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Jogos eletrônicos

Entenda como games se tornaram expressão artística do milênio

Historiador diz que é preciso não apenas explorar universo dos jogos como oitava arte, mas também compreendê-lo a partir de olhar pedagógico

Gráficos ultrarrealistas: ‘Cyberpunk 2077’ bomba ainda hoje Gráficos ultrarrealistas: ‘Cyberpunk 2077’ bomba ainda hoje

Você rouba réplica de Ferrari porque seu Audi está a 15 metros de distância, e - seja por qual motivo for - a preguiça o impede de chegar nele. À base do pontapé, tira o condutor do veículo, engata primeira e vai embora. O rádio toca Elton John das antigas, depois quem canta é Johnny Cash e, enquanto se passeia por Los Santos, rola The Who no último volume.

Tudo isso ao mesmo tempo em que se controla três personagens, cada qual com perfil diferente, sendo um tiozão decadente (Michael de Santa), um demente (Trevor Philips) e um garoto habilidoso para atividades criminosas (Franklin Clinton). A cidade em que a trama se passa é, na verdade, representação de Los Angeles (EUA) e seu glamour hollywoodiano.

Há agentes corruptos de inteligência, estrelas de cinema em final de carreira que preferem atravessar para o outro lado da rua a ter de cruzar com tipos barra-pesada e duas mulheres que pulam de penhasco num conversível. Sim, acertou quem captou a referência ao filme “Thelma & Louise”, dirigido por Ridley Scott e marco da cultura pop nos anos 1990.

Transgressão ao tédio

Segundo o jogador Salah H Khaled, que possui formação acadêmica em Criminologia, Direito Penal e História, jogos como os da série "Grand Theft Auto” oferecem uma transgressão ao tédio da vida, muitas vezes centrada num exercício de liberdade inconsequente. Ele defende essa tese na obra “Videogame e Violência - Cruzadas Morais Contra os Jogos Eletrônicos no Brasil e no Mundo”, publicada pela Civilização Brasileira.

Foi o primeiro livro a tratar do tema no Brasil com viés crítico, lançado só em 2018. Em resenha que saiu na “Quatro, Cinco, Um”, o escritor Daniel Galera diz acreditar na derivação de jogos como “GTA” das lutinhas juvenis e brincadeiras de mocinho e violão tanto quanto os longas de Martin Scorsese ou Quentin Tarantino, conhecidos por filmarem bang-bang. Ou seja, tornou-se visão obtusa menosprezar games como a experiência artística deste milênio.

O historiador Walace Rodrigues, mestre em História da Arte, vai além. Para ele, é preciso não apenas explorar o universo dos jogos como a oitava arte, mas também compreendê-lo a partir de olhar pedagógico. Isso porque, na visão dele, existe relação entre videogames com artes que se tornaram conhecidas na era da reprodutibilidade técnica, como fotografia e cinema, segundo termo cunhado em ensaio pelo filósofo Walter Benjamin, nos anos 1930.

“A facilidade dos utilizadores de games na compreensão de perspectivas construídas, tais como as perspectivas com vários pontos de fuga, mostram que há benefícios para o uso de videogames em arte-educação, e que estes games não devem ser desprezados enquanto elementos culturais que atingiram nossa juventude atual”, analisa o estudioso, no artigo “Os Videogames Enquanto Forma de Arte Atual na Educação Escolar”, consultada pelo Diário da Manhã no repositório da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

Talvez um bom exemplo para ilustrar o que diz Walace seja o game “It Takes Two”, vencedor do The Game Awards em 2021, considerado por muitos o Oscar dos jogos eletrônicos. A obra aborda o relacionamento entre casal, algo que a EA Games arriscou-se a fazer na franquia “The Sims”, enviesado para disseminar estilo de vida burguês. Mas “Take Two” é feito para aproximar pessoas, uma vez que não se joga sozinho, contra a “máquina”.

A narrativa se limita nos frames no qual a criança abalada pede para que pai e mãe se separem, caindo em choro. O drama inicial, então, se estabelece: o livro encantado leva marido e mulher a terem que “jogar” de forma cooperativa para salvar o relacionamento, com opção de escolher se serão Cody ou May. É pensado para casal às vias de separar. E a lição que dele se extrai é relativamente simples: somos melhores juntos. Ou quase sempre.

Imperativo da pluralização

Para o filósofo Janos Biro Marques Leite, os jogos devem obedecer ao imperativo da pluralização, isto é, não podem ser apenas uma coisa só. “O jogador também é estimulado a não se contentar com uma só experiência, mas a experimentar múltiplas facetas do jogo. Os jogos de interações livres não possuem enredo, só regras, e funcionam na base do improviso. As regras podem mudar no decorrer do jogo, e frequentemente mudam antes que o jogador possa se habituar demais a elas”, reflete o pensador, em ensaio.

Dois games não podem passar sem serem citados: “Cyberpunk 2077” e “The Last of Us”. O primeiro por ter causado bafafá durante seu lançamento, em 2020, e ter impressionado pelas possibilidades de escolha, gráficos ultrarrealistas e jogabilidade inovadora. Já o último dá o que falar por ter inspirado a série da HBO que, para boa parte da imprensa especializada, trata-se da melhor adaptação de jogo até aqui. Embora, cá pra nós, não seja nada demais.

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