Olhe os impressionantes vídeos que estão no Youtube: Lionel Messi faz a pelota coruscar. E Messi coruscando a pelota, além de criar obras artísticas em formato de gols e dribles, tornou-se lenda ao conduzir a seleção portenha nos gramados cataris para o tricampeonato mundial. Fez gols de esquerda, direita, deu passes, arrancou, entortou zagueiros (que o diga o mascarado Gvardiol) e salvou a Argentina de ir embora mais cedo em duas ou três ocasiões - como não lembrar dos jogos tensos contra mexicanos e holandeses?
Messi - você sabe - tem baixa estatura. Mas seu 1,69 metro, moldado por 67 quilos de massa muscular, não lhe impediu de correr com a bola colada ao pé canhoto nos tempos de Barcelona. Aos 35 anos, mais experiente, dita o ritmo da peleja: acelera-a quando precisa, cadencia-a ao julgar que isso é o necessário, dribla marcadores com facilidade pornográfica. Só que, não se deixe enganar, a frieza dos números é incapaz de reportar a beleza da partida.
Apelemos, pois, à literatura, mais especificamente ao romance-catatau “O Jogo da Amarelinha”, pois Messi precisa ser compreendido na ordem em que bem quiser, de trás para frente, de frente para trás, fragmentado ou não, em ordem linear ou não. Jogar bola, ensina Pep Guardiola, assemelha-se a uma partida de xadrez, em que se espera o momento certo para o gol, para o passe, para a ginga, para uma falta e, óbvio, para erguer uma taça.
El diez hermano passeia em campo, como quem procura beijar a glória. Ora, e o que mais pode querer? Anotou 800 gols, foi eleito seis vezes Melhor Jogador do Mundo pela Fifa, faturou quatro vezes a Champions League, abocanhou a Copa do Mundo. “Não suportava a dor da derrota e, então, para sofrer um pouco menos, teve que ser muito mais que todos”, escreve o biógrafo argentino Ariel Senosiain na obra “Messi, o Gênio Completo”.
Senosiain diz ao Diário da Manhã, com exclusividade, que Lionel Messi se libertou após conquistar todos os títulos vestindo a camisa albiceleste. Primeiro, lembra o jornalista, veio a Copa América. Depois, peça chave de la scanoleta, conquistou o título mais importante da carreira futebolística. “Messi sempre foi assim, sempre teve características de argentinidade pura”, afirma o pesquisador, após ser indagado pelo repórter sobre a mudança na personalidade do craque - torceu, por exemplo, para que “Argentina, 1985” levasse o Oscar.
Estrela do longa dirigido por Santiago Mitre, o ator Ricardo Darín se emocionou: “outra amostra de sua grande generosidade. Tanta simplicidade emociona. Você sempre foi assim e te conheço desde os 17 anos; já sentia isso. Messi, obrigado! Vamos, Argentina.” Darín interpreta o promotor Júlio César Strassera. Ele é figura importante do chamado Julgamento das Juntas de 1985, em que líderes da ditadura comandada por Jorge Videla foram ao banco dos réus e, de lá, rumaram à prisão, onde muitos deles permaneceram até a morte.
A diferença do Messi de hoje para o de antes? Segundo o biógrafo do craque, a resposta é simples. “Agora se expõe mais”, declara Ariel Senosiain, falando sobre o sentimento de pertencimento à Argentina que o gênio expressa. “Sinto que nada mais pesa sobre ele. É mais autêntico do que nunca.” Foi o que Senosiain conseguiu mostrar por meio de sua investigação jornalística. Para traçar o perfil do multicampeão, o biógrafo colocou a mão na massa, entrevistando 68 pessoas para reconstituir episódios inusitados.
Dentre eles, por exemplo, uma expulsão equivocada na primeira partida do craque com a camisa argentina num amistoso contra a Hungria. O efeito sobre o jovem, então com 18 anos, foi devastador: “como vou estrear na seleção principal desse jeito? É uma vergonha. Nunca mais vão me chamar” Sou um desastre”. “Messi, o Gênio Completo” reúne ainda três conversas inéditas que nenhum jornalista conseguiu, com o próprio pai do jogador, Jorge Horacio Messi, o treinador Alejandro Sabella e o ex-presidente da Fifa Sepp Blatter.
Senosiain, contudo, tem os pés no chão. Acha, por exemplo, improvável que o culto a Lionel Messi ganhe contornos religiosos, como ocorreu com Diego Armando Maradona, campeão do mundo com as cores azul e branca em 1986, cujos feitos são celebrados pela igreja maradoniana. “Maradona foi um mito quando vivia. Foi personagem por excelência de nosso país, além da valorização como jogador de futebol. Da mesma forma, Messi nesta Copa do Mundo teve o que antes lhe faltava e parecia pertencer apenas a Digo: épico.”
O jornalista recorre a uma frase que disse num programa televisivo durante a cobertura da Copa do Mundo. “Messi foi um cartaz, depois virou uma banda e hoje é também uma tatuagem”, atesta Senosiain,. “Eu falo sobre o que vi. E Pelé não vi vivo e Maradona no auge vi apenas uma parte. Por isso, o melhor de minha história é Messi. Se eu tivesse que adivinhar quem foi o melhor da história, mesmo respeitando quem diz que Pelé foi superior, acho impossível que tenha existido alguém melhor que Messi”, polemiza.
Quem se rendeu, durante a Copa, a Lionel Messi foi a escritora Mariana Enriquez. “Dá-me ternura e vertigem porque percebo o que significa o nosso futebol. Isso: nós ganhamos”, declarou Mariana, expoente do jornalismo e literatura argentinas - seus textos sobre contracultura são conhecidos na imprensa hermana. O fenômeno Messi, aliás, é tão grande que o craque foi perfilado pela “The New Yorker”, referência planetária em jornalismo cultural. Ariel Senosiain está certo: Messi é gênio completo. Hoje, não há ninguém melhor.
Veja a entrevista completa com biógrafo de Messi:
Diário da Manhã - Messi se tornou um santo na Argentina: anotou “Argentina, 1985” em um post no Instagram, adotou uma personalidade “maradoniana” na Copa e, ainda por cima, conquistou o torneio. Como aconteceu essa transformação na personalidade do ídolo?
Os títulos, agora a Copa do Mundo mas principalmente a primeira da Copa América, o libertaram. Sempre foi assim, sempre teve características puramente argentinas. A diferença é que agora ela os expõe mais. Você sente que nada mais pesa sobre você. É mais autêntico do que nunca.
DM - Você acha que, nos próximos anos, pode haver uma igreja que enalteça Messi, como aconteceu com a estrela Don Diego Armando Maradona, o garoto de ouro e capitão do time em 1986?
É difícil para ele chegar tão longe porque Maradona era um mito mesmo quando ele estava vivo. Ele foi o personagem por excelência do nosso país, além da valorização como jogador de futebol. Da mesma forma, Messi nesta Copa do Mundo teve o que antes lhe faltava e parecia pertencer apenas a Diego: épico. E do épico é construído. Tenho que repetir uma frase que usei em programas de televisão no Catar: Messi primeiro foi um cartaz, depois virou uma bandeira e hoje também é uma tatuagem.
DM - Por que os argentinos se identificam com figuras como Messi e Maradona?
Acima de tudo, porque somos muito fãs de futebol. Não há conversa que não inclua o futebol. E por outro lado, obviamente, pela genialidade do jogo de ambos. Maradona também era admirado por sua liderança, carisma e rebeldia; Messi, por diferentes qualidades: sua simplicidade, sua camaradagem e sua humildade. São os nossos emblemas, a forma de conhecer o país no mundo. O sobrenome composto da República Argentina.
DM - Direto ao ponto: quem é melhor, Messi, Maradona ou Pelé?
Eu falo do que eu vi. E não vi Pelé ao vivo e vi apenas uma parte de Maradona plenamente. Então o melhor da minha história é o Messi. Se eu tivesse que adivinhar quem foi o melhor da história em geral, mesmo respeitando quem diz que Pelé foi superior, acho impossível que tenha existido alguém melhor que Messi.
DM - Anos atrás Messi foi acusado de não jogar pela seleção como fazia pelo Barcelona. Como você superou as críticas e lidou com isso?
Ao receber críticas, ele considerou isso parte do jogo, embora achasse que algumas delas eram injustas. Ele os superou fazendo o que gosta. Com perseverança, seu talento, sua capacidade de preparação e foco nos torneios que disputou com a seleção e, fundamentalmente, pelo amor ao futebol, pela vitória e pela seleção argentina.
Título: Messi, o gênio completo
Autor: Ariel Senosiain
Editora: Hábito
Páginas: 256
Preço: 64,90
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