Elvis é cancelado, mas tem vida contada em cinebiografia
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 11 de julho de 2022 às 14:11 | Atualizado há 4 meses
Sua voz, bastante flexível e poderosa, fez a cabeça de meio mundo: Jim Morrison, Mick Jagger, Erasmo Carlos e Roberto Frejat são artistas que não medem palavras para reconhecer o talento do músico nascido em 8 de janeiro de 1935 em Tupelo, nos Estados Unidos. Elvis Presley ainda é um oceano em cujas águas precisamos nadar, mas no qual devemos mergulhar sem medo de ser levado pela correnteza roqueira. Afinal, como o astro do rock disse em 1971 ao aceitar um prêmio que lhe considerava um dos jovens mais destacados do país, “sem uma canção o dia não termina”.
Para Elvis, embora seja responsável por empilhar hits como “Don´t”, “Love Me Tender” e “Suspicious Minds” nas paradas de sucesso, o dia nunca terminou. Nem mesmo quando Elvis Aron Presley morreu no ano de 1977 em sua mansão, em Memphis, aos 42 anos. Vítima de infarto, sabia-se que o astro tinha predileção, desde os tempos em que servira o exército em 1958, pela anfetamina e, ao mesmo tempo, fazia uso diário de medicamentos para controlar o sonambulismo. De lá para cá, questionaram-no a obra, colocaram-no em cheque o talento e tentaram-no apagar da história.
Segundo John Lennon, a maneira de Elvis se mover pelo palco, incorporada na visão do músico por Jagger nos Rolling Stones, não passava de uma “besteira”. “Antigamente na Inglaterra, todos os grupos eram como Elvis e um grupo de apoio, e os Beatles deliberadamente não se mexiam com Elvis”, analisou o autor de “John Lennon/ Plastic Ono Band”, de 1970, em entrevista à Rolling Stone, no ano seguinte. “Então Mick Jagger surgiu e ressuscitou o ‘movimento estúpido, mexendo a bunda’. Então as pessoas começaram a dizer que os Beatles eram antigos.”
O fato é que Elvis, sob hipótese alguma, carregava a rebeldia de um Jerry Lee Lewis, pianista que botava fogo em seu instrumento durante as apresentações. Muito menos tinha alguma semelhança, em termos estéticos e comportamentais, com Little Richards, artista homossexual que dera imensa contribuição ao rock tal como o conhecemos hoje. Tampouco com Chuck Berry, mestre dos riffs e dos solos rápidos sobre o qual Keith Richards, eterno guitarrista-pirada dos Stones, já disse ter copiado. Parece que falta essa admiração das lendas a Elvis.

À primeira vista, sim. Mas, ao olharmos para o som e, principalmente, para o vocalista do The Doors com atenção, percebe-se que as coisas não são bem assim. Reconhecido por um barítono que ainda continua provocando arrepios em músicas como “The Spy” e se torna mais evidente no disco “L.A Woman”, em que as linhas de baixo foram criadas por Jerry Scheff (músico que tocara na banda de Elvis Presley), Jim Morrison admirava o intérprete de “Blue Suede Shoes” ao ponto de revelar, na biografia “Ninguém Sai Daqui Vivo”, dos jornalistas Danny Sugerman e Jerry Hopkins, que seu canto era inspirado no timbre do sex-symbol e de Frank Sinatra.
Ainda assim, pesa contra Elvis o fato de ele não ser um compositor, e sim intérprete, com direito a ficar um degrauzinho abaixo dos seus companheiros de geração Lee Lewis, Richards e Berry. Se olharmos para a história do rock como um todo, Elvis Presley talvez desce mais um ou dois graus na prateleira das lendas: John Lennon, Paul McCartney, Jim Morrison, Mick Jagger e Jimi Hendrix, só para permanecer nos anos 60, ficam à frente do ‘rei do rock’ nesse quesito. Mas o ponto que levou o músico americano ao escrutínio das gerações millennials e X é outro. E dos tempos atuais.
Nos últimos anos, desde que as redes sociais transformaram a maneira na qual consumimos música e com o rock estigmatizado como coisa de tiozão reacionário do churrasco de domingo, o interesse pela obra de Elvis Presley despencou e, por essa razão, o espólio do músico começou a pensar em formas para reconquistar o público. Esperava-se que “Elvis”, cinebiografia dirigida Baz Luhrmann que entra nas salas na próxima quinta, 14, soasse como uma tentativa de repetir o que “Bohemian Rapsody”, de 2018, conseguiu. Ou até mesmo o musical “Rocketman”, do ano seguinte.
Despenca interesse pela obra de Elvis Presley
O efeito com Elvis pode ser o contrário justamente pelos motivos que o levaram a escorregar no início da carreira, como apropriação da cultura negra – com danças e canções incorporadas ao repertório dele – e acusações de racismo. Fora isso, o que já seria o suficiente para colocar o artista sob o escrutínio dos canceladores, há o relacionamento com a esposa Priscilla: quando a conheceu, ele tinha 24 anos e ela era dez anos mais nova. Vídeos, como é comum à era da internet, correm solto na rede social TikTok e são capazes de deixar até os fãs de Elvis mais ferrenhos desconfortáveis.
Outros, mais amenos, submetem o ‘rei do rock’ a uma posição, digamos, engraçada: usuários acreditam, assim como dois e dois são quatro, que essa é a primeira vez que o cantor norte-americano tem seus comportamentos condenáveis expostos ao público. O que, com meia dúzia de cliques sobre o que saiu na imprensa americana nos anos 50, 60 e 70, nem é tão difícil assim, já é possível dimensionar a pessoa por trás da lenda Elvis Presley. Sim, Elvis já foi cancelado. Mas estamos falando de um cara que ainda é referência na música e, entre uma treta de internet aqui e outra ali, foram arrecadados 30 milhões de dólares com “Elvis”.
Como diz seu obituário que saiu na revista Rolling Stones, Elvis Presley apresentou a jovem América branca à música que vinha fermentando na subcultura negra. E agora, desde sua ascensão ao estrelato, veremos a conturbada relação que o roqueiro teve com seu empresário Tom Parker, em “Elvis”. Austin Butler e Tom Hanks estão bem no papel de cantor e manager, respectivamente. “Tinha me convertido numa lenda. É difícil ser uma lenda viva. É difícil reconhecer a si mesmo em uma lenda”, afirma o escritor Lázaro Droznes, no romance “Eu, Elvis – Condenado pelo Sucesso”.
Às vezes só a ficção dá conta da realidade. E de Elvis Presley.