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Fred Le Blue se inspira em Dorival Caymmi em próximo trabalho

Fotomusical "Suíte dos Pescadores: tecnoilógica civilização caiçara pós-caymmi-smetakiana", produzido por Le Blue, é um relógio suíço com acarajé baiano

Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã

O filme que está sendo lançado pelo YouTube @arteteturaehumanismo é um trabalho poético-musical-fotográfico com imagens eróticas e sublimes, inspiradas na estética da civilização praiana baiana presente na obra de de Dorival Caymmi. A trilha sonora é composta pela epopeia musical popular "suíte dos pescadores: tecnolilógicacivilização caiçara caymminiana", gravada em 2021, por Fred Le Blue, em Goiânia, que é uma releitura da obra "Suíte dos Pescadores", um dos maiores clássicos compostos e interpretados pelo mestre baiano dos mares.

A cultura e povo caiçara é caracterizado pela mestiçagem sociobiológica entre índios, europeus e, posteriormente, negros. Fundamentalmente enraizada em uma memória coletiva e saber local associada à prática da agricultura familiar, extrativismo vegetal, técnica construtiva (casas, canoas, utensílios e artesanatos), pesca artesanal e ecoturismo no território litorâneo da Mata Atlântica brasileira, que vai do Paraná até o estado do Rio de Janeiro, os caiçaras, assim como quilombolas, extraem sua subsistência e vivem seus costumes por meio de um contato ecoafetivo muito profundo com a natureza e os ciclos naturais. Sua musicalidade é marcada por cantigas e cirandas com letras, melodias e harmonias simples e que sintetizam suas rotinas de trabalhos cotidianas e desafios de um habitat multissituado entre a floresta e o mar.

O filme fotomusical "Suíte dos Pescadores: tecnológica civilização caiçara pós-caymmi-smetakiana", produzido por Le Blue, é um relógio suíço com acarajé baiano. Inspirado na música "Suíte dos Pescadores" de Caymmi, é trilha um manifesto a favor do reencantamento do mundo pela arte sem óbices e dogmas. Um brinde ao amor, à natureza, à memória e à música que nós habitamos e que nos habita e, sincronicamente, uma manifestação pela valorização e resgate do imaginário socioambiental e cancioneiro poético-musical dos povos e compositores dos mares da Terra. Mas longe de ser um trabalho apocalíptico e nostálgico, ele tenta por meio de uma plataforma híbrida (som + imagem + digital), citar a cultura musical atual, dominada por ritmos efusivos e dançantes.

No entanto, a vulgarização poética e sonora da música brasileira atual, como a música tecnobrega com letras literais e eróticas, não parece nos inspirar mais em sonhos de amores sombreados por serestas, coqueiros e águas de coco. O que não a impede de servir de estímulo físico capaz de catalisar através da dança e música o encontro social e afetivo, dessacralizando o individualismo que se tornou uma forma de deidade moderna com a comunhão social por meio de tecnologias infocomunicacionais. Em alguns pontos do litoral brasileiro, o impacto dessas "novidades" ainda são assistidas em câmera lenta, talvez, em função de um cultura nativa fortemente marcada por relações e tradições orais.

O repertório musical caiçara se assemelha bastante à singeleza do cancioneiro de Dorival Caymmi, que teve como substrato de criação estética e poética, a cotidianidade expressa em algumas vilas litorâneas pesqueiras caracterizadas ainda por uma ruralidade social e urbanística (“civilização praieira”). A proximidade do compositor baiano de Itapoã e da Lagoa do Abaetê (Salvador-BA) com a temporalidade expandida e o imaginário idílico dos povos costeiros era patente, - mormente, em sua obra máxima, “Suíte de Pescadores”, - rapsódia dramática sobre os desafios heroicos e riscos humanos da sobrevivência junto ao ambiente marinho. Tanto é que quando se mudou para o Estado do Rio, optou por residir juntamente com sua família na aprazível cidade do litoral norte-fluminense de forte presença caiçara, cujo nome remete à seu imaginário poético e caráter psicológico: Rio das Ostras. Sobre isso, Fred Le Blue comenta:

"Reproduzindo esse movimento de aproximação com a cultura caiçara, eu, que já conhecia Salvador, até por possuir relações familiares, resolvi, sem ouvir o chamado do mar me mudando para o bravio Rio em busca de novos horizontes artísticos e pessoais. Em 2007 ao ver um postal de Paraty, que se despertou em mim um fascínio instantâneo pela cidade, localizada no litoral sul do Estado. A multiplicidade enigmática do município de ambiência litorânea, colonial, interiorana e esotérica, me fez, como Chico Buarque, - que na mesma época havia escrito um livro sobre “Budapeste” sem nunca ter pisado na Hungria, - compor a canção “Para Ty”, como maneira de teletransporta minha alma para mares mais bucólicos. Foi também uma forma de dar um "apoio musical" à candidatura dessa cidade ao título de patrimônio arquitetônico da humanidade junto à Unesco. Em 2011 pude verificar que a composição musical conferia com a paisagem cultural da cidade, quando conheci, de fato, a cidade. Nessa ocasião pude fazer um pequeno registro fotográfico em que a música funcionou como um roteiro subliminar, e que estamos utilizando agora também para fazer alguns videoclipes e ilustrações do disco. Após minha viagem à Paraty, viria a compor “a canoa de um só tronco” deste épico “dharmático”-musical, dividido em 5 atos (ou atuns), um prólogo e um epílogo. Falo aqui do Ato 1 “Interação Face-to-Facebook” e 2, “Saudade do Analógico”.

Ao se personificar como habitante de uma pequena vila de pescadores caiçara na região de Paraty, bebendo das águas do mar biográfico e musical de Caymmi, Fred Le Blue tenta assim apontar para o drama psicossocial da modernidade fáustica nos brasis mais recônditos, já que as promessas racionais de progresso material e tecnológico, por vezes, trazem consequências deletérias não somente para a diversidade antropológica e cultural, mas também biológica e ecológica. Os povos costeiros, parte integrante desse ecossistema atlântico florestal e marinho, também ameaçados de extinção por agentes econômicos, quase sempre vivem por meio de uma cultura sustentável, sendo aliados da natureza para retardar o avanço da mancha urbana imobiliária especulativa em áreas de reservas ambientais e o aumento da poluição marinha por resíduos sólidos.

Através de instrumentos sonoros criados por arte reciclagem foi possível apontar de forma metalinguística também para caminhos responsáveis e assertivos de reaproveitamento de resíduos sólidos. Nessa escolha de instrumentos ecopercussivos e na da metodologia espontânea de prática de conjunto, a referência utilizada foi a vida e obra dedicada à música, a espiritualidade (Eubiose), às artes plásticas e ao ensino musical. Falo do suíço tropicalista Walter Smetak. O uso retórico de percussões de latas, canos e tampinhas permitiu criar uma ambiência similar à paisagem sonora de uma vila de pescadores. Esse método de composições improvisadas, que permitem uma experimentação física, psíquica e espiritual musicoterapêutica, insurgem em melodias, harmonias e batidas caóticas e incidentais, que sugerem intercâmbio também com a musicalidade indiana e árabe. O resultado é um castelo de areia sonoro eletroacústico perene que equilibra tempo ocidental do metrônomo com o tempo oriental da respiração (tons e microtons; ritmos e microritmos), violões rudimentares com guitarras metálicas, bem como, melodias cíclicas contrapontuais com canônicas, que nos remete também ao processo criativo de gêneros mesoamericanos como o DUB.

Nessa "Suíte" bons ventos hão de levar os sentidos para os mares imaginários da mente. O Suíte dos Pescadores n° 2 é assim um brinde ao amor, à natureza, à memória e à música que nós habitamos e que nos habita e, sincronicamente, uma manifestação pela valorização e resgate do imaginário socioambiental e cancioneiro poético-musical dos povos e compositores dos mares da Terra".

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