Figura eternizada no panteão cinematográfico e televisivo, a atriz Sonia Braga esteve na pele da meiga Helena e também interpretou a sensual Gabriela. Foi moderna nas pistas ao som da disco music durante a novela “Dancin' Days” e encarnou uma mulher tórrida no filme “Dama do Lotação”, baseado em Nelson Rodrigues, sob a direção de Neville de Almeida. Ao lado do lendário ator Paulo César Pereio, protagonizou a película “Eu Te Amo”, de Arnaldo Jabor, em que Paulo lhe diz antes dela ficar de quatro no ato: “cala a boca e transa, porra”.
Se o escritor Jorge Amado a considerava três vezes filha por ter dado vida a Gabriela (Bruno Barreto, 1983), Dona Flor (do mesmo diretor, 1976) e Tieta do Agreste (Cacá Diegues, 1996), Jabor entendia tudo por uma perspetiva mais objetiva. Para ele, Sonia tinha alma de nitrato e, por essa razão, precisava ser filmada. Pouco a pouco, nos sets, a atriz se notabilizou por se colocar à disposição das ideias daqueles que manipulavam a câmera fotográfica, como demonstra clique de Bob Wolfenson no qual se revela o soníssimo bico do seio direito.
Tamanha intimidade fotográfica transformou a paranaense nascida em Maringá em símbolo do desejo. Em meio século de carreira, além de viver na telona personagens rodrigueanos, jorgeanos ou machadianos, Sonia contracenou em Hollywood com o ator William Hurt no longa “O Beijo da Mulher Aranha” (1985), inspirado no livro do escritor argentino Manuel Puig: aqui Sonia Braga está sem tempo para clichês tropicais, e com todo tempo do mundo, por exemplo, para se tornar imagem no mundo homossexual vivido por Hurt.
Sonia em fotos
Aos 72 anos, a atriz tem sua vida narrada por meio de imagens no livro “Sonia em Fotobiografia”, obra que sai pela editora Sesc. O designer Augusto Lins Soares examinou 20 mil fotos, leu 250 entrevistas em revistas, jornais e publicações na web, além de outro bocado de livros consultados e reportagens exibidas na televisão assistidas por ele. Há Sonia sem roupa, claro, mas também registros dela com Nelson Rodrigues, Gilberto Gil, Bibi Ferreira, Marcello Mastroianni, Federico Fellini, Elizabeth Taylor, Bill e Hillary Clinton.
“O livro é merecidíssimo, enorme e faz jus à grandeza dela. Posto aqui minha foto que está estampada numa bela página e também a foto da capa (que não foi feita por mim) e sim pelo saudoso fotógrafo norte-americano radicado no Brasil Lew Parrella”, diz Wolfenson, quando postou a imagem de Sonia com o mamilo à mostra, no Instagram. Os textos biográficos são assinados pela jornalista Melina Dalboni, num estilo arrojado que, por meio de linguagem saborosa e leve, consegue contextualizar a importância da atriz à cultura brasileira.
Além da relevante presença de Sonia no cinema, no teatro e na televisão, a obra destaca ainda o papel que a artista desempenha no cenário internacional. Na carreira, além de “O Beijo da Mulher Aranha”, atuou em outras produções hollywoodianas e participou de séries de sucesso, como “Lei & Ordem”, “Alias: Codinome Perigo”, “Olhar de Anjo”, “Cidade do Silêncio” e Casamento Armado” - os três últimos com Jennifer Lopez, fã da brasileira.
Augusto Lins Soares se esforça a tal ponto que consegue localizar as fotografias de Sonia ainda na infância, em Maringá, no interior paranaense. Nascida em julho de 1950, a artista precisou lidar com o luto do pai quando era pequena. Depois, ao se mudar com a família para São Paulo, experimentou o sabor das dificuldades financeiras: desempenhava o labor doméstico e era dona de casa, já moça ingressou nas aulas de piano e aprendeu os primeiros passos do balé, de repente posou ao lado de Ronnie Von e se tornou amiga da turma que ficou conhecida como Jovem Guarda. Ninguém podia duvidar dela.
Como havia se interessado pelo meio artístico, conseguiu um papel no curta “Atenção, Perigo”, dirigido por José Rubens Siqueira - para se dimensionar sua importância ao teatro brasileiro, ele levou aos palcos espetáculos de Federico Garcia Lorca, Salman Rushdie e Antonin Artaud. A fase de Sonia nos EUA, onde chegou a aparecer na série pop “Sex And The City” na década de 2000, foi registrada pelo fotógrafo Alcir Navarro da Silva, que clicou-a de cabelos esvoaçantes, preto da cabeça aos pés, com a loucura nova iorquina ao fundo.
Mulher extraordinária
O cronista Xico Sá, na obra “Mulheres Extraordinárias”, se insurge contra Hollywood, que não compreendeu, na visão do escritor, estar diante de uma mulher de todo o mundo. “Não apenas de uma brejeira dos trópicos”, diz Xico, liricamente. No Brasil, Sonia atuou em “Aquarius” (2016), de Kleber Mendonça Filho, e protestou no Festival de Cannes contra o impeachment de Dilma Rousseff, ao qual define - até hoje - como golpe. Três anos depois, esteve no elenco de “Bacurau”, dirigido por Mendonça Filho de Juliano Dornelles.
Politizada, defensora da reforma agrária e militante pela preservação do meio ambiente, Sonia participou ainda do movimento pelas Direitas Já!, em 1984. Em sua vida, vestiu roupas assinadas pelo estilista Valentino Garavani, mas - sobretudo - foi retratada por artistas das lentes, como Annie Leibovitz, Bob Wolfenson, Deborah Turbeville, Marco Glaviano, Marisa Alvarez Lima, Michel Comte, Paulo Vainer, Robert Mapplethorpe e Steven Meisel. Uma das imagens mais belas é Sonia, aos 70, mostrando aos seguidores nas redes os cabelos brancos.
“Vou completar 70 anos, mais de 50 deles dedicados à arte – cinema, televisão e uma rápida passagem pelo teatro. Há ainda muitas outras coisas que gosto de fazer, mas não são públicas – escrever, desenhar, fotografar, passear são alguns desses meus outros prazeres. Às vezes, compartilho uma foto, um pedacinho do céu, e assim revelo o meu olhar e deixo entrever o que vai na minha alma. São apenas ensaios e um olhar diferente de um ponto de vista sem controle, sem censura, sem direção”, diz, na legenda da imagem.
No final das contas, o escritor Jorge Amado sempre esteve com a razão: “ser ela, Sonia Braga, filha do povo brasileiro, ou o próprio povo, quem sabe?”. Sorte do Brasil por tê-la.
Sonia em Fotobiografia
Organizador: Augusto Lins Soares
Preço: R$ 130
Páginas: 256
Editora: Cepe e Sesc