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Entenda como Roberto Carlos chegou ao reinado da música brasileira

DM faz audição dos dez primeiros discos do Rei para atestar atemporalidade de sua obra

Roberto Carlos, cantor de vocação popular, construiu obra gravada no inconsciente coletivo do Brasil - Foto: Youtube/ Reprodução Roberto Carlos, cantor de vocação popular, construiu obra gravada no inconsciente coletivo do Brasil - Foto: Youtube/ Reprodução

Educação sentimental para a massa. Está todo mundo pensando no feriado, mas é preciso falar de Robertão, o cantor dos detalhes tão pequenos, o Rei da nossa música popular.

Lá pra frente, imagino eu que com Roberto ainda vivo, o Brasil inteligente perdoará suas ideias conservadoras, seus discos burocráticos e suas manias insólitas. Quem diz isso, com devidas aspas, é o jornalista Arthur Dapieve na (certeira) crônica “Roberto Carlos é Rei”.

Rola em volume alto o blues “Como Dois e Dois” (ouça), canção de Caetano Veloso gravada pelo Rei no pedagógico “Roberto Carlos”, de 1971. “Meu amor/ Tudo em volta está deserto/ Tudo certo/ Tudo certo/ Como dois e dois são cinco”, vocaliza Robertão, banhado em som black - anos antes, o artista havia assistido Stevie Wonder no Harlem, em Nova Iorque.

Pense na emoção: Robertão cantando ao vivo. Ainda te sobrará pelo para arrepios. O Rei equilibra-se, perna entortada, microfone à mão, o Rei está ali, terno impecável, blazer chique, camiseta na estica, o Rei está perto e você fica calibrado para a noite das comoções sinceras.

Se Robertão tocará “Como Dois e Dois”, amigo, eu não sei. Sei que ninguém, seja da velha ou da jovem guarda, gravou elepês tão bons quanto aqueles publicados entre 62 e 71. Neles, você ouvirá, tem muita coisa boa. São dez obras, todas em streaming, que tenho escutado desde que tomei conhecimento sobre show do Rei no Goiânia Arena, quinta, 24, às 21h.

As obras entraram para o cânone da música pop brazuca, canções que conhecemos sem pensar, coladas que estão em nosso inconsciente. Depois desses discos, a produção do Rei estacionou na contramão da criatividade, com discos nem sempre inspirados e muitas vezes presos a fórmulas comerciais — ainda que uma ou outra canção se sobressaísse no marasmo.

Como faço enquanto escrevo, recomendo audição dos dez discos em ordem cronológica. “Splish Splash” (ouça abaixo), de 62, sintetiza o rock’n’roll de Bill Haley e Little Richard. Considerado o primeiro elepê do Rei — embora tenha publicado jovial “Louco por Você” em 61 —, registra-se na faixa-título a debutante parceria com o camarada Erasmo Carlos.

“Splish Splash” foi a primeira contribuição fonográfica do eterno parceiro à música de Roberto. Dançante ao estilo Beatles, trazia consigo potencial para convocação jovem — ricos, pobres, tímidos, extrovertidos, garotos, garotas, vixe, geral se identificava com essa música.

No ano seguinte, Robertão surge na capa de “É Proibido Fumar” com camisa vermelha, símbolo da juventude transviada, e no álbum canta rocks rebeldes. Um deles é a faixa-título, parceria com Erasmo, enquanto a outra música também virou velha conhecida, “O Calhambeque”, versão em língua portuguesa para “Road Hog”, do cantor Loudermilk.

Por que há tantas músicas motorizadas entre os anos 50 e 60? Ora, o único lugar seguro para transar com a namorada era... no carro! Como que dando voz a esses desejos sexuais, os hits automobilísticos se sucediam para transgredir o comportamento da classe média: “Drive My Car” (Beatles), “Black Limousine” (Rolling Stones) e “Roadhouse Blues” (The Doors).

O amigo-de-fé-irmão-camarada também criou “Nasci para Chorar”. Por sua vez, o Rei transformou a gringa “Unchain My Heart” em “Desamarre Meu Coração”, que fecha — e bem — o disco rebelde. “Meu coração/ quer se libertar/ do seu coração”, canta o ídolo jovem, costurado por guitarra clonada dos momentos iê-iê-iê de John Lennon e George Harrison.

Roberto — dessa vez, por favor, sem aumentativo — canta para a juventude. Por mais que testasse novas parceiras (com Helena dos Santos fez “Como é Bom Saber”, Rossini Pinto assina “Parei… Olhei” e Jovenil Santos escreve “Rosita”), o auge do disco é a dupla Roberto & Erasmo. Como funcionam juntos. Fundem rock and roll, rockabilly, surf rock, doo-wop.

Um ano depois de sair o elepê “Roberto Carlos Canta para a Juventude”, esse homem nascido no Espírito Santo lançou “Jovem Guarda”, em 65. Getúlio Côrtes se faz presente em “O Feio” (com Renato Barros) e “Pega Ladrão”. E, claro, Roberto uniu-se ao bom amigo Erasmo para criar os hits “Quero que Vá Tudo pro Inferno” e “Mexerico da Candinha”.

Na linha jovem, a discografia de Roberto começa a se densificar em “Roberto Carlos”, de 66. Os arranjos ganham seção de sopro, como em “Namoradinha de um Amigo Meu”. Em contínua evolução, a música do Rei chega a outro patamar quando sai “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”, lançado em 67, espécie de trilha sonora para filme dirigido por Roberto Farias.

Cinco canções se tornaram, desde então, obrigatórias no repertório do Rei: “Como é Grande Meu Amor por Você”, “Por Isso Corro Demais”, “De que Vale Tudo Isso", “Quando” e “E Por Isso Estou Aqui”. Sem contar, veja só, a eterna “Eu Sou Terrível”, feita com Erasmo. Mas Robertão, perseguindo a boa música, criaria no ano seguinte um disco espetacular.

Com o velho amigo Erasmo Carlos, fez as faixas “Se Você Pensa” e “As Canções que Você Fez para Mim”. Juntou-se a Antônio Marcos em “Eu Não Vou Mais Deixar Você Tão Só”, a Edson Ribeiro e Hélio Justo na canção “Ninguém Vai Tirar Você de Mim” e, principalmente, a Luiz Ayrão na arrebatadora “Ciúme de Você”. O Rei, rapaz feito, ensaiava sua fase adulta.

A partir de 69, Robertão adiciona doses de black music em sua sonoridade, como no blues “Quero Ter Você Perto de Mim” e no funk “Não Vou Ficar”, este de Tim Maia. No disco de 70, já homem cosmopolita, caiu no gospel com a impactante “Jesus Cristo” e jazzificou-se na erótica “Vista a Roupa Meu Bem”. Já com o elepê de 71, voltando-se às questões existenciais, canta “Detalhes", “Amada Amante”, “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”.

São clássicos. E, amigo, Robertão lecionou verdadeira pedagogia sentimental. Solta o som aí.

ROBERTO EM GYN

Quinta, 24, às 21h

Goiânia Arena

Fued José Sebba, Jardim Goiás

A partir de R$ 250

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