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Guitarra conhece maior revelação deste século

Elogiado pelos Rolling Stones e por Buddy Guy, músico carrega em seus bends e licks tradição do Mississippi, mas atualiza discurso

Christone “Kingfish” Ingram, 25 - Foto: Rock in Rio/ Divulgação Christone “Kingfish” Ingram, 25 - Foto: Rock in Rio/ Divulgação

Quem reclama que não há novidade na guitarra deve parar tudo agora mesmo. Christone “Kingfish” Ingram, 25, tem estraçalhado sua Gibson Les Paul preta pelos palcos do mundo. Dessa vez, o jovem instrumentista norte-americano foi bem diante do público brazuca, carentaço de blues.

Deixou boa impressão por aqui. Virtuose nas seis cordas elétricas (maior revelação deste século 21), o músico segura uma hora de show no dedo. Desenvolto e criativo, percorre braço do instrumento sem repetir recursos, indo dos solos graves aos agudos — como estabelecia o mestre BB King.

Tal qual o ídolo Jimi Hendrix, Kingfish apela: sola com instrumento entre os dentes. No palco, showman total, arruma tempo ainda para as deliciosas “Midnight Heat” e “Hard Times”, músicas suingadas, balanço gostoso, tesão incontrolável, como se estivessem sapateando no compasso.


		Guitarra conhece maior revelação deste século
Como Hendrix: músico leva público ao delírio quando sola com os dentes. Foto: Multishow/ Divulgação


Ainda ao estilo Hendrix (impossível, esse Kingfish!), recorre ao pedal wah-wah. Como se estivesse tocando num bar de esquina, passeia pelo braço de sua Les Paul emitindo frases melódicas. Piramos com esses recursos.

Kingfish vem Clarksdale, Mississípi, terra de Robert Johnson e John Lee Hooker (lendas do blues). Mesmo que jovem, foi reconhecido como prodígio do blues-rock pelos Rolling Stones, de quem já abrira show nos Estados Unidos. Toca desde os 10 anos e, cinco anos depois, conseguiu façanha de apresentar-se para Michelle Obama na Casa Branca.

Em 2019, apadrinhado pelo guitarrista Buddy Guy, publicou pela Alligator Records o disco “Kingfish”. Inicia esse álbum com riff arenoso. “Eu vou deixar amanhã essa cidade”, vocaliza, num canto costurado por acordes rasgantes e doses cavalares de avassaladora emoção bluesy.

Quando o vê no palco, o público enlouquece no ato musical. Fácil, facílimo, de entendermos. Veja: voz se expande, canto potente e discurso atualizado à sociedade contemporânea. A guitarra soa forte, distorcida, ágil — e precisa, bem precisa. Como não se ajoelhar diante desse blues?

Embora expert no manejo da escala pentatônica, o guitarrista dispensa firulinhas. “Você tem que voltar no tempo e entender que essa música foi feita pelos nossos antepassados. Nasceu da dor e do sofrimento. Não se tratava apenas de solos”, afirmou, certa vez, à revista “Guitar Player”.

Em 2021, lançou disco “662”, alusão ao código de área em Clarksdale. Diz na faixa que nomeia disco ser de cidade ribeirinha. O ponto alto, no entanto, se registra na balada “That´s All Takes”, com eu-lírico se queixando pelas lembranças das “impressões digitais por toda parte”.

Do amor ao rock, lembrando uma canção gospel, canta na derradeira “Rock & Roll”, em meio a violões suaves, que venderá a alma ao gênero maldito. Já vendeu, cruzes! E nós, Kingfish, nós te agradecemos!

O rock, sabe-se, nasceu a partir do blues. Esse gênero-pai, responsável pela cultura americana surgida após o século 19 (incluindo jazz, um tipo de blues), rompeu limites. Valente e revolucionário, impôs-se ao racismo mortífero que lhe talhara para enfrentar a sociedade capitalista.

Kingfish, guitar hero deste século 21, se conecta com esse estilo. Vez ou outra, todavia, é obrigado a explicar por aí o que é blues. “Vida”, costuma falar, sempre que interpelado. “Minha vida se constitui por altos e baixos, é como você está se sentindo. Clarksdale exala isso, com certeza.”

Ao publicar “662”, Kingfish queria nos mostrar algo: seu lado pessoal. Daí, se você prestar bem atenção, ali na primeira faixa, ele reflete sobre labor, composição e liderança. É, pensas o quê? A vida tinha mudado após pegar a gente de surpresa com o surpreendente “Kingfish”, de 2019, obra que põe ao chão tese de que não há boa música sendo feita.

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