Geometria da cidade nas alturas
Diário da Manhã
Publicado em 28 de junho de 2017 às 22:17 | Atualizado há 4 meses
A medida de João Dória, novo prefeito de São Paulo, de apagar os grafites gerou discussões em todo o Brasil. O político parecia ter lançado a temporada de caça contra esses artistas. Em todo o país se falava dos problemas que o grafite enfrenta, como se a situação na cidade de São Paulo correspondesse ao cenário nacional o que não é verdade.
Em Goiânia, os grafites e pixos continuam tatuando a pele da cidade. Ações com apoio de agitadores culturais continuam acontecendo e até com suporte financeiro do governo estadual. É com o apoio do Fundo de Arte Cultura, da Seduce e do Governo do Estado que o artista e grafiteiro Santiago Selon está produzindo um mural com 150m² no Setor Universitário, atrás da Paróquia Universitária São João Evangelista.
Questionado sobre uma possível “caça” aos grafiteiros do país, após as ações de João Doria em São Paulo, Selon diz que não sente isso aqui em Goiânia. Um dos exemplos que demonstram que a arte urbana na capital de Goiás sobrevive é o Beco da Codorna, dominado da cabeça aos pés por grafites de artistas de vários estados, e chamado até de Museu Goiano do Grafite. O Beco da Miração é outro exemplo. Recentemente o local público recebeu uma nova roupagem com ações de Mateus Dutra, Itty, do coletivo Bicicleta Sem Freio, Butas e outros.
Para Santiago Selon o apoio é o que possibilita trabalhos “grandiosos”. Em alguns projetos o valor do aluguel do andaime impede esses desenhos nas alturas. “Hoje acho que é mais difícil conseguir equipamentos para fazer um trabalho dessa amplitude, é caro. A gente às vezes gasta mais com equipamento do que tinta”, diz Santiago. Ele também fala que em alguns casos o contratante desiste da ação pelo alto valor ou não se interesse por um projeto mais elaborado.
Formas e cores
O trabalho de um artista urbano, diferente das outras formas de compor arte, está disponível até aos desinteressados. O poeta Paulo Leminski pixava nas ruas de Curitiba em 1980 um poema curto que dizia: “palpite/ o grafite não tem limite”. O significado desse poema impresso na pele da cidade faz relação com o caráter espontâneo da arte urbana. É impossível não notar um grafite ao trafegar pelas ruas de uma cidade. Mesmo de forma menos explícita, os signos do desenho vão adentrar nos sentimentos. Em 80 o poeta Leminski falava sobre esse assunto, hoje em 2017 o grafite e o pixo continuam sendo pauta cheia de controvérsia.
O projeto de Santiago já ilustra o horizonte de prédios em Goiânia mesmo que não finalizado. Chamado de “Invisível” o desenho trabalha formas geométricas de maneira abstrata. De acordo com Santiago, a ideia é trazer para o desenho o formato da cidade e de uma maneira subliminar, por isso o nome “invisível”, pois os admiradores precisam de uma dedicação maior para retirar os signos contidos na obra.
A verticalidade do desenho também tem seu significado. A cidade estática com seu asfalto, seus prédios e o horizonte escondido são aspectos abordados no formato do desenho. “Através da geometria eu proponho falar do perfil da cidade mas de uma maneira mais subliminar”, conta Santiago.
O grafite não tem na essência somente o contato espontâneo como também consegue “conversar” com a comunidade e a região onde está inserido. O artista concorda que as expressões urbanas podem ser um caminho novo para a arte, porém acredita que essa característica é circular. “O grafite dialoga com a comunidade e acredito que é um formato artístico que deve durar muito (apesar da efemeridade). Temos ele agora, mas antes havia o muralismo e, se a gente voltar ainda mais, existe a pintura rupestre. Essa ideia de deixar uma marca onde as pessoas passam é antiga e por isso acredito que dure bastante, nesse modelo ou em outro formato novo.
O artista
O contato com a parede e a arte de Santiago Selon começou na adolescência, quando tinha entre 13 e 15 anos. Junto com alguns amigos do colégio e da rua, o artista teve seu primeiro contato com o spray e a parede através da pixação. Santiago conta que um desses amigos já grafitava e isso atraia a atenção de todos que participavam dessa espécie de coletivo. O contato com esse amigo despertou a ideia de trabalhar mais seriamente, assim surgiu a vontade “vou ser artista”.
O interesse pelo grafite foi ganhando força e logo Santiago iniciou uma parceria com Aiog, que promove atualmente ações no Beco da Codorna. “Começamos com uns bombs, que são desenhos garrafais mais simples”, conta. Pensando arte, principalmente nas ruas, o artista ingressou no curso de Deisgn pela Pontifícia Universidade de Goiás (PUC Goiás). No curso, Santiago teve contato com o abstrato, as formas e a geometria, a partir daí, em 2009, resolveu inserir essas características na sua obra. “Não acredito que a academia seja essencial na formação. Você pode olhar a quantidade de grafiteiros que fazem ótimos trabalhos e nunca passaram perto de uma universidade. É um contato legal mas não quer dizer que seja obrigatório ou algo do tipo”, afirma.