Felamacumbia volta ao calendário cultural da capital em evento na Rua 8
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 24 de junho de 2022 às 13:36 | Atualizado há 3 anos
Chega de saudade! O Felamacumbia, em intubação como quase todas as iniciativas culturais nos últimos dois anos, curou-se da pandemia de covid-19. Vacinado e tudo, o retorno será neste sábado, 25, a partir das 15h, na Rua 8, entre o Zé Latinhas e a Casa Liberté, em grande estilo: afrobeat, carimbó e cumbia serão alguns dos gêneros ouvidos pelos frequentadores do Centrão que, aleluia!, poderão lubrificar o paladar ao sabor de um Smash Gin, drink feito à base de manjericão, gin Uyrá da Colombina e limão siciliano. É um clássico da Liberté. Aclimata-se bem no frio goiano.
Considerado por boêmios de todas as matizes uma das festas mais tradicionais da capital, o Fela – como o evento é chamado pelos habitués – começou em 2014 e, de lá para cá, passaram-se oito anos. Na pandemia, com o caos instaurado, teve de parar. Desde o segundo ano, a ideia do DJ Bruno Caveira, um dos criadores dessa algazarra que perambula de bar em bar pela cidade, era levar o evento para a rua, tirando-o das paredes que lhe cercava para fazê-lo sentir o ar livre enquanto o embalo da música sacolejava o corpo ao ritmo – ou nem sempre – do som.
Segundo
Caveira, que conversou com a reportagem do Diário
da Manhã na tarde desta quinta-feira, 23, o Felamacumbia ocorreu apenas uma
vez na rua, em frente ao Doc´s, um bar que havia no Setor Marista. “Fizemos uma
edição no Carnaval, em 2018. Deu umas mil pessoas na rua. Ou mais. Foi bem
legal o movimento. Mas foi só essa que a gente conseguiu viabilizar sem cobrar
a entrada. Sempre teve essa proposta de trazer alguma atração de fora mesclando
com DJs daqui de Goiânia. Fazer uma edição na rua tá sendo um desafio,
principalmente nesta retomada”, afirma o artista.
Em 2017,
assim que o Felamacumbia fez três anos, o escritor André Luiz Pacheco da Silva
relatou que a luz estava acesa na entrada do Cabaret Voltaire, espaço cultural
localizado no Setor Itatiaia. Noite de pandemônio? No balcão, descreveu André,
os músicos que compõem a velha guarda do Buena Vista Social Club provam
charutos enquanto seus ouvidos deliciam-se com a musicalidade do imortal
Gilberto Gil. Fosse “só” isso, já valeria a noite, mas os cubanos prestavam atenção
naquele abacateiro. “Há três anos esses encontros acontecem na cidade”, observou
o escritor, na revista Zelo.
“Quem
faz as honras da casa é a dupla Bruno Caveira e Igor Zargov. No princípio, era
o tambor. Com o afrobeat, a pista começava a esquentar. Depois a dupla
desbravou as latinidades. Zargov, percussionista e contrabaixista, é feito de
ritmo e sua formação musical orientou suas pesquisas. Caveira, por sua vez,
pediu a bênção e foi guiado espiritualmente por Mário Cavalcanti”, diz André,
com suas metáforas comuns ao mundo pré-pandemia guiadas pela sensualidade caribenha
e tudo o mais.
Em grande estilo
Para o jornalista e empreendedor Heitor Vilela, proprietário da Casa Liberté em sociedade com Vinícius Gade e Jefferson Ribeiro Radi, o retorno de “uma das festas dançantes mais tradicionais da última década” será em grande estilo na Rua 8, que ele define como a mais boêmia do Centro de Goiânia. “Dessa vez, o evento vai ser aberto, na rua, livre e solto, como deveria ser. E isso marca um novo momento da vida cultural da cidade, onde as pessoas querem se reencontrar, dançar e se divertir ao som de música boa e nada melhor que a rua para se fazer isso”, afirma Heitor.
E isso
vai dar certo? Segundo o DJ Bruno Caveira, um dos idealizadores do
Felamacumbia, não há motivos para o contrário. “As pessoas ficaram em casa. Boa
parte delas está dando muito valor em cultura, ao encontro com outras pessoas.
Nada melhor, para encontrar os amigos, do que uma rua no Centro, que eu acho
que é mal aproveitado. Não recebe o devido apoio da Prefeitura. Parece que eles
não se importam muito em fazer essa ocupação por meio da cultura, que é a mais
interessante que tem.”
Nos anos 70, 80 e 90, Goiânia era uma cidade na qual havia cultura de bar, em que o conceito de música de boteco lançou nomes importantes para o cenário cultural, por meio da chamada MPB nos bares, que foi reconhecida pelo prefeito Rogério Cruz, no mês passado, como patrimônio cultural da capital. Mas esse lazer numa área mais centralizada, como a da Praça Tamandaré, foi se perdendo até que acabou exportado àquelas mais nobres e elitizadas, nos setores Marista e Bueno. Hoje, a discotecagem se tornou o carro-chefe de música nos bares na cidade, num passeio por estilos, artistas, discos e épocas ao som, muitas vezes, do vinil.
Segundo Áureo Rosa, proprietário do Zé Latinhas em sociedade com Robert Danilo, o Centro se tornou um lugar perfeito para ocupação democrática, pois tem convergência de transporte, trabalhadores e serviços públicos. “Tudo isso sempre aconteceu ali e, mesmo assim, havia um abandono noturno, porque ninguém aventurava-se a levar à região investimentos na vida etílica, de lazer e entretenimento, com organização e planejamento, além de uma programação que chamasse as pessoas para povoar o bairro histórico e, de lá, não mais saísse”, explica ele, que é arquiteto.
Se o
Felamacumabia já passou por espaços como o antigo Complexo e também trouxe
atrações de fora, a exemplo da cantora e compositora paraense Aíla, agora
chegou a vez de matar a saudade dessa festa dançante num espaço que lhe cairá
muito bem: a rua. E, como já diria o mestre do violão brasileiro, chega de
saudade. Porque vai, minha tristeza, diz a ele que sem ele não pode ser. Além
do tradicional gin Uyrá da Colombina e limão siciliano, da Liberté, pode-se
também curtir uma bebida à base de café no Zé Latinhas – para não ficar só no
etilismo nosso de cada dia.