O som era tão alto, os caras eram tão doidões, que muitos no Martim Cererê pulavam, batiam cabeça, loucura total. As músicas soavam aceleradas demais, tocadas num ritmo intenso, num fôlego só: letra direta, riff barulhento. O rock não morre. O punk não morre.
Sempre houve rock independente em Goiás. Ouça aí HC-137. Rolavam altas tretas de metaleiros com punks. “No começo dos anos 90 tem uma virada. Tem uma nova leva de bandas aparecendo em Goiânia. E eram bandas bem legais”, contextualiza Márcio Jr., nos primeiros minutos do documentário “Goiânia Rock City”, que será exibido no Cine Ritz.
Goiânia Noise melhorou demais a vida na cidade. Mostrou que a galera daqui curte rock, sim. Três edições depois, em 1998, a Monstro Discos é formada. Surge Mechanics: meio The Stooges, meio Melvins. Amplificou o momento Nirvana. Underground goiano balançado.
Com Márcio Jr à frente, revelou-se visceral, transgressora, com sonoridade que inspirara a geração dos anos 2000. Rock enérgico, multifacetado. Muito foda. Como, aliás, tem de ser. A música desfere tabefes na percepção encaducada dos caretas e dessa gente covarde, pois a banda, me disse Márcio certa vez, usa a linguagem roqueira como canal comunicativo.
“Mechanics era tão legal quanto os Titãs, era tão legal quanto os Ramones”, afirma o jornalista e produtor cultural Pablo Kossa, em depoimento dado ao documentarista Théo Farah, diretor do filme “Goiânia Rock City”. “E era uma banda da minha cidade”, sentencia Kossa, reforçando a importância disso para o fortalecimento do rock’n’roll no cenário local.
Graduado em Comunicação Social e pós-graduado pela UFG, Théo revisita o ecossistema musical que projetou a metrópole goiana no território brasileiro. Os anos 2000 são considerados a “época de ouro” do som independente responsável por tornar a capital uma verdadeira “Goiânia Rock City”. Vinte e sete entrevistados ajudam a recriar esse período efervescente.
Um dos pontos importantes do doc é o depoimento de Wander Segundo, criador do selo Two Beers Records. Segundo divulga bandas punks, undergrounds, que não interessam ao catálogo da Monstro. Rolês antológicos são revisitados no filme, tal como o Rock Pelo Niemeyer, cuja ideia era pressionar o Poder Público pela reabertura do Oscar Niemeyer.
“Goiânia Rock City” rememora ainda o infortunado dia do rock na Pecuária, evento que reuniu bandas para tocar no palco maior da festa agropecuária. Mas essa iniciativa, mostra o doc, causa discordância entre personagens ouvidos. Márcio Jr., por exemplo, sustenta que a empreitada teria sido bem-sucedida se um novo público realmente fosse construído ali.
Dinâmico e frenético, o doc aborda o surgimento de algumas bandas importantes daquele período, como Hang The Superstars e Melhor que Nada (MQN). “O MQN é uma banda que é do Setor Oeste e do Setor Bueno, né? Nós somos playboys. Muito diferente dos caras do Centro, do Coimbra, de Campinas, do Parque das Laranjeiras”, reconhece Fábio Nobre.
Ao contrário de outras bandas goianas, conta o vocalista, o MQN não tinha preguiça de ensaiar. “Parecia uma balbúrdia no palco, mas os moleques tocavam muito. O Rodrigo, César, Jorge, o mestre, tocavam bem pra caralho”, observa. Discípulo de Iggy Pop, o artista cita o lendário vocalista do The Stooges, a quem “cantar com voz é fácil, sem voz é arte.”
Hang The Superstars, por sua vez, investia alto no escárnio. Uma de suas músicas se chama simplesmente “Pussy Control”, ou “Controle de Buceta”. Como que num deboche televisionado, a banda goiana interpretou a singela canção na TV Cultura. Mas recebeu, numa dessas belezas da vida, elogio do apresentador, que classificou o som como “bom”.
Bandas
Três grupos resumem a efervescência roqueira da época: Mechanics, Hang The Superstars e MQN. “Goiânia Rock City” lista outros grupos que vingaram aqui e em outros estados: Violins, com seu “Tribunal Surdo”, de 2007; Rollin Chamas, com sua festa ao estilo Raimundos; e The Rockefellers, com suas baladas e seus rocks em alta velocidade.
Claro que há menção ao grupo Black Drawing Chalks, cuja “My Favorite Way” se tornou single do ano pela revista “Rolling Stone”, em 2009. Para Fabrício Nobre, ninguém da cena chegou tão perto do mainstream como o Black, a ponto de ter clipe no Disk MTV, concorrer ao VMB, disputar prêmio na MTV e ter base de fãs. Os caras gravaram disco nos EUA, tiveram carreira internacional. Já Hellbenders foi produzida por Carlos Eduardo Miranda.
Ao mostrar metal, hardcore e até o hip hop, “Goiânia Rock City” discute a diversificação da música goiana. O festival Vaca Amarela demonstrou que o rock’n’roll era lugar de “bicha”, nas palavras inclusivas do produtor cultural João Lucas, enquanto o Bananada disputava espaço com a própria Pecuária. E trazia à capital goiana os medalhões Gilberto Gil e Jorge Ben Jor.
Oásis no meio da cidade, Martim Cererê é descrito por Márcio Jr. como “o melhor lugar do mundo”. O Cererê, aliás, foi palco por anos do “Rock do Véi”, iniciativa capitaneada pelo produtor Carlos Brandão. O diretor Théo Farah acredita que falar de rock “numa terra historicamente dominada pelo sertanejo é muito difícil e, até certo ponto, subversivo”.
GOIÂNIA ROCK CITY
Direção: Théo Farah
Data: Sexta, 24, às 21 horas
Cine Ritz, Rua 8, Centro
Duração: 1h42 min
Ingressos esgotados