Liberdade, liberdade
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 18 de setembro de 2021 às 12:35 | Atualizado há 4 anos
A década
de 1980 tem grande relevância histórica para o teatro goiano, pois marca a
retomada das artes e cultura após a ditadura militar. Pelo menos é o que diz ao
DM o diretor do Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Cidade de Goiás,
Sandro di Lima: “Com certeza eu destacaria esse período como uma época de
embates e transgressões, mas eu não posso deixar de realçar os dias de hoje,
onde há uma maturidade inédita na produção cênica local. Há na atualidade uma
esplêndida criação estética.”
Hoje, de
fato, existe uma inventividade em que o teatro dialoga com linguagens distintas
num patamar elevado, a partir da dança e cinema, por exemplo. Essa é uma
demanda fortalecida pelos cursos superiores da área, mecanismos de fomento à
cultura e público de maneira geral. “Creio que após o pesadelo da pandemia
haverá mais intensidade e sedução no teatro goiano e nas artes de um modo
geral”, afirma Sandro, cuja história começa quando era aluno da Escola Técnica
Federal de Goiás (ETFG).
Neste
domingo (19) é celebrado o Dia Nacional do Teatro, data que serve para
rememorar como as manifestações da expressividade artística se tornaram
símbolos da cultura e sociedade goianas. Sem a força dramática de textos
assinados por Hugo Zorzeth ou pelos esforços encampados por Otavinho Arantes
para erguer o Teatro Inacabado seria difícil pensar o mundo contemporâneo, a
complexidade da sociedade e suas manifestações: é a partir da força dos palcos
que nos emocionamos.
A
história do teatro em Goiás obrigatoriamente passa pela personagem Cici
Pinheiro, protagonista na formação da cena local junto com Otavinho Arantes e
João Bênnio. Em 40 anos de trajetória, ela desenvolveu trabalhos como atriz,
produtora e diretora, ao estar à frente de atividades que foram pioneiras não
só para o teatro, mas também ao rádio, à televisão e ao cinema das cidades de
São Paulo e Goiânia. Por isso, as pesquisas de mestrado da PUC-GO e UFG lhe
colocam como a mais completa.
Transgressora
e libertária, Cici iniciou sua carreira em 1949, aos 20 anos, ao encenar a peça
“Villa Rica”, escrita pelo dramaturgo Raimundo Magalhães Júnior, na Agremiação
Goiana de Teatro (AGT). “Não morro sem produzir esse texto de Guarnieir”,
dizia, referindo-se à peça “Gimba” (1959). E a montou, no teatro Goiânia, em
1989, mas não sem antes passar por três tentativas frustradas – numa delas,
inclusive, o filho de criação, Antenor Pinheiro, fazia o papel de “Tico”.
Em todas
as vezes, é bom lembrar, foi influenciada pelo amigo e diretor Flávio Rangel,
do Teatro Arena Cultura Artística, um dos nomes mais importantes do teatro e
responsável por montar junto com Millor Fernandes a peça “Liberdade, Liberdade”
(1965), um clássico: Cici foi também pioneira nas radionovelas brasileiras ao
redigir o texto de “Era Uma Senhora Mais Brilhante que o Sol”, em homenagem à
vinda da imagem de Nossa Senhora de Fátima. Foi apresentada na Rádio Brasil
Central.
Mas
Goiás reconhece a memória de Cici? “Não como deveria! Um nome desconhecido
pelas novas gerações e pouco reverenciado pelas antigas. O estado de Goiás deve
ao povo goiano o resgate da arte e memória de Cici Pinheiro. Mas há uma singela
exceção, e ela vem do governo de Pedro Wilson Guimarães, que como prefeito de
Goiânia criou o “Teatro de Bolso Cici Pinheiro, iniciativa do secretário de cultura
de então, Sandro di Lima, muito ativo no projeto “Goiânia em Cena”, afirma
Antenor Pinheiro.
“Os
nossos artistas são donos de incríveis histórias de superações e de extrema
importância para a consolidação das artes cênicas no estado. Ainda assim,
infelizmente, vejo que há uma certa desvalorização dos nossos artistas, tanto
por parte do poder público quanto da sociedade. Os diversos segmentos
artísticos são sempre colocados como secundários em nossa sociedade”, analisa a
jornalista Kamilla Nunes, autora do livro-reportagem “Peripécias de uma Vida
Entre Atos”, publicado em 2020.
Para
Kamilla, a paixão dos artistas que trabalham com teatro é comovente. Por isso,
diz, é preciso valorizar o trabalho desenvolvido por dramaturgos e dramaturgas
locais. A paixão e a persistência dos artistas, além da encenação de
dramaturgias goianas que tem sido cada vez mais comum. Temos muitos dramaturgos
e dramaturgas goianos e devemos valorizar o que está sendo exteriorizado por
eles. A luta de cada um para o progresso das artes cênicas tem uma grande
relevância artística”, continua.
O teatro contemporâneo, de fato, transforma o sentido da construção cênica, a relação com o público e a forma das narrativas. É nesse sentido que podemos dizer que a magia está escondida e o aparato cênico é devassado, com o palco nu: “os atravessamos estéticos de hoje exige coragem, esmero e quebra de qualquer hierarquia. Não tem mais sentido a figura do superdiretor. As encenações são mais coletivas e dialógicas. Há uma difusão do poder num processo de montagem e há também uma nova percepção da recepção, do que é público”, acredita Sandro di Lima.
Definitivamente,
o teatro em Goiás sempre se pautou por registrar a história de sua gente. Às
vezes, sem dúvida, com alguma pieguice. Mas muitas vezes tendo como referência
o êxito de outros lugares. “Mesmo assim, eu acredito que há um grade
amadurecimento dos grupos, das pessoas e das produções. Há leveza e
consistência em muitas montagens cênicas, sem a perda da coragem e da ousadia”,
crê Sandro.
Sim,
temos artistas que pisam com maestria nos melhores palcos do mundo, seduzindo
as plateias com seus encantos. São pessoas que passam pelas dificuldades e
desconfiança dos familiares. Urgente, assim que a pandemia der trégua, a volta
deles para o lugar que lhes é de direto: o centro do palco. O resto, bem, o
resto fica por conta do palco.