Cultura

Jimi Hendrix pode ter sofrido com bipolaridade

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 9 de dezembro de 2023 às 13:54 | Atualizado há 4 meses

Lá vai a noite caminhando a passos preguiçosos em direção ao alvorecer nessa metrópole à beira do Pacífico. Olha só que herói esse cara é. Guitar hero, mas herói assim mesmo. Gruda-se à guitarra enquanto uma de suas namoradas se exibe com ele num Impala conversível pela badalada Sunset Strip, em Los Angeles. Não dá para viver sozinho. Ligado ao instrumento quase que de maneira umbilical, o músico passa um tempo com Rosa Lee Brooks, de 20 anos, cantora de grupo vocal cujo timbre lembra um pouco de Etta James.


Se o instrumentista chamava atenção tanto pelo virtuosismo de seus solos quanto pela capacidade em atrair o sexo oposto, Hendrix provou coquetel de petulância preparado pelo ídolo Little Richard, que se julgava o único a ter permissão para brilhar. Na banda de Ike e Tina Turner, com a qual excursionou no início dos anos 60, sequer conseguia demonstrar ao público seu talento para produzir frases desconcertantes na guitarra. E Otis Redding, chefão do soul, simplesmente se livrou dele, deixando-o na estrada fodido e igualmente puto.

 


		Jimi Hendrix pode ter sofrido com bipolaridade

Hendrix se apresenta no festival Monterrey, em 67: performance é considerada uma das mais importantes da história.

Foto: Divulgação

  


Só que Hendrix não se deixou estremecer. Sabendo-se fora de série, tratou de estruturar um sistema filosófico guiado pelo amor tórrido. Amor tórrido, entendem, com a guitarra. Com ele, Jimi Hendrix, podiam fazer o que bem quisessem. Demiti-lo? Que demitam, ora! Deixá-lo sem um centavo na carteira? Vão em frente, ué! Bastava apenas que o deixassem com as seis cordas e um amplificador. De posse desses equipamentos, pensava que ninguém o impediria de seguir em frente e poderia lutar para conseguir fazer as coisas acontecerem. 


Pode-se dizer que o estupendo guitarrista transformou as raízes blueseiras, ampliou as possibilidades de seu instrumento e amplificou a fúria de uma alma inquieta. Ao menos, é o que o biógrafo Philip Norman revela na obra “A Breve e Fantástica Vida de Jimi Hendrix”, que acaba de ser lançada pela editora Belas Letras. Com rigor jornalístico e experiência de ter no currículo obras sobre John Lennon, Mick Jagger e Paul McCartney, Norman reconstrói a trajetória do músico desde a infância conturbada em Seattle – com o pai querendo lhe surrar por tocar com a mão esquerda – e narra o racismo diário em clubes do sul norte-americano. 


Munido de entrevistas em profundidade realizadas com Kathy Etchingham e Linda Keith, as duas mulheres que desempenham papel essencial na vida de Hendrix, Norman desenha os passos dados pelo artista nos dias de dureza financeira em Greenwich Village, em Nova Iorque. “Ele tinha uma espécie de camisa cubana com um babado, calças bocas de sino curtas demais, botas baratas e um cabelo que obviamente foi cacheado com bobes. Mas sua habilidade para tocar era sensacional. Não entendia o que ele estava fazendo num lugar daqueles, com uma banda daquelas”, diz Linda, então namorada de Keith Richards.

 


		Jimi Hendrix pode ter sofrido com bipolaridade

Fiel companheira: músico evita se separar de sua guitarra.

Foto: Divulgação

  


Linda viajou para Nova Iorque desafiando uma norma do empresário Andrew Loog Oldham, segundo a qual os Stones não poderiam levar esposas ou namoradas à turnê em solo norte-americano. Ela ficou na casa de uma amiga. Fascinou-se por Hendrix, que ficou caidinho por ela, pois sabia muito sobre música, especialmente blues. Ao guitarrista, apenas pediu que ouvisse “Blonde on Blonde” (1966), de Bob Dylan – e emprestou-lhe uma Stratocaster branca de Keith. “É a prova de que você não precisa cantar como os outros.”


O que é ácido?


Hendrix era ingênuo. Quando perguntou a ele se queria experimentar ácido, Linda ouviu de volta resposta negativa e, em seguida, o desejo de que lhe interessava apenas “aquele negócio chamado LSD”. E assim se transcorreu, porém não ocorreu-lhe nenhuma viagem alucinógena causada pela droga ou qualquer outra imagem comum às experiências psicodélicas. Apenas parou em frente ao espelho, encarou-o e viu se formar ali o rosto de Marilyn Monroe. “Seu destino e o dela teriam algo em comum”, observa o biógrafo, que descreve situações de oscilações temperamentais indicando bipolaridade no músico.


Os Beatles, em 66, já tinham invadido as rádios norte-americanas. E os Stones, por onde quer que fossem nos EUA, faziam questão de falar sobre suas influências: Muddy Waters, Howlin´ Wolf, Willie Dixon, Jimmy Reed, T-Bone Walker e BB King. Contemporâneo dessas duas bandas, The Animals chegou às rádios da América com uma versão para “The House of The Rising Sun”, antigo blues cuja letra falava sobre um bordel de New Orleans. A música tinha se tornado bastante popular na voz de Woody Guthrie e Dave Van Ronk. 

 

  


Num bar em Greenwich Village, para seu espanto absoluto, o baixista do Animal, Chas Chandler, viu Hendrix estraçalhando uma guitarra. O virtuoso e descapitalizado instrumentista mal sobrevivia à época. Faltava-lhe dinheiro para serviços básicos. Então, Chandler assumiu-o, exportou-o a Londres e, de lá, ao estrelato. Entre 67 e 69, o guitarrista seria alçado à condição de deus máximo do blues-rock ao gravar três discos matadores, como é o caso de “Are You Experienced”, “Axis: Bold as Love” e “Electric Ladyland”. 


Esses elepês foram gravados com a banda Jimi Hendrix Experienced: Mitch Mitchell na bateria, Noel Redding no baixo e, claro, Hendrix na guitarra. No primeiro disco, batizado com o nome do grupo, o músico mostra até onde a guitarra poderia ir, ou seja, ao infinito. Assim que sentia os dedos do músico escorregando pelo braço, a Stratocaster passava a representar uma voz pelos direitos civis. As notas a faziam sussurrar, às vezes uivar e, fosse o caso, gritar. O elepê abre com “Fox Lady”, mas a melhor do lado A é o blues “Red House”, faixa bônus da edição americana: Hendrix desfila aqui todo seu virtuosismo. 


São passagens biográficas esmiuçadas pelo biógrafo Philip Norman. Outra habilidade hendrixiana destacada pelo pesquisador é capacidade de recriar canções com seus covers, como fez com “All Along The Watchtower”, de Bob Dylan, e “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles. Essa interpretação, aliás, surpreendeu Paul McCartney. “Ele ficou lisonjeado”, diz Norman. Jimi Hendrix ainda faria história tocando em Monterey e Woodstock. “A Breve e Fantástica Vida de Jimi Hendrix” é um painel fascinante da história.


A Breve e Fantástica Vida de Jimi Hendrix


Philip Norman


Biografia


Belas Letras


R$ 95,90 (impresso) 


R$ 59,90 (digital)

 


		Jimi Hendrix pode ter sofrido com bipolaridade

Marcus Vinícius Beck

  


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