Quatro artistas visuais de Goiás cruzam o Oceano Atlântico em direção a Bruxelas, na Bélgica. Eles abrem em território europeu nesta quinta-feira, 19, a exposição “Lugar Não Lugar”, no espaço Cultural da Embaixada do Brasil. Essa mostra representa mais uma importante incursão da produção goiana contemporânea ao Velho Mundo, berço das vanguardas estéticas (dadaísmo e surrealismo) e do jazzista Django Reinhardt.
“Lugar Não Lugar” reúne 23 obras que abrangem diferentes linguagens e estilos, como fotografia, pintura ou instalação. Quem assina a curadoria da exposição é a venezuelana Morella Jurado, ao passo que a produção ficou sob responsabilidade da goiana Malu da Cunha. Com apoio do Fundo de Arte e Cultura, uma delegação formada por representantes dos artistas viaja à capital belga para acompanhar a montagem e a cerimônia de abertura.
Os artistas que participam da mostra são Bruno Bernardi, Evandro Soares, Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes, nomes que já possuem ampla notoriedade nos cenários regional e nacional. Fogaça, por exemplo, montou exposição com o celebrado autor cubano Pedro Juan Gutiérrez, num episódio, aliás, lembrado também por causa da recusa pelo Museu dos Correios em receber a exposição. Os poemas visuais da lavra cubana e os quadros do artista goiano foram taxados, sob um viés pejorativo, como eróticos - nada mais anacrônico.
Um dos últimos trabalhos criados por Fogaça foi “Braxilia”, exposição dele e do poeta Nicolas Behr, o maior da poesia brasiliense. A curadoria, desta vez, foi realizada por Dayalis González e teve co-curadoria de Steven Butterman. Foi um trabalho interativo, online, em que os artistas mergulhavam no âmago brasileiro, possibilitando reflexão crítica embalada pelo encontro afortunado entre duas expressões artísticas: as artes visuais e os versos.
Outro artista expressivo no cenário brasileiro é Pitágoras Lopes. Goianiense, ele esteve em cartaz no Centro Cultural Octo Marques com a mostra “Out Of Context”, aberta em dezembro do ano passado e estendida até fevereiro último. Suas telas, selecionadas pelo curador Cleandro Jorge e pelo professor de História da Arte na UFG Paulo Duarte-Feitosa, faziam brotar aos olhos do público animais e sujeitos noturnos, aves e insetos, répteis e robôs em construções lúgubres de cidades futuristas. Muito bowieano, não é mesmo?
Perspectiva singular
Morella Jurado, curadora da exposição em Bruxelas, afirma que os artistas apresentam uma perspectiva singular do conceito “Lugar Não Lugar”, proposto pelo antropólogo francês Marc Augé - para ele, haveria um espaço intercambiável no qual o ser humano permanece anônimo. “Esses quatro criadores destacam esses espaços vazios de conteúdo e imagem, ao mesmo tempo em que nos levam a refletir sobre a importância da polis como uma forma consciente de habitar, como uma maneira de viver afastada do utilitarismo”, diz.
É o que se vê, de fato, na obra de Bruno Bernardi. Goiano do pé rachado, o artista enriqueceu sua formação ao frequentar cursos na School of Visual Arts (SVA), em Nova Iorque. Nesta metrópole, espécie de cérebro do mundo, o rei da arte pop, Andy Warhol, lançou as bases - de certo modo - daquilo que viria a sustentar a noção artística de contemporaneidade. “Creio que todo mundo deveria saborear todo mundo”, dizia Warhol, símbolo do movimento. Ao viver nessa cidade, como se imagina, Bruno recebeu todas essas influências.
Não só: conheceu pessoas, viveu inserido noutro contexto social, observou as artérias de NY. De volta ao Brasil, obteve especialização em Comunicação e Arte pelo Senac, em 2005. E escreveu a obra “Da Cor: 30 Fotografias”, participou de exposições individuais, coletivas, seja aqui ou em São Paulo, Curitiba, Brasília e Rio. Cada experiência vivida por Bruno ajudou a burilar seu olhar e a sensibilizar a percepção que tem do mundo. Uma obra de arte, sem querer parecer piegas demais, é verdadeira à medida que se coloca em nossa sociedade.
Se um artista precisa circular para conhecer novas realidades e moldar a forma com a qual se relaciona com o público, então Evandro Soares trafega pela estrada certa. Dos quatro escalados para a mostra “Lugar Não Lugar”, em Bruxelas, na Bélgica, ele é o único que não veio ao mundo em Goiás. Mas Evandro teve a graça de ser baiano, estado responsável por nos legar as maiores cabeças da cultura brasileira - como Calasans Neto, por exemplo.
Hoje, Evandro mora na Capital goiana, pois aqui cria a pedra bruta de sua obra - já exibida em Portugal, Espanha e Inglaterra, além de Salvador, Fortaleza, Rio, Brasília e Goiânia. De fato, os quatro artistas nos oferecem a oportunidade de refletirmos sobre os caminhos que nossa sociedade toma. Goiás - mais uma vez - está no mundo. Ponto para a arte.