Maior coletivo da música brasileira, o Clube da Esquina tem história contada no documentário “Nada Será Como Antes”, pelas lentes da diretora Ana Rieper, que chega aos cinemas no próximo dia 28. Milton Nascimento e Lô Borges - então com 16 anos - criaram um dos melhores discos que se conhece. “Clube da Esquina”, lançado em 72, foi o primeiro elepê duplo do nosso cancioneiro e teve o brilho artístico de músicos como Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva, Flávio Venturini, Wagner Tiso e Márcio Borges.
Havia uma sonoridade única, em que se identificavam elementos pinçados do supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young e dos rocks assinados pela dupla Lennon e McCartney. Milton esteve à frente do projeto e escolheu orquestrar um trabalho grupal, como se ele e Lô vivessem numa comunidade - num clube. Carioca adotado ainda pequeno por pais que se mudaram para Três Pontas (MG), o cantor vocaliza parte considerável das composições.
Embora fincado em raízes mineiras, o Clube da Esquina nunca foi só de uma esquina, nem de uma turma, tampouco de um bar e, convenhamos, muito menos de Belo Horizonte. Pertence ao mundo, àqueles que ouvem o trem azul, sabem que nada será como antes e se deixam levar pelo girassol que colore uma certa madeixa. Pode-se dizer que o coletivo continua vivo nas músicas, nas letras, no amor, nos filhos e a quem mais essa obra chegar.
À imprensa, por meio de comunicado, Ana afirma que o filme mergulha no processo de criação artística, nas influências, nas casualidades algumas vezes pueris que levaram a um resultado mágico, nas formas de relação com cada instrumento, nas descobertas de caminhos para arranjos e na poética das letras. “Em torno desses elementos, o filme se desenvolve, sem abrir mão de contar a história do encontro desse grupo de artistas jovens, idealistas, descontraídos e geniais”, observa a diretora, especialista na relação entre música e sociedade.
Os artistas se embalavam por amplificadores de consciência fermentados, destilados ou fumados. Lô amava o rock dos anos 60, tanto que chegara a tocar num grupo cover chamado Fab Four, apelido de Lennon, McCartney, Harrison e Starr criado pelo jornalista Tony Barrow. E, no entanto, o jovem belo-horizontino se alucinava também com aquele modernismo musical tocado por João Gilberto, figura emblemática para a bossa nova.
Pedro Alexandre Sanches, pesquisador, diz no livro “Álbum 2 - 1972 a 1978: Samba, Rebelião Sexual e Segundo Levante Negro” (Editora Sesc) que o time reunido ali tinha o peso de “cinco seleções brasileiras de futebol”. Havia muita gente boa. A cantora Joyce Moreno, por exemplo, definiu tantas vezes o Clube da Esquina como “um clube do bolinha”. Apenas uma mulher, Alaíde Costa, cantora surgida uma geração antes de Milton Nascimento, participa da comunidade sonora colocada em pé pela dupla Milton-Lô, no samba “Me Deixa em Paz”.
Essa turma criou uma sonoridade inconfundível e, a partir dela, revolucionou as músicas brasileira e mundial. Ana Rieper, a diretora de “Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina”, que entra em cartaz nos cinemas goianos no próximo dia 28 de março, revela histórias inéditas e curiosidades em torno daquele que, sem dúvida, é um dos momentos mais célebres da cultura brasileira. Não por acaso, aplaudiram-lhe na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, evento tradicional para o calendário do audiovisual nacional.
Acordes e memórias
“Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina” é um filme sensorial. Dentre acordes e memórias, os artistas evocam a música jazzística de John Coltrane e Miles Davis como elemento essencial à sonoridade do clube. O saxofonista Nivaldo Ornelas compara tal musicalidade com o Genesis, banda inglesa importante para o desenvolvimento do rock progressivo nos anos 70 - fizeram parte dela, por exemplo, Phil Collins e Peter Gabriel.
Um dos momentos de maior emoção recai nas notas virtuosas do guitarrista Toninho Horta. Para o lendário músico, numa colocação poética, os ruídos do Clube da Esquina se assemelham aos “contornos das montanhas” de Minas Gerais. Ao contar a história do coletivo, é preciso lembrar também que o cinema transformou esses artistas. Dificilmente teria existido o Clube da Esquina sem as narrativas audiovisuais construídas por François Truffaut, especialmente “Jules e Jim”, que fez Milton virar parceiro de Márcio Borges.
Outro momento comovente, talvez o mais comovente dentre todos os mostrados ao longo dos 79 minutos de “Nada Será Como Antes”, é o depoimento de Lô Borges. Quando conheceu Milton, Lô percebeu que diante dos seus olhos havia um camarada para vida toda. “Acho que ele teve a mesma sensação em relação a mim. Foi um encontro para sempre”, conta à diretora Ana Rieper, que pôs Lô para conversar com velhos parceiros em estúdio. Ele e o irmão Márcio Borges, inclusive, protagonizam o documentário. Escolha, de fato, assertiva.
Também, ora pois, pudera: Márcio retrata a história do coletivo mineiro no livro “Clube da Esquina 40 Anos”, rodado pela Imprensa Universitária, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É uma coisa interessante esse mix da música de Milton Nascimento com Lô Borges. Acho isso fundamental para que o álbum tenha se tornado algo original”, reflete o artista, num definitivo depoimento, disponível na obra citada nesta reportagem.
O embrião do Clube da Esquina cresceu quando Marilton Borges se mudou com a família para o edifício Levy, no Centro de BH, e conheceu Milton nas escadas do prédio. Marilton percebeu que era melhor, em termos de acústica, tocar violão na escadaria. Até que, certa vez, estava lá ele dedilhando escalas e desenhando acordes, e eis que escuta um outro violão – morava no 17° andar – embaixo. De imediato, boquiaberto, sua reação foi pensar “uai”.
“Foi assim que Bituca e eu nos conhecemos”, recorda-se, na obra. No Rio de Janeiro, cidade para a qual Lô foi convidado a ir, a harmonia de Milton impactou nomes como Tom Jobim, que até chegara a regravar a psicodélica “Trem Azul”, do primeiro disco do Clube da Esquina, o célebre elepê duplo lançado em 1972. “Lô Borges”, o disco do tênis, demonstra a poesia que Milton Nascimento percebeu. Poesia, aliás, que o artista gosta. Ele e o clube.
Nada Será Como Antes
Diretora: Ana Rieper
Gênero: documentário
Duração: 79 minutos
Dia 28 de março nos cinemas