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Entrevista

"Existe em toda parte interesse por narrativas", afirma Larissa Mundim

À frente da negalilu, Larissa abre 5ª edição da feira e-cêntrica. Ao Diário da Manhã, editora fala sobre panorama da literatura regional

Editora: Larissa Mundim segura obra ‘Tamarindos’, do escritor Pablo Mathias, que saiu pela negalilu - Foto: Lu Barcelos/ Divulgação Editora: Larissa Mundim segura obra ‘Tamarindos’, do escritor Pablo Mathias, que saiu pela negalilu - Foto: Lu Barcelos/ Divulgação

Existe uma impactante produção literária e poética em nosso estado. Pelo menos é o que observa a jornalista, escritora, editora e livreira Larissa Mundim, que abre neste sábado, 21, mais uma edição da feira e-cêntrica, na Vila Cultural, em Goiânia. Para ela, tamanho pulsar criativo dos autores se faz até difícil acompanhar, embora Larissa destaque o trabalho realizado por Dairan Lima, Thaise Monteiro, Jamesson Buarque, Pablo Mathias, beta reis, Alda Alexandre, Tarsilla Couto de Brito, Mazinho Souza e Walacy Neto.

A 5ª edição da feira integra o calendário que comemora os 90 anos de Goiânia. Até domingo, 22, 93 expositores de cinco estados e Distrito Federal colocam seus trabalhos aos olhos do público. Serão comercializados zines, livros e produtos de artes gráficas, além de haver debate sobre a conjuntura do mercado editorial no cenário brasileiro. Um dos destaque é o Sarau das Mina (programação no QRcode), coordenado pela escritora Carol Schmid.


		"Existe em toda parte interesse por narrativas", afirma Larissa Mundim
Nove e três expositores de cinco estados e Distrito Federal colocam seus trabalhos aos olhos do público. Foto: Layza Vasconcelos/ Divulgação

Outra iniciativa que vale a pena ser destacada é a parceria firmada entre a Negalilu, editora capitaneada por Larissa, e a Goiânia Clandestina, que tem à frente o poeta Mazinho Souza. A ideia do simpósio Epistemologias Afrodiaspóricas Goiânia Clandestina ocorre neste sábado, entre 14h e 17h, quando pesquisadores, mestres e representantes das culturas baile e de rima se encontram para falar sobre a importância dos saberes tradicionais.

Na sexta, 20, duas ações marcaram a abertura da E-cêntrica: lançamento de obras escritas por Cidinha da Silva, Diana Salu e Pablo Mathias, a partir das 18h30. Depois, às 19h30, o artista visual Luiz Basile guiou visita à exposição “Diário do Confinamento”, em cartaz no Octo Marques. Na entrevista que se segue, Larissa Mundim analisa o panorama da literatura regional e fala sobre o movimento de descentralização das narrativas.

Diário da Manhã - Goiânia assiste nos últimos anos desabrochar de uma interessante geração de autores. Quais são os nomes que sintetizam bem essa efervescência criativa?

Larissa Mundim - Realmente, é grande a produção literária e poética em todo o estado de Goiás, neste momento. Não consigo acompanhar toda a cena da Capital e tenho pouco acesso aos trabalhos produzidos no interior. Apenas para citar alguns e algumas, eu daria destaque ao trabalho de Dairan Lima, Thaise Monteiro, Jamesson Buarque, Pablo Mathias, beta reis, Alda Alexandre, Tarsilla Couto de Brito, Mazinho Souza e Walacy Neto.

DM - O surgimento de editoras independentes possibilitou que as vozes literárias pudessem ser descentralizadas, abrindo espaço para grupos à margem da sociedade, como as populações trans, preta e indígena. Como se estruturou por aqui esse movimento?

Larissa - Este movimento estruturou-se (por si). Porque essas vozes são insurgentes e estarão ocupando mais e mais espaço por merecimento. As expressões artísticas e culturais que surgiram nas periferias tomaram todos os territórios numa ocupação sem caminho de volta, que já transformou bastante a nossa cultura, felizmente. Quem confirma é o leitor e a leitora, que buscam alternativas à autoria masculina, branca e sudestina ainda predominantes. Existe em toda parte um interesse pelas narrativas e poéticas dissidentes e isso reposiciona o mercado.


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Negalilu disponibiliza ao público zines, livros e produtos de artes gráficas. Foto: Layza Vasconcelos/ Divulgação

DM - Levantamento do Itaú Cultural em parceria com o instituto Pró-Livro afirma que o Brasil perdeu mais de 4 milhões de leitores entre 2015 e 2019, um dado de fato alarmante. Em termos de políticas públicas, o que é possível fazer para que as pessoas leiam mais?

Larissa - Desde a década de 1930 o Brasil experimenta ótimas iniciativas de estímulo à leitura e formação de leitores, no entanto, estas ações de política pública sempre sofrem descontinuidade. Muito trabalho se perde com isso, além de recursos financeiros, inteligência humana, boas ideias. A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” mencionada por você apenas constata o resultado deste prejuízo secular. Mas nada está perdido, podemos reverter esses números se o país precisa investir a longo prazo no livro e na leitura. Com isso, a economia do livro se desenvolve, naturalmente. Existem documentos excelentes, elaborados ao longo de 13 anos com ampla escuta da sociedade, como o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), base para a criação da Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE). Portanto, não será necessário reinventar a roda, tudo está ali. Creio que uma das providências mais importantes para uma política nacional efetiva pela leitura é o fortalecimento da biblioteca pública.

DM - A cena da literatura goiana possui mulheres poetas para as quais vale a pena prestarmos atenção. Suas obras trazem questões urgentes à sociedade e instigam reflexões necessárias. Para você, na condição de editora, quais fatores levaram a essa quebra do silêncio literário?

Larissa - Este é um momento de grande visibilidade para expressões diversas. Felizmente, os feminismos estão infiltrados no nosso dia a dia e têm conquistas inegáveis. Na base deste trabalho sóciocultural, está a noção concreta de que a mulher tem o direito de falar e ser ouvida com melhores condições de difusão. A partir desta compreensão, tudo muda. Naturalmente, essas conquistas de espaço se refletem no universo de publicações, bem como em todas as outras dimensões humanas. A mulher, seu pensamento e prática, estão em todo lugar.


		"Existe em toda parte interesse por narrativas", afirma Larissa Mundim
Larissa Mundim: Este é um momento de grande visibilidade para expressões diversas. Foto: Layza Vasconcelos/ Divulgação

DM - A negalilu se revela importante instrumento na cadeia do livro em Goiânia. Quais são os critérios editoriais adotados por vocês para selecionar autores a serem publicados?

Larissa - Ao longo de 10 anos de trabalho, a negalilu se dedicou à publicação de autoras e autores de Goiás. A editora descobriu uma vocação para apoiar a formação quando se deparou com o talento, potencial e a vulnerabilidade da produção poética e literária da nova geração. Faz um tempo que o nosso catálogo acolhe, prioritariamente, os agentes sub-representados na cadeia produtiva do livro: mulheres, pessoas negras, indígenas, população LGBTQIA+, idosos e pessoas com deficiência. Desde o ano passado eu venho pensando em reconduzir nossa linha editorial, considerando que a nossa missão de publicar a autoria goiana está cumprida. Recentemente, a negalilu editora abriu seu catálogo para a publicação de autoras e autores de outros estados. Nossa primeira experiência neste sentido foi com o livro “Teko hypy: a origem do mundo”, que tem três autores Mbyá Guarani e uma autora não indígena, que é de Goiás.

DM - Com a e-cêntrica, me parece que nossa cidade ocupa cada vez mais um posto importante no cenário brasileiro dentre editoras e selos literários independentes: 50% da feira foca em trabalhos editoriais e artísticos daqui. O que a literatura local tem de tão especial?

Larissa - A e-cêntrica é uma feira gráfica e literária. Dos 93 expositores desta quinta edição, metade representa Goiás. Como curadora, desde 2018, percebo que é crescente e qualificada a produção de artistas gráficos, designers e ilustradores trabalhando em suportes diversos e − incentivados por iniciativas como a e-cêntrica − considerando incursões pelo universo da publicação como opção. E aqui estou falando do aspecto mais expandido do livro, que se materializa como objeto complexo. Também acho que a produção gráfica dos livros vem ganhando atenção especial. Diferente do que tínhamos por aqui, há pouco mais de 10 anos, agora autores e editoras querem circular livros bonitos e cada vez mais criativos − acho que a negalilu editora tem colaboração neste aspecto. Este é um bom caminho para dialogar com leitores e leitoras potenciais da poesia e da literatura feita em Goiás.


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5ª edição da feira integra o calendário que comemora os 90 anos de Goiânia. Foto: Layza Vasconcelos/ Divulgação

DM - Por que neste ano a feira resolveu promover uma confluência entre poesia, literatura infantil, artes gráficas e artes visuais, com direito a performance e tudo?

Larissa - A curadoria da feira e-cêntrica está sempre atenta ao conceito regente, que eu chamo de “visão e-cêntrica”. Esta visão norteia a elaboração da programação e a seleção de expositores a cada edição, considerando aspectos como revisão de métodos produtivos, fortalecimento de grupos sub-representados, reposicionamento de agentes estratégicos da cadeia produtiva do livro, formação de leitores e estímulo à leitura. Estas questões atravessam as atividades de formação (oficinas, debates, por exemplo) contemplando toda a cadeia produtiva do livro. Como existe a limitação de recursos financeiros e limitação de espaço físico também, a cada edição a curadoria contempla áreas diversas. Na feira e-cêntrica 2024, por exemplo, já sei que vamos dar atenção especial ao fotolivro.

Confira a programação da feira e-cêntrica 2023:

20/10 (sexta-feira) Centro Cultural Octo Marques

18h30 - Lançamento de livros: Cidinha da Silva (SP), Diana Salu (DF), Pablo Mathias (GO) e Somnia(GO)

19h30 - Visita guiada à exposição “Diário do confinamento – Autorretrato da pandemia”, com Luiz Basile (SP)

20h30 - Vernissagem

Local: Centro Cultural Octo Marques

21/10 (sábado)

11h às 20h - Feira E-cêntrica – exposição/comercialização de livros especiais, zines e artes gráficas

9h às 12h - Oficina de poesia e performance, com Arthur Moura Campos (GO) – Sala de Mídias João Bênnio

9h às 12h - Oficina de carimbo, com Marceli Mengarda (SC) – LAB 1

14h às 17h - Simpósio Epistemologias Afrodiaspóricas Goiânia Clandestina – Sala de Mídias João Bênnio

Local: Vila Cultural Cora Coralina

22/10 (domingo)

11h às 19h - Feira E-cêntrica – exposição/comercialização de livros especiais, zines e artes gráficas

9h às 12h - Oficina de poesia e performance, com Arthur Moura Campos (GO) – Sala de Mídias João Bênnio

14h às 17h - Oficina Elementos fundamentais para a escrita do livro infantil, com Andrea Kluge (DF) – Sala de Mídias João Bênnio

16h30 - Performance “Maria Grampinho”, com Laura Anastácia (GO)

17h - Sarau das Minas GO, com coordenação de Carol Schmid (GO)

Local: Vila Cultural Cora Coralina / Centro Cultural Octo Marques

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