Assim como Charles Baudelaire e Julio Cortázar, o escritor João Guimarães Rosa gostava de travar silenciosas batalhas com o texto acompanhado pelos seus gatos. O autor de “Grande Sertão: Veredas”, tão apaixonado pelos bichanos quanto era pela esposa Aracy de Carvalho, causou espanto no ex-presidente Jânio Quadros, que não se segurou durante visita à casa do imortal das letras e achou por bem lhe perguntar as razões que o levavam a criar três felinos.
“Gatos são muito mais fiéis aos donos. Já os cachorros se parecem com certos diplomatas, abanam o rabo para qualquer autoridade”, comparava Guimarães Rosa, embaixador do Brasil em Hamburgo durante o nazismo, entre 1938 e 1942. O mineiro se junta a um seleto time de escritores apaixonados pelos pequenos seres ronronantes. Hemingway, por exemplo, chegou a ter 50 em sua propriedade nos EUA. E William Burroughs, autor de “O Gato por Dentro”, dizia que, de todas as criaturas puras, os gatos são as mais práticas.
Zeca Jagger, meu companheiro felino preto e branco, dois anos, regozija-se durante reuniões de pauta, nas quais os jornalistas, incluindo este escriba, decidem a edição que irá circular no dia seguinte. Já Cazuza, gordo, oito para nove anos, amarelo e branco, quer saber apenas de ficar o dia todo deitado no ar-condicionado, sem maiores aporrinhações, avesso à correia e ao estresse. Enquanto Berenice, angorá branca, felpuda, quatro anos, é brincalhona - e ai de você se, ao fechar a geladeira, tirá-la de lá ou, pior ainda, não correr atrás dela.
Pesquisa
Segundo levantamento realizado pelo Datafolha, 61% dos brasileiros com 16 anos ou mais possuem um pet em casa, sendo que 23% têm rotina semelhante às descritas no último parágrafo. A pesquisa informa ainda que, nos lares que servem de residência para os felinos, 46% dos entrevistadores são tutores de mais de um, como é o meu caso, da minha esposa e da psicóloga Beatriz Breves, especialista em ciência do sentir. Ela, porém, cuida de 12.
Breves esteve, desde pequena, rodeada de bichanos e afirma que os tutores reconhecem a alegria que os pequenos seres ronronantes são capazes de proporcionar no dia a dia, com suas brincadeiras, peripécias, cenas engraçadas, carinho e amor. Mas os benefícios, diz ela, não param por aí: a ciência já comprovou que animais provocam bem-estar nas pessoas, controlam sintomas de ansiedade, diminuem a depressão e auxiliam no aspecto emocional.
Não à toa, um dos impactos está relacionado à saúde mental. Breves catalogou, em 35 anos de estudo, 500 sentimentos proporcionados pelos amigos ronronantes, como momentos de amor, instantes de afetos, companheirismo, felicidade, conforto e gratidão. Autora de “Entre o Mistério e a Ignorância - O Desvendar da Psique Humana”, ela defende ainda a tese segundo a qual, na terceira idade, ter um amigo de quatro patas possibilita vida sem solidão.
Como isso, se os bichanos são traiçoeiros, diz a lenda? Esqueça-a, por favor. Eles amam, da forma deles, é bom dizer, já que nunca abrem mão da independência e, em razão dessa característica de suas personalidades, é comum ouvir humanos preconceituosos - eu sei, soa até redundância. É raro gatos se esfregando nas pessoas sobre as quais odeiam. Talvez só para pedir um pouco de comida, ou, no caso de a coisa estar feia, colocar água na vasilha.
Ao perceber que uma pessoa não lhe quer, o gato parece ensaiar uma travessura, pulando no colo do incauto ou roçando-se suas pernas nas dele. Até esnoba, se você chegar já fazendo carinho, miau, miau, miau: ou, tá pensando o quê?! Pode ser implicante ou vaidoso, dependendo da circunstância, mas é um bom camarada. Quem melhor descreveu-os, nesse sentido, foi a poeta Lygia Fagundes Telles: “Ele fixara em Deus aquele olhar de esmeralda diluída, uma leve poeira de ouro no fundo. E não obedeceria porque gato não obedece.”
Estrela das artes
Inspiraram poetas, se tornaram personagens de contos, objetos de ensaios literários e até protagonizaram games, como “Stray”, aventura felina em terceira pessoa na qual o jogador passa por becos iluminados pelos néons numa cidade futurista, andando por obscuros locais do submundo, interagindo com o espaço urbano e vendo tudo a partir dos olhos de gato. Há muito já são famosos na indústria cultural, vide Mingau, da “Turma da Mônica”, Tom, personagem da animação “Tom & Jerry", e “ Gato de Botas”, que pode até ser oscarizado.
A prova da popularidade ocorreu em 1961, quando 152 gatos pretos formaram fila para a gravação da adaptação cinematográfica do conto “The Black Cat", escrito por Edgar Allan Poe. Publicado em agosto de 1843 nas páginas do “Saturday Evening Post”, a obra assinada pelo autor norte-americano descreve Pluto, mascote favorito e era com ele que o protagonista do enredo passava mais tempo. “Era só eu que o alimentava e o animal me acompanhava em qualquer parte da casa em que eu fosse”, escreve Allan Poe.
Já Charles Baudelaire, em “O Gato”, poema que integra a obra “As Flores do Mal”, dedicou belos versos aos felinos: “em teus belos olhos afundo e pouso em mesclas d´aço e de ágata”. Se Charles Bukowski os admirava pela capacidade de dormir 20 horas seguidas, a ensaísta Patricia Highsmith gostava dos bichanos porque, segundo ela, são “elegantes e silenciosos, e têm efeito decorativos; uns leoenzinhos razoavelmente dóceis, andando pela casa”.