Djavan, 75, compõe músicas inconfundíveis. Fazem curvas, ondulam, se movem. São sincopadas. Para o crítico Paulo da Costa e Silva, trata-se de um artista grandioso. Ou inigualável. Cria harmonias detentoras de certo clima jazzístico, seja na formação dos acordes – sempre com sétimas, sextas e nonas – e na forma dinâmica com que os encadeia.
Sente-se pulso rítmico vibrando originalidade. Voz áspera ulula metáforas harmoniosas. É fácil nos djavanear. Como ouvimos em “Sina”, “Capim” e “Pedra”, são levadas gostosas. Parece seguir o violonista Gilberto Gil: a frase pode ser mais rítmico-melódica do que harmônica. Daí haver familiaridade sonora entre Djavan e o Gil de “Expresso 2222”.
Será essa simbiose que veremos neste sábado, 15, a partir das 20h, no Centro de Convenções da PUC. Djavan cumpre as últimas datas brasileiras de sua agenda. A partir do mês que vem, embarca para a Europa – onde se apresentará em Portugal, Holanda, Áustria e Itália. São os últimos acordes, os derradeiros solos e os sopros irrevogáveis da turnê D.
Com suas divisões percussivas e senso rítmico, o alagoano levará ao concerto pelo menos 20 sucessos da carreira, como “Se…”, “Samurai”, “Pétala” e “Lilás”. Conforme o artista, as músicas ocupam lugar cativo nas apresentações que tem feito Brasil afora desde 2023. “São obras que o povo ama”, disse, na praia de Copacabana, antes de tocar no Tim Music.
Nascido em Maceió, Djavan aprendeu com a mãe as primeiras canções. Vinham do rádio, veículo de comunicação dominante nos anos 50 entre famílias descapitalizadas. Coisas como Orlando Silva, ngela Maria e Dalva de Oliveira chegaram até a casa do menino pela Rádio Nacional. Em seguida, apaixonou-se pela música feita por Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, mas logo depois pintou um tal de Beatles com aqueles acordes revolucionários.
Como tantos jovens de sua geração, foi arrebatado pelo som fibrilante de Lennon, McCartney, Harrison e Starr. Não deu outra: estava empolgado com o rock’n’roll. Aos poucos, foi ficando conhecido na noite maceioense por fazer um bom cover dos Fab Four. Entre o fim dos anos 60 e o início da próxima década, aperfeiçoou-se como instrumentista.
Trocando o futebol pelo violão, o menino-craque se percebeu maravilhado com a música de Bach e Beethoven. O jazz, contudo, lhe deixou enlouquecido. Miles Davis e John Coltrane faziam a imaginação do jovem Djavan se dissipar naqueles impressionantes improvisos, enquanto Noel Rosa e Tom Jobim o puseram em sintonia com a tradição do samba.
Em 74, colocou os pés no Rio de Janeiro. Dois anos depois, publicaria pela Som Livre o elepê “A Voz, o Violão, a Música de Djavan”, cujo samba “Flor-de-lis” viria a ser um hit atemporal. A melodia gruda no ouvido, embora o discurso lírico anuncie tristeza. “Valei-me Deus/É o fim do nosso amor/Perdoa por favor...”, vocaliza, num dos discos de estreia mais impactantes da música popular brasileira. Foi gravado no mitológico estúdio da EMI-Odeon.
Djavan havia se mostrado como o que realmente era: artista completo. Tão completo que as divas Maria Bethânia e Nana Caymmi se interessaram por gravar composições de alagoano. Entre 78 e 81, foram lançados os discos “Djavan”, “Alumbramento” e “Seduzir”. Artista em ascensão, juntou-se a Martinho da Vila e Dorival Caymmi numa excursão a Angola.
Ancestralidade
Conheceu ali um canto engrandecido. Imediatamente, percebeu grande semelhança rítmica consigo próprio. Tem início, pois, um período de riqueza criativa. Pela CBS, conquistou o público estadunidense com “Luz”, de 1981, que recebera elogios do produtor Quincy Jones. Talvez seja o trabalho mais popular da discografia djavaniana, como os hits “Capim”, “Sina”, “Pétala”, “Açaí”, “Esfinge”, “Nobreza”, “Banho de Rio” e “Minha Irmã”.
Os anos 80 gerariam ainda outros bons trabalhos. Em 84, saiu também pela CBS “Lilás”, das baladas “Infinito” e “Esquinas”. Esta última faixa, inclusive, recebeu versão de sotaque bluesy arranjada por Roberto Frejat. “Meu Lado” (Sony Music) chegou às lojas em 86. No ano seguinte, o artista publicou “Não é Azul Mas é Mar”, que o pesquisador Hugo Sukman afirma ser “o mais poético dos discos de Djavan”. A década se encerra com “Oceano”, de 89.
Ouvem-se belos dedilhados. À primeira audição, soam simples, porém quase sempre com ritmos inventivos que se relacionam de forma complexa com a vocalização – caso de “Outono” ou “Luz e Mistério”. Há ainda inconfundível romantismo. Pode-se dizer que carrega sofisticação, sim, mas sem abdicar daquele lirismo brega consagrado em “Amar é Tudo”.
Djavan tem se assumido artista internacional. Brilha nos principais palcos do mundo. Além de se voltar para a África, como fizera nos anos 80, a Espanha mexeu com o alagoano, a partir de suas influências árabes, ciganas e da música flamenca. Atingiu maturidade artística com o disco “Novena”, de 94, composto, produzido e arranjado pelo próprio cantautor.
Equilibrando-se entre blues e samba, rock e flamenco – mas sempre embalando o país com sua mão direita depositada no violão –, é ainda poeta. Enquanto não nos encontramos com Djavan no teatro da PUC, resta correr ao Spotify para curtir “D Ao Vivo Maceió”. É música esperançosa, em que há espaço para sensibilidade, para os sonhos e, sobretudo, para o amor.
Djavan - Turnê D
Sábado, 15
A partir das 20h
Teatro da PUC
Av. Engler, 507
Jardim Mariliza
A partir de R$ 200
Pelo Alpha Tickets