Foi-se um bibliófilo. Gilberto Mendonça Teles, poeta de versos livres e referência em estudos literários, morreu na noite da última quarta-feira, 4, no Rio de Janeiro, aos 93 anos. Segundo a família, o goiano estava internado para tratar pneumonia e problemas cardíacos.
Poeta, ensaísta, crítico e historiador literário, Mendonça Teles se tornou professor emérito na UFG, PUC-GO, UFF e UFRJ. Lecionou ainda na UnB, a convite do antropólogo Darcy Ribeiro. Era um erudito e, em razão do rigor metodológico com que escrevia, chamou entre os anos 1950 e 1960 a atenção do País para a literatura, história e sociedade goianas.
O escritor nasceu no dia 30 de junho de 1931, em Bela Vista. Na cidade natal, deu início à vida estudantil para continuá-la no Lyceu de Goiânia. Logo depois, apaixonado pelo saber, formou-se em Filosofia pela Universidade Católica de Goiás (UCG) e bacharelou-se em Direito na UFG, onde se faria professor a convite do reitor Colemar Natal e Silva.
Desentendeu-se com o escritor Cyro dos Anjos quando este lhe perguntara após uma reunião se em Goiás havia estudo literário. “Não estudamos muito bem, não, mas lemos muitas coisas ruins que se escreve; há pouco lemos um livro do senhor por lá”, sapecou, pedindo que o excluíssem do quadro de docentes. “Não quero mais ser professor aqui.”
Todavia, anos depois, sendo ambos professores na UFRJ, o Departamento de Letras decidiu homenagear Cyro dos Anjos em seus 80 anos e o goiano foi designado a saudá-lo. “Fiz com todas as reverências”, lembrava, sem guardar mágoa do mal-estar ocorrido em Brasília, conforme trechos de entrevista concedida pelo crítico à “Revista UFG”, em junho de 2009
De volta a Goiânia, Mendonça Teles encontrou uma carta assinada por Natal e Silva. O texto ia direto ao ponto: convidava-o para formar o quadro docente na Faculdade de Letras, cuja criação era comandada pelo professor Egídio Turchi. A primeira reunião, lembrava o crítico literário, ocorreu próximo ao Café Central, na esquina da Rua 6 com a Anhanguera.
Antes de ser cassado pela ditadura em 1969, dirigiu o legendário Centro de Estudos Brasileiros (CEB). De início, segundo depoimento à “Revista UFG”, houve a nomeação de 12 professores. O CEB, porém, acabou dedurado como lugar de comunista. Embora tivesse estudado a teoria marxista da literatura (sobretudo o filósofo húngaro György Lukács), Mendonça Teles não se identificava adepto da ideologia vermelha da foice e do martelo.
“Além de atuar no CEB como diretor e professor até o AI-1 (1964), que me exonerou da direção, fui também fundador e professor da Faculdade de Letras, até ser aposentado pelo AI-5, em 1969”, dizia. Depois disso, passou pelo Uruguai, França, Espanha, Portugal e Estados Unidos, lugares em que ficou conhecido, até se estabelecer no Rio de Janeiro.
Com a anistia, Mendonça Teles conquistou direito de voltar aos cargos que ocupara antes do golpe militar, porém compreendeu já não poder mais ficar em Goiás. Pelo CEB, contava, não recebia nada, pois era professor da universidade à disposição do centro. Contudo, ainda que morasse no Rio há cinco décadas, fazia questão de reafirmar a identidade goiana.
Desconfiava que, pela perspectiva do amadurecimento cultural, Goiânia tinha certo “sentimento muito ruralista — prevalecendo aquele estilo country”. Mas isso não lhe impedia de apontar a ignorância carioca a respeito da cultura goiana. “Até hoje as pessoas não têm o hábito de seguir rumo ao interior; quando viajam, seguem sempre para o oceano.”
Linguagem
Se o fato de ter criado na UFG as cadeiras de Literatura Brasileira e de Teoria Literária já lhe garantiria lugar à história, demonstrava em seus livros ser um poeta dedicado à linguagem. Como crítico, ofício pelo qual também era respeitado, analisou a poesia de Mário e Oswald de Andrade. Pesquisou ainda literatura goiana, seja em verso ou prosa.
Amigo do poeta Carlos de Drummond de Andrade, em cujo círculo íntimo esteve por anos, era sobretudo homem de verso. Já estreou, em 1955, com “Alvorada”, recebendo elogios da crítica nacional. Até 2014, tinha publicado 28 livros de poesia, estava em 11 antologias em português, francês e espanhol, bem como assinava 25 volumes de ensaios.
No gênero textual consagrado pela pena de Montaigne, o que se vê são obras-primas: “O Conto Brasileiro em Goiás”, “Camões”, “Poesia Brasileira”, “Drummond – A Estilística da Repetição”, “A Escrituração da Escrita” e “A Poesia em Goiás”. Antes de tudo, entretanto, Mendonça Teles se dizia leitor, a ponto de doar parte de sua biblioteca — pouco mais de 5 mil títulos — para a Biblioteca Seccional de Letras e Linguística, na Faculdade de Letras (FL).
“Tive a honra de participar da equipe de curadoria, que inclui edição original e autografada de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, de Machado de Assis, de ‘O Tronco’, de Bernardo Élis, além de outras obras em edição rara, que graças à generosidade intelectual de Gilberto Mendonça Teles, somente a UFG possui”, conta o diretor da FL, Jamesson Buarque.
O governador Ronaldo Caiado, por sua vez, destaca que Mendonça Teles era membro da Academia Goiana de Letras (AGL). Caiado lembra ainda que o intelectual é autor de obras sobre o Brasil Central, como “Saciologia Goiana”, de 1982; “Os Melhores Poemas”, de 1993; e “Lirismo Rural: o Sereno do Cerrado”, de 2017. “Nossos profundos sentimentos aos familiares e amigos do escritor”, afirma o chefe do Executivo goiano, em nota.