Pensa-se nas telas de Leonardo Da Vinci, imagina-se os filmes de Michelangelo Antonioni, sente-se a música de Laura Pausini. Mais ou menos nessa ordem, é o que vem à cabeça quando se fala em Itália. Ah, lembre-se, a gastronomia ocupa lugar cativo na memória afetiva das pessoas, cujo sabor poderá ser provado entre 1° e 4 de junho no Festival de Nova Veneza, realizado na cidade que orgulha-se de ser a mais italiana do Centro-Oeste brasileiro - título que, a propósito, é difícil de ser-lhe contestado.
Os alunos da rede municipal de educação, desde o início de maio, estão imersos numa rotina intensa. Cerca de 50 jovens dos ensinos fundamental e médio preparam cinco músicas para interpretarem nos dias de festa. Eles se reúnem duas vezes por semana, às terças e quintas, seja no período matutino ou noturno. O repertório, revela a professora Iraides Pereira, foi selecionado com esmero: “Imagine”, consagrada na voz de John Lennon, “Hallelujah”, esta uma obra-prima de Leonard Cohen, além de “Funiculí, Funiculá”, popular na Itália.
Segundo Iraídes, que vive há 30 anos em Nova Veneza, a festa conta com coral de adultos, coordenado por ela mesma. Formado por descendentes de imigrantes italianos ou meros admiradores da cultura mediterrânea, o Amici di Venezia vem se preparando - sábado a sábado - para fazer bonito na festa. Para tanto, anunciam que darão um jeito de interpretar samba na língua de Dante Alighieri, tarefa que, como se deduz, não é das mais fáceis - primeiro, há a cadência frasal dos diminutivos e, depois, o molejo do batuque.
O ritmo anda frenético também no restaurante Cozinha da Nonna. Comandado pela chef Vânia Alves, um time de cozinheiras coloca, literalmente, a mão na massa. “Já vamos fazer os cortes das carnes, preparar os molhos, moer as carnes, picar as linguiças defumadas, fazer as almôndegas e depois vamos para o processo de resfriamento, em seguida a embalagem e o congelamento”, narra Vânia. Nas estimativas da prefeitura de Nova Veneza, pelo menos 120 mil pessoas devem visitar o município, que possui pouco mais de 10 mil habitantes.
Se tantos turistas passarão por lá entre quinta e domingo, é certo que o número de pratos a serem servidos também fica na casa dos milhares. Projeção essa que, segundo a chef, se concretiza: 20 mil. Ou seja, as porpetas já foram temperadas, encaminhadas às geladeiras, a massa artesanal do nhoque acabou de ser misturada e congelada, o mesmo destino tem as lasanhas. “É um trabalho diário até o dia do festival”, resume Vânia, que comanda a orquestra gastronômica e se certifica de que nada irá sair errado nos dias de festa.
Pratos possuem origem incerta
Tudo isso para ninguém coloque em cheque a destreza com a qual o restaurante Cozinha da Nonna preparará a iguaria e, de quebra, a fará chegar ao prato das pessoas no Festival de Nova Veneza. A fórmula, sabe-se, perdura até hoje: folhas de massa, molho e, claro, queijo. Com o paladar molhado ao sabor de um bom vinho e uma boa companhia, a experiência se torna uma delícia. Hum, lasanha quase nunca é bola fora.
Mas, que mal pergunte, qual é a origem da iguaria? Bom, a historiografia documenta que a lasanha espalhou-se após a Segunda Guerra Mundial, quando os pracinhas (soldados brasileiros que enfrentaram o nazi-fascismo no front europeu) ficaram impressionados com a massa. Dizem até que a iguaria aportara no final do século 19 em terras brasileiras, assim que os primeiros imigrantes italianos colocaram os pés em terras tupiniquins.
É desse período a ideia de que o prato, por encher o pandu com certa facilidade, foi alçado à condição de refeição completa, isto é, feita para ser degustada sem acompanhamento. A iguaria se tornou popular e amada mundo afora por causa de restaurantes da Bologna, na Itália, que criaram a versão bolognesa do prato que teria nascido no início do século passado. Mas a consagração veio graças ao jornalista Paolo Monelli , que dedicou páginas e mais páginas à obra gastronômica nos livros “Il Ghiottone Errante”, ou “O Glutão Errante”
Outra delícia merece destaque no menu do Festival Gastronômico de Nova Veneza, além da lasanha, é o macarrão. E, assim como ela, a origem dele é incerta: falam que nascera na China, há quem insista na Sicília (que já misturavam vinho branco à água, o “maccarini”). Para cá, veio junto dos imigrantes italianos, na segunda metade do século 19, atrás de melhores oportunidades de vida nas fazendas de café do sul e do sudeste. No Centro-Oeste, por excelência, sua terra é Nova Veneza, que de massa entende muito bem.