Fernanda Torres chega neste domingo, 5, ao Globo de Ouro 2025 com boas chances na categoria melhor atriz de drama. No pior dos cenários, a brasileira corre por fora e, caso vença, se tornará uma surpresa. Não parece plausível encaixá-la nessa última opção.
Só que suas concorrentes ao Golden Globes são queridinhas de Hollywood: Nicole Kidman ("Babygirl"), Angelina Jolie ("Maria Callas"), Kate Winslet ("Lee"), Tilda Swinton ("O quarto ao lado"). Elas, todavia, estarão em apenas uma categoria na noite. A única exceção é Pamela Anderson, cujo filme “The Last Showgirl” figura dentre as melhores canções originais.
Segundo a revista “Variety”, Torres é favorita porque o filme no qual atua disputa outra categoria — “Ainda Estou Aqui” batalha pela melhor produção de língua não-inglesa. “Será que o reconhecimento duplo a torna a favorita a este prêmio?", indaga a publicação. Já a "Vanity Fair" põe Kidman como vencedora, mas com a brasileira em condições de batê-la.
Torres deu, até aqui, três passos essenciais: recebeu cobertura na imprensa, foi indicada à festa que inaugura temporada de premiações em Hollywood e apareceu pré-escolhida ao Bafta com “Ainda Estou Aqui”. Ontem, o “Oscar Britânico” a colocou em posição confortável — embora não concorra individualmente a nenhuma categoria nessa festa inglesa.
O páreo será duríssimo no dia 16 de fevereiro, quando o público conhecerá os vencedores numa cerimônia de gala realizada no Royal Festival Hall Southbank Centre, em Londres. Disputam com a produção dirigida por Walter Salles o elogiado filme indiano “Tudo que Imaginamos como Luz”, de Payal Kapadia, e “Emila Pérez”, dirigido por Jacques Audiard.
Para a imprensa anglófona, Torres brilha em “Ainda Estou Aqui”, sucesso de bilheteria nos cinemas brasileiros. Reportagem publicada no “New York Times”, jornal norte-americano influente no mundo, afirma que a brasileira tem chance de conquistar “sonhada” estatueta.
Assinado pela jornalista Ana Ionova, com colaboração das repórteres Kyle Buchanan e Lis Moriconi, o texto diz que filme incita o país a “uma profunda reflexão” sobre a ditadura militar, que governou Brasil, “pelo medo e pela força”, durante 21 anos. A matéria destaca ainda o fato de a obra atingir “um nervo exposto” de um “brutal” regime de exceção.
Em novembro do ano que se encerrou, Torres foi perfilada pela “Vanity Fair”. O título da publicação a enaltecia como “ícone global”. Escrita por David Canfield, a reportagem analisou momentos cruciais de Fernanda Torres nas telas, como prêmio que conquistou no Festival de Cannes, aos 20 anos, e a relação com a atriz Fernanda Montenegro, sua mãe.
Torres recebeu ainda confetes do site “Deadline”, respeitado na indústria do entretenimento. Conforme o portal “IndieWire”, a atuação da brasileira é “tão espetacular quanto a sua filmografia sugere”. O tradicional jornal inglês “The Guardian”, por sua vez, observou a profundidade com que Fernanda Torres interpretara a advogada Eunice Paiva.
Baseado no best-seller do escritor Marcelo Rubens Paiva, o filme narra história real de Eunice, esposa de Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado federal preso e assassinado pela ditadura militar, em janeiro de 1971. Ele é pai de Marcelo. “Ainda Estou Aqui”, tanto o livro quanto o longa, retrata o desaparecimento do patriarca e o impacto disso na família Paiva.
Sessão na Rua 8
A reportagem esteve em uma sessão no Cine Ritz. Era noite abafada de domingo. Filas se formavam na calçada. Professores universitários, jornalistas e estudantes seguravam seus ingressos. Havia gente preocupada, sem bilhete, enquanto alguns faziam selfies em frente ao cartaz do filme para publicá-las nas redes sociais como prova de que tinham ido ao cinema.
Assim que começara o longa, a plateia se emudeceu diante do terror perpetrado pelos militares. Sons da tortura. Arbitrariedade total. Eurice sorri para a foto da revista. Guerreira na tragédia. Os anos se passam. Essa mulher inabalável é golpeada pelo Alzheimer. Montenegro entra em cena. Difícil conter as lágrimas. Quem consegue contê-las?
Este repórter, distanciando-se da objetividade jornalística, abriu o bico. Testemunhou pessoas zarparem das salas de cinema, nas quais “Ainda Estou Aqui” ultrapassava o segundo milhão de espectadores, cantando certa canção já lendária publicada em 1971. Um clássico politizado de nossa música.
“É Preciso Dar um Jeito Meu Amigo”, pérola da dupla Erasmo e Roberto Carlos, se volta à penúria, ao desamparo e às incertezas provocadas pela ditadura, pelos gorilas e pela repressão. “Estou envergonhado/ com as coisas que eu vi”, vocaliza o Tremendão, escoltado por guitarra psicotrópica.
Se imperava sentimento de injustiça após Montenegro chegar perto de conquistar o Oscar, o entusiasmo aumenta com o Globo de Ouro. Um resultado glorioso joga lá para cima as expectativas de uma indicação à festa máxima do cinema, cuja lista definitiva será divulgada no próximo dia 17. “Ainda Estou Aqui” é a maior aposta do cinema brasileiro em anos.
Investimentos financeiros não faltam. A Sony Pictures Classics, responsável pela distribuição mundial do filme, injetou alta grana na tentativa de emplacar a candidatura de Torres na temporada de premiações que se abre no domingo, 5. Mas a própria Fernanda Torres acha impossível vencer Angelina Jolie, Nicole Kidman e Demi Moore. Não custa sonhar, porém.