não servisse apenas de ponte. Mas também um esforço para passar das comédias ligeiras à tragédia, de onde resulta um espetáculo tão atrapalhado, tão equivocado quanto pirotécnico.
GRANDE SERTÃO
Avaliação: Ruim
Quando: Estreia na quinta-feira (6) nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Caio Blat, Luisa Arraes, Rodrigo Lombardi
Produção: Brasil, 2024
Direção: Guel Arraes