Quando caíram na estrada para fazer a série de shows denominada de Farewell Tour, na década de 2000, os músicos que integram o Kiss já falavam em turnê de despedida. Mas não foi bem o que rolou e os fãs tiveram mais tempo para curtir o espetáculo pirotécnico deles, até que o baixista Gene Simmons deu o ultimato no ano passado. “Eu sei o dia e o local (do último show). Mas você não quer descobrir o que vai ganhar de natal em julho, certo?”, debochou o músico.
Não, Gene, não queremos. E, olha só, vamos refrescar sua memória: você falava algo semelhante em 2015, antes de se apresentar no estacionamento do Mané Garrincha, em Brasília, para onde retorna nesta terça, 18 - dessa vez no gramado. Com promessa de dar adeus aos palcos brasilienses, o concerto terá a participação da banda inglesa Deep Purple, uma das pioneiras do estilo que passara a ser conhecido como heavy metal, nos anos 1970.
O Kiss não toca música - desde os anos 1970 faz um barulho altíssimo, ensurdecedor. É melhor o leitor ser avisado de que, embora seja um estilo simples e repetido à exaustão em seus discos, ninguém pode dizer por aí que o som não é bem-sucedido. A mágica começa pela pulsão expressada nas linhas de baixo inventivas tocadas por Simmons e pelos movimentos cacofônicos realizados pelo baterista Peter Criss com as baquetas à mão.
Essas características se revelam ao ouvinte na faixa de “Two Timer” (1975), a segunda do elepê “Dressed to Kill”, um dos melhores álbuns da banda. Ali fica evidente, por exemplo, qual é a alma do Kiss: fazer os acordes em progressão do rock, estilo consagrado pelo guitarrista Chuck Berry na década de 1950, adquirirem um tom de urgência. Difícil demais? Longe disso, esqueça virtuosismo. Repetitivo? Deus do céu, e como - mas é bom pra c…!
Despedida
Daqui a poucas horas, assim que os acordes de “Rock And Roll All Nite” se espalharem pelo Plano Piloto, o público terá sabido que assistiu a um mega-concerto histórico. Meio século de altos e baixos, glórias e fracassos, shows e discos, sexo e loucuras. Por algum tempo, os álbuns do Kiss estiveram logo atrás dos Beatles entre os mais vendidos. “À frente de qualquer outro grupo americano na história”, diz Gene Simmons, fanfarrão-mor da banda.
Será um show pirotécnico, cortina preta com brasão do Kiss, então quatro caras aparecerão falando a mesma língua, o riff de abertura do espetáculo. Talvez mandem ver "Rock And Roll", cover da faixa que está no disco “Led Zeppelin IV” (1971). Ou, quem sabe, “Detroit Rock City”. Deve vir ainda “Shout It Out Loud”. O bis, como até as pedras sabem, ficará por conta do hit “Rock And Roll All Nite”, música que está na boca do público há quase 50 anos.
A banda, até aqui, não teve vida fácil. Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Singer e Tommy Thayer estiveram em permanente conflito com os críticos, mas conseguiram provar que eles possuem, na verdade, aquilo que mais apontam no som dos norte-americanos: redundância. Sempre perceberam que é absurdo tentar policiar o que as pessoas gostam. Como não é novidade para ninguém, os músicos se importam apenas com duas coisas: fãs e dinheiro.
Por isso, o quarteto se esforça para entregar duas horas de hits num volume arrebatador, capaz de fazer os tímpanos estourarem ao ritmo do rock em estado cru, puro e demencial. Para tanto, valem-se de truques - às vezes engraçados e noutras ocasiões condenáveis - que chamam atenção. No último show em Brasília, Simmons arriscou palavras em português, com notável cunho sexual. “Que bunda linda”, disse, arrancando aplausos da plateia.
Os goianos que se deslocaram até Brasília para assistir ao anunciado último show não se arrependeram. Ao contrário, sentiram-se privilegiados por assistir aquele que é considerado um dos grandes espetáculos da Terra, como afirmou ao repórter a professora de literatura Andréia Pires, que ganhou ingresso de um amigo, apanhou ônibus em Goiânia e passou por perrengues (dormir na rodoviária), mas diz que valeu a pena: “inesquecível”.
Agora cá pra nós, o Kiss possui um bocado de músicas classificadas como boas ou ótimas e ainda interessantes na voz de uns senhores já na casa dos seus 70 e tantos anos. Tudo bem que Simmons sentiu o calorão úmido manauara na última semana, passou mal e pediu à produção que o colocasse para sentar, mas suas proezas físicas são impressionantes. “Sou abstêmio, nunca estive bêbado na minha vida”, revela o baixista, em sua autobiografia “Kiss: Por Trás da Maquiagem” (R$ 89,90), publicada pela editora Belas Letras.
Público
Basta prestar atenção no público do Kiss: pai, mãe, filho. Mais ou menos como descreveu o jornalista Elmo Keep para o jornal inglês “The Guardian”, em resenha de um concerto da banda na Austrália: “as canções que poderiam ser interpretadas como encorajadoras de comportamentos travessos se resumem apenas a algumas, como ‘Cold Gin’, escrita por Ace Frehley, expulso da banda por se entregar às substâncias hedonistas que o famoso abstêmio Simmons não tolerava.” As fotografias de Brasília, em 2015, ilustram o que disse o repórter.
Pensando bem, melhor deixar isso pra lá e estimular que as crianças, acompanhadas por seus pais, cantem na noite desta terça-feira os refrões consagrados pelo Kiss. A banda já passou por Manaus no último dia 12 e segue para Brasília amanhã, Belo Horizonte (20), São Paulo (22) e Florianópolis (25). Os últimos shows estão marcados para dezembro no Madison Square Garden, em Nova Iorque, cidade onde Paul Stanley e Gene Simmons formaram o grupo. “Será, no mínimo, agridoce”, diz o baixista, na autobiografia.
Saiba mais sobre Deep Purple
Criada em 1968, a banda britânica Deep Purple é considerada por muitos como uma das pioneiras do heavy metal. A formação atual de músicos é composta por Ian Gillan (vocal), Roger Glover (baixo), Ian Paice (bateria), Simon McBride (guitarra) e o tecladista Don Airey, que entrou em 2002 após o afastamento de Jon Lord.
A música "Smoke on The Water", um dos principais sucessos da banda, foi eleita pela London Tech Music School, em 2008, o maior riff de todos os tempos da história do rock.
Eles venderam mais de 150 milhões de álbuns ao redor do mundo e estão no Hall da Fama do Rock and Roll.
A apresentação em Brasília vai coroar uma trajetória marcada por números incríveis que mantém o grupo até hoje entre os gigantes do heavy metal mundial.
Anote aí
Data: 18 de abril, terça-feira
Onde: Arena BRB Mané Garrincha
Horário: 20h
Classificação etária: 14 anos
Atenção: A partir de 10 anos acompanhados dos pais e/ou responsáveis