Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta semana a lei cota de tela, instrumento essencial para proteger o cinema brasileiro. Agora, empresas que controlam a programação das salas serão obrigadas a exibir filmes nacionais, resguardando a diversidade dos títulos em cartaz e garantindo número mínimo de sessões. A medida vale até dezembro de 2033 e vira atribuição da Agência Nacional de Cinema (Ancine) fiscalizar o cumprimento.
Essa é a primeira de duas leis aprovadas pelo Congresso para o audiovisual com sanção de Lula. Se o primeiro texto recria a lei extinta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021, o outro prorroga até 2038 a obrigatoriedade de que filmes nacionais sejam exibidos nos pacotes de TV por assinatura. Ambos os projetos foram aprovados no Senado durante o último mês de dezembro e, desde então, estavam aguardando a aprovação do Executivo.
Diretor de “Quando Ouço Falar em Cinema me Visto de Carlitos”, o cineasta Ângelo Lima acredita que a lei de cotas é “importantíssima”. “Às vezes, as pessoas fazem seus filmes - principalmente longa-metragem - e não têm onde passá-los, como passá-los: é uma coisa meio esquisita. Existe um gargalo mesmo. Muitos filmes estão sendo produzidos. Agora mesmo, com a Paulo Gustavo (lei), são cinco longas de ficção só aqui em Goiás. Pode ser que até tenha mais, dependendo das sobras de dinheiro”, revela Ângelo, ao Diário da Manhã.
Na Capital goiana, a única sala que se dedica ao cinema brasileiro é o Cine Cultura, localizado no Centro Cultural Marietta Telles Machado, na Praça Cívica. Mesmo assim, Ângelo pondera que não há por lá muita produção goiana em cartaz. “Deveriam bancar uma história: exibir curtas antes dos longas, fazer essa revolução”. Além disso, o diretor acha que o local tem estado “muito escondido” e não possui segurança, queixa comum às pessoas que frequentam essa região da cidade. “É perigoso. Não gostaria de falar isso”, aponta.
Segundo dados da Ancine, divulgados por meio do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, 252 longas superaram 1 milhão de espectadores entre 1970 e 2020. Em cinco décadas, pelo menos cinco filmes atingiram público relevante. Nos últimos três anos, contudo, isso mudou: só a comédia “Minha Irmã e Eu” levou essa quantidade de pessoas ao cinema. Havia uma expectativa em torno da cinebiografia “Meu Nome é Gal”, mas apenas 100 mil brasileiros a assistiram na telona, de acordo com a distribuidora Paris Filmes.
É uma realidade bem diferente, por exemplo, dos milionários blockbusters hollywoodianos. Com a atriz Margot Robbie no elenco e dirigido por Greta Gerwig, “Barbie” fez com que 10 milhões de espectadores brasileiros assistissem a história da famosa boneca, faturando mais de 200 milhões - para se ter uma ideia, mais do que a grana usada nas produções nacionais. A febre foi tamanha que centenas de fãs se vestiram de rosa para irem para os shoppings de Goiânia, numa tendência compartilhada nas redes sociais à exaustão pelos fãs.
Panorama nacional
No Brasil inteiro, nesse momento, serão produzidos quase 200 longas com apoio da Lei Paulo Gustavo. “Onde vai passar isso? O que vai acontecer com as salas de cinema? Antigamente existia uma lei: você deveria ter 130 dias do ano liberado para o cinema. É uma relação de mercado mesmo, de indústria, e o cinema é isso: indústria, ainda que as pessoas não estejam mais frequentando mais o cinema como antigamente. A covid brecou um pouco essa história toda. Também os preços estão altos pra uma certa classe”, reconhece Ângelo.
A atriz Maeve Jinkings informou, em post publicado numa rede social, que sem as cotas um filme norte-americano ocupa mais de 95% das salas. “Isso é escolha? Não, isso é favorecer empresas estrangeiras”, afirma a artista brasiliense, que atuou em “Som ao Redor” (2013) e “Aquarius” (2016), ambos dirigidos pelo cineasta Kleber Mendonça Filho. Ela diz ainda que todo país que preza por sua cultura e soberania aplica políticas públicas para garantir conteúdo nacional em suas telas. “O direito à cultura está na Constituição Brasileira!”.
"Vamos ter muita produção nas telas e na televisão do povo brasileiro. A gente precisa se ver” - Margareth Menezes, ministra da Cultura
De acordo com o texto do projeto de lei (PL) 5.497/19, fica determinado que 30% dos filmes nacionais sejam mostrados em sessão nos cinemas. A medida foi expirada em 2021, quando vencera o prazo de duas décadas estipulado pela MP 2.228-1/2001. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, celebra o que define como “grande conquista” do audiovisual. “Vamos ter muita produção nas telas e na televisão do povo brasileiro. A gente precisa se ver”, diz.
Já o P 3.696/2023, aprovado pelas casas legislativas e pelo presidente Lula sem sanção, os canais estrangeiros passaram a ser obrigados a ter, no mínimo, três horas e 30 minutos por semana destinados às produções brasileiras no horário nobre, faixa que vai das 18h até à 0h. “Precisa do horário pro seu filme atingir as pessoas. Você já viu novela na madrugada? Não tem. Quem, então, irá ver seu filme na madrugada? Só os zumbis”, reflete ngelo Lima.
Em conversa com jornalistas, a secretária do Audiovisual do MinC, Joelma Gonzaga, garante que a próxima ação a ser aprovada será cotas para produção nacional nas plataformas de streaming, já responsáveis pela maior fatia do mercado audiovisual brasileiro. “É uma das pautas prioritárias do audiovisual brasileiro, e uma das pautas prioritárias deste ano. Ao contrário do que acontece no mundo, no Brasil ainda não está regulado”, afirmou a secretária, durante anúncio à imprensa na última segunda-feira, 15, em Brasília.
Ainda conforme a atriz Maeve Jinkings, apenas em 2020, foram liberados 400 milhões para ajudar salas de cinema, o que não aconteceu com o segmento da produção independente. “Garantir a presença do conteúdo nacional fortalece a indústria cultural brasileira, que movimenta outros 68 setores da cadeia econômica do país”, detalha.