Cultura

Filme convida espectador a pensar que vida é uma fagulha misteriosa

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 10 de novembro de 2021 às 05:16 | Atualizado há 3 anos

Benedito Senna está cego – e amando. Exagerado que se joga aos pés da paixão, não pensa duas vezes antes de cruzar o Atlântico para se casar com Jean Luc, leitor de seus poemas. Senna é de Belém, capital do Pará, mas Paris é uma festa, cidade na qual os artistas flanam, bebem café ou vinho ou cerveja, escrevem textos, criam porque a criação é necessária, eternizam o batuque excitante das possibilidades humanas de prazer: é lá que o artista conhece outro Benedito, diretor de filmes, brasileiro e gay.

Não
poderia ser mais intenso. No primeiro encontro, foram registrados vídeos de
celular e mensagens de voz trocadas entre ambos. A coincidência do nome e a
paixão em comum deles pelas imagens fazem com que, anos mais tarde, sei lá, um,
dois, três ou quatro, reencontrem-se para realizarem um filme. E, juntos,
caminham em direção à busca pela derradeira imagem que Senna se lembra de ter
visto. Essa é a premissa do longa-metragem “A Última Imagem”, filme dirigido
pelo goiano Benedito Ferreira.

“Nos
primeiros encontros, logo no começo de nosso encontro na França, fiquei com
vontade de entender como os sonhos surgiram para uma pessoa que não enxerga.
Conversamos bastante sobre isso”, conta Benedito ao repórter, cujo filme está
na seleção oficial do Mix Brasil, um dos festivais mais importantes centrados
na diversidade sexual e de gênero, que começa nesta quarta-feira, 10. “As
poesias que Benedito escreve evocam muitas imagens, cheiros, sons e texturas”,
continua o diretor.

Primeiro, “A Última Imagem” foi exibido na tela grande em Viena, na Áustria, e então esteve entre os selecionados para o Festival Ecrã, no Rio de Janeiro. Mas, Benedito, por que esse título tão metafórico? “Propus que o filme se chamasse assim e que a gente, num determinado momento, fosse em busca dessa última imagem, que é a própria vida, a fagulha de mistério que nos ronda, um pouco do país que ele deixou para trás”, atesta o cineasta, como se cada palavra emitida fosse uma cena construída em nossas cabeças – penso que o leitor, atento, deve pensar isso também.

O filme começou a ser idealizado em fevereiro de 2015, com imagens num corredor iluminado de uma estação de metrô no centro de Paris. É possível ver Senna em frente a um espelho que deforma sua aparência. Anos depois, ele retornou a França para dar continuidade ao projeto. Misto de ficção com documentário, o longa pinça o amor, as divergências, o desamor, ou aquele instante em que duas pessoas se olham e já têm certeza de que combinam, como Cazuza e Robert Frejat, Mick Jagger e Keith Richards e Paul McCartney e John Lennon, como você e seu amor.

Segundo
Benedito, o diretor, a ideia de filmar o longa nasceu quando experimentou com
uma câmera emprestada de uma amiga chinesa. Foram feitas imagens e, assim que
voltou ao Brasil, o material entrou de molho: “me esqueci um pouco dele. Foi
preciso distanciamento, contar com o tempo, pra poder olhar para as primeiras
imagens, que são justamente aqueles que abrem o filme. Então pensei que deveria
filmar mais e pensar numa estrutura de filmagem que envolvesse mais
profissionais.”

Fugir
do clichê

Benedito
tinha uma certeza quando embarcou para a França: não queria ser seduzido pelos
pontos turísticos, pelo clichê que norteia a capital francesa. Ele desejava
pensar nas coisas pequenas, como a passagem do tempo, ou o gesto singelo de
acompanhar o processo criativo de um poeta e seu marido. Afinal, isso também se
relacionava com a cidade e até mesmo havia um diálogo com o próprio filme.
“Costumo dizer que esse é um filme que acontece enquanto a gente combina as
imagens que vê na tela”, diz.

Com intermédio do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, para filmar na França, o diretor teve de recorrer aos apoios da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e do Fundo de Arte e Cultura de Goiás, o FAC. Um road-movie sobre o cotidiano de duas pessoas pelas quais Benedito Ferreira não se dá ao trabalho de esconder sua admiração, “A Última Imagem” gera reflexão sobre a relação que ele, turista, manteve com a cidade e a que Benedito Senna, poeta, mantém.

Isso se
organiza na montagem: vai acontecendo, aos poucos, e oferece pistas ao
espectador, que completa o jogo que os dois Beneditos estão construindo e
destruindo em cena. Mas, Benedito Ferreira, vem cá, qual é “A Última Imagem”? “Na
verdade, eu tenho apenas pistas. No começo do filme, antes de partir para as
filmagens, eu tinha uma última imagem. Com o passar do tempo, descobri uma nova”,
explica.

Ele diz
que, sempre que vê o filme, mesmo tendo passado anos, elabora uma última
imagem. “Talvez os poemas de Benedito contenham a resposta. Em um de seus
poemas, ele escreve que “amo os ressignificados/ as acústicas imagens,/ os insignificantes”.
Essa última imagem, convertida em sua própria face, concretiza nosso encontro.
Apostamos, juntos, conjugando o “verbo” Benedito no plural, naquilo que nos é
cotidiano, que se veste de alegria, tristeza e também de certa paz.”

“Penso
que a melhor maneira de questionar a onda reacionária que nos aflige é colocar
em cena personagens e narrativas que consigam mostrar a capacidade de nossa
força, luta e amor por aquilo que fazemos. A arte é irrequieta. Assim, ela é
capaz de agrupar, de produzir redes de afeto, de fazer encontrar nossos pares”,
reflete. De fato, os documentários independentes, como “A Última Imagem”, podem
ser estratégias de imaginar um mundo possível, e com os quais enfrentamos pontuais
e fundamentais.

A
Última Imagem

Direção: Benedito Ferreira

Classificação
indicativa:
 12
anos

Quando: de 11 a 14

Onde:
Spcine

Exibição
online

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