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Escritor mostra Cerrado em contos que impressionam pela estética

Pablo Mathias desponta com livro de contos ‘Tamarindos’, no qual segue tradição literária consagrada por Bernardo Élis

Pablo Mathias em noite de autógrafos, na última quinta-feira, 13, no Lowbrow - Foto: Ângela Macário/ Negalilu/ Instagram Pablo Mathias em noite de autógrafos, na última quinta-feira, 13, no Lowbrow - Foto: Ângela Macário/ Negalilu/ Instagram

Na dúvida, o escritor Pablo Mathias escolhe o antropólogo Darcy Ribeiro, autor do romance “O Mulo”, obra-prima de 1981. Quer estar com seus filhos e esposa nas primeiras chuvaradas de setembro, ah essas gotas que falam ‘sai pra lá’ aos meses de seca, sentindo o cheiro molhado do Cerrado renascendo em brotos pelas próximas décadas. Seria um céu novo, céu bom de Deus lhe dar, céu de sabores. E o veria escrevendo os próprios versos.

Darcy ambienta o sertão goiano aos olhos de um coronel que, à beira da morte, decide-se por doar todas as propriedades que estavam em seu nome, numa tentativa de redimir seus pecados, esquecer das coisas ruins que promovera, compartilhar metafísicas universais. Pablo debruça-se na humanidade dos personagens, as relações erradas, os acertos, as dores, numa paisagem nua e crua que se revela ao leitor. Um faz romance, o outro, conto.

Biólogo de formação, com mestrado em Ecologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Mathias conta ao repórter que estar em campo com frequência, sobretudo no Cerrado, tornou as passagens que estão em “Tamarindo” familiares a ele. Ah, este é o nome da obra que o autor publica pela editora negalilu. E a paisagem lhe é conhecida, ao mesmo tempo em que revela-se bruta, como um organismo enfurecido após agressões de que foi vítima.

Beleza e dureza

“Existe uma dureza e uma beleza ali e isso me fez querer escrever sobre. Para além da linguagem acadêmica. Dos termos científicos”, revela o escritor, sensação do meio literário. Além dessa obra recém-saída do forno, há outra já pronta, “Réptil”, no radar da editora para - quem sabe? - ser lançada num futuro próximo. “O Pablo, em particular, ainda não sabe como vai ser a reação do leitor com ‘Tamarindo’”, diz, apreensivo, na terceira pessoa.

Por isso, o escritor avalia ser prudente sentir esse termômetro antes de pensar em lançar “Réptil”. Mas elogios não chegam a ser problema para Pablo. Desde que venceu a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos em 2021, prêmio já faturado por Edival Lourenço, Heleno Godoy, Yeda Schwartz, Miguel Jorge, Delarmando Vieira e Hélverton Baiano, recebeu enxurrada de adjetivos que deixa qualquer escritor ciente de que está no caminho certo.

Para Luiz Gustavo Medeiros, em “Tamarindos”, o leitor se coloca diante do encontro - ou encruzilhada? - entre campo e urbe, o Brasil típico que muitas vezes se esconde atrás do asfalto das rodovias. “Usinas, biólogos, artistas, comerciantes dividem o mesmo espaço com carcarás, jatobás, tilápias, traíras, tamarindeiros”, afirma Luiz Gustavo, mestre em Literatura e vencedor do Hugo de Carvalho Ramos em 2020, com “O Corpo Útil”, que saiu pela Patuá.

No conto “O Evolar-se da Carne e do Sangue”, as cenas demonstram a habilidade narrativa de Pablo. Em uma delas, por exemplo, ele descreve “um senhor muito velho, atarracado, de pele rugosa, cabelos brancos e olhos opacos”. Mais à frente, no próximo parágrafo, imagina-se “uma árvore alta, frondosa, a mais bonita daquele cerrado” - o DM optou por deixar a grafia do bioma em minúscula para respeitar a fórmula adotada pelo autor.

Há também, agora em “Spoiler”, que fecha a obra, o universo urbano, a marcenaria, os filhos rindo, o narrador se tornando amigo da ex e, com ela, indo a um show cover do Buena Vista Social Club, as bebidas rolando à solta. Ele estava impressionado pela beleza dela. Suas mãos encontravam-lhe os dedos. “A noite”, pensou, “havia sido agradável e ébria”. Foi agradável e ébria, pode apostar, pois a cabeça borbulhava ao ritmo dos desejos.

Os seis contos que formam “Tamarindos” se equilibram numa única narrativa de ficção expandida. Um percurso elaborado a partir de fragmentos interconectados, como um fio que liga o telefone na tomada. Na visão do autor, o conjunto dos textos cria ecossistema impactado por decisões tomadas, suas causas e efeitos. E o fio condutor é originário do reino vegetal, guiando leitoras e leitores no acesso às relações humanas e não humanas.

“As narrativas têm base na observação da natureza humana e algumas são bem cruas, rústicas até, todas bastante atuais”, explica. Embora tenha estreia com “Tamarindo”, o biólogo Pablo Mathias tem outros contos publicados em duas antologias da negalilu: “Antes de Agora” (2022), fruto germinado no projeto de Residência Literária da Livraria O Jardim, e “Uma santa e dois amantes” (2022), “Coleção e/ou − vol. 3”. Todas as iniciativas ajudam, digamos, a oxigenar a literatura produzida no Estado. Bons nomes surgiram. Deu certo.

Seleto grupo

Pablo Mathias, logo na estreia, entrou para o grupo daqueles que ganharam a Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos. Criada em 1944, é a premiação literária mais antiga em atividade no Brasil. Já premiou, por exemplo, o romancista Bernardo Élis, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). O primeiro vencedor, aliás, foi o próprio Élis, com o cultuado “Ermos e Gerais”, considerado um clássico da literatura brasileira.

“Bernardo Élis e Hugo de Carvalho Ramos, além de grandes inspirações junto com José J. Veiga, Pio Vargas, Larissa Mundim, Paulliny Tort entre outros, falaram de um Cerrado e uma goianidade que lhes é particular. Com certeza todos eles têm uma parcela de culpa por me fazer reconhecer o ambiente e o sentimento local e querer dizer sobre o meu cerrado. Sobre o goiano que eu vejo, a Avenida Goiás, a Pirenópolis, etc, que eu vivo”, pontua.

Tamarindos

Autor: Pablo Mathias

Gênero: conto

Editora: Negalilu

Preço: R$ 40

Livro disponível no site da editora

E também em Pirenópolis, Cidade de Goiás, Brasília e São Paulo

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