Após se apresentar nesta sexta, 12, em Brasília, o rapper paulistano Emicida, 38, se desloca até Goiânia para mostrar a gira final do experimento social “AmarElo”, na Arena Multiplace, onde vocaliza no sábado suas rimas cotidianas. Desde que estreou a parte final da turnê em Belo Horizonte, Minas Gerais, o artista tem deixado os fãs em polvorosa nas principais capitais brasileiras – pois, como ele mesmo nos ensina, tudo vem da África.
“AmarElo” – lançado em 2019 e alçado à condição de obra-prima da década passada – aproximou o artista da cultura brasileira. Trouxe participações de Zeca Pagodinho, Fernanda Montenegro, Jé Santiago, Pabllo Vittar e Fabiana Cozza, dentre outras. Há ainda influência do gospel, mas não apenas o estilo consagrado na música estadunidense pela voz de Mahalia Jackson ou Aretha Franklin – e sim os rituais do candomblé e dos protestantes.
O disco começa com “Principia”, canção que traz o coral da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e um sermão do pastor Henrique Vieira. Por meio da batida do hip hop, mostra-se uma devoção à espiritualidade: “Tipo um girassol, meu olho busca o sol/ Mano, crê que o ódio é solução/ É ser sommelier de anzol/ Barco à deriva sem farol/ Nem sinal de aurora boreal/ Minha voz corta a noite igual um rouxinol no foco de pôr o amor no hall”.
Emicida afirma que essa música carrega “uma coisa especial de sincretismo, que é uma característica da negritude do Sudeste, principalmente de São Paulo”. Quando “AmarElo” saiu, há cinco anos, o rapper achou que a sonoridade construída no trabalho seria uma espécie de samba, ou um “neo samba”, para usar um termo comum à época. Ele queria criar algo novo, poeticamente comovente e, se possível, liricamente desconcertante.
“O ápice dos gêneros passa. É efêmero. Mas os artistas que têm substância se mantêm. Eu acho que encontrei a linguagem da minha música, tenho me sentido instigado por esse exercício de criação”, diz o artista, que acaba de lançar o single “Acabou, Mas Tem…”. Com a nova música, observa-se mais um capítulo na incursão de Emicida pelo samba, num fraseado que remete ao violão vadio – e até barroco – dos afro-sambas de Baden Powell.
Na segunda faixa de “AmarElo”, num feat com a cantora paulistana MC Tha, ouve-se uns metais sussurrantes e um violão delicado. Em seguida, Emicida trova versos que comunicam a vida dos trabalhadores, como se estivesse dialogando com a tradição da música popular brasileira – aquela em que Chico Buarque denuncia a repetição proletária. “A merendeira desce, o ônibus sai/ Dona Maria já se foi, só depois é que o sol nasce”, declama o rapper.
Emicida se volta às discussões antirracistas na música “Ismália”, a oitava de “AmarElo”, que está no Spotify. De cara, em termos musicais ou discursivos, a voz da cantora baiana Larissa Luz expressa palavras ao estilo daquelas ditas pela filósofa Angela Davis. “A felicidade do branco é plena/ A felicidade do preto é quase”, canta Larissa, lembrando o timbre poderoso de Tina Turner – vítima de violência doméstica quando casada com o músico Ike Turner.
“Por todos os lugares do mundo que passamos com esse espetáculo, as pessoas alcançaram um tipo de transcendência muito bonita. Eu me emocionei em todos eles Emicida, cantor e compositor
Se o disco deve ser interpretado como registro do ano de 2019, é certo que ele se eternizou a partir de um documentário disponibilizado na Netflix. Desde então, Emicida percorreu o mundo – até que a pandemia impediu shows na tentativa de evitar a disseminação da covid-19. “AmarElo”, então, saiu dos palcos, mas continuou na cabeça – e ouvidos – dos fãs.
Como a frente fria costuma trazer a chuva, o experimento social – conforme Emicida chama o disco – adquiriu outras dimensões, virando um refúgio para muitas pessoas desoladas. O show, até o momento, foi realizado cerca de 120 vezes, em nove países e 55 cidades. Em razão disso, transformou-se numa espécie de culto para as pessoas, que veem ali a profundidade e a intensidade necessárias para suportar os desvarios da realidade.
Itinerário
Na gira final, doze cidades estão no itinerário escolhido pelo artista. “Por todos os lugares do mundo que passamos com esse espetáculo, as pessoas alcançaram um tipo de transcendência muito bonita. Eu me emocionei em todos eles. Componho sonhando com coisas que eu gostaria de ver no mundo e, quando essa sinergia acontece, sinto que as pessoas me dizem que querem ser parte deste sonho também. E são mesmo”, diz Emicida.
O rapper acredita que sua música – responsável, dentre outras coisas, por ter resgatado Belchior por meio de sample – é ancorada na palavra. Dedicado atualmente ao aprendizado de flauta transversal, Emicida revela que o estudo serve para libertá-lo de certas amarras bobas. “Essa coisa de neo samba é uma responsa, por isso fui estudar sério. Quero criar algo musical que dê orgulho aos meus ídolos”, fala, sobre o single ““Acabou, Mas Tem…”.
A respeito da gira final de “AmarElo”, Emicida explica que a palavra “gira” é designada aos rituais coletivos das religiões africanas, em que se praticam cantos, danças e rezas que realizam conexão entre as entidades espirituais. “Por todos os lugares que passamos com esse espetáculo, as pessoas alcançaram um tipo de transcendência muito bonita. Eu me emocionei em todos eles”, ratifica o artista, cujo show potencializa elementos visuais.
Ou seja, há uma cenografia imersiva, participações especiais e, claro, canções como “Ismália” e “Ordem Natural das Coisas” estão contempladas no repertório, além de outras tantas que marcaram a carreira de Emicida. Não à toa, “AmarElo” é, até hoje, o trabalho mais premiado do rap brasileiro, com Grammy Latino, em 2020, e documentário indicado ao Emmy Internacional, no mesmo ano. “Às vezes, tudo o que temos é a fé”, constata.
AmarElo - A Gira Final
Sábado, 13, a partir das 20h30
Arena Multiplace
Al. Barbacena, Vila Alto da Glória
Ingresso a partir de R$ 110
Pelo app Ticket Master
Classificação: 16 anos