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Livro debate cultuada ópera-rock do cantor e compositor Odair José

Publicação investiga bastidores do trabalho que levou Odair a ser duramente criticado pelo catolicismo nos anos 70

Público renovado: Odair José tem obra redescoberta pelo público brasileiro nas últimas décadas - Foto: Arquivo Pessoal Público renovado: Odair José tem obra redescoberta pelo público brasileiro nas últimas décadas - Foto: Arquivo Pessoal

Odair José, 76, dispensa fórmulas repetidas. “Quem as repete não faz arte, faz negócio”, afirma o músico, convicto. Esse artista, com seus versos realistas de temática brasileira, opõe-se à caretice desde os anos 1970. E, claro, chamaram-lhe de cafona por isso.

De rei das empregadas (apelido que lhe fora dado por Rita Lee na música “Arrombou a Festa”), tornou-se persona non grata pela Igreja e pelo Estado. O pesquisador Paulo Cesar de Araújo revela, no livro “Eu Não Sou Cachorro, Não”, de 2002, que Odair teve mais canções censuradas pela ditadura militar do que Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.

Odair, quem imaginaria, segue discutido. Em pré-venda pelo site da editora Barbante, “O Evangelho Segundo Odair: Censura, Igreja e O Filho de José e Maria”, escrito pelo jornalista Leonardo Vinhas, retrata relevância artística dessa ópera-rock para a música brasileira.

Em 164 páginas, Leonardo reconstrói bastidores de “O Filho de José e Maria”. “Odair foi boicotado (hoje diríamos ‘cancelado’) e sofreu um baque que impactou sua carreira e sua vida pessoal. No livro, conto a história dessa obra de sua gênese até os dias hoje, em que segue encantando, provocando e incomodando”, explica Leonardo, nas redes sociais.

“O Filho de José e Maria” tem dez faixas que narram vida de um jovem. Com 33 anos, ele é pobre. Vive entre excesso e sofrimento. A acentuação roqueira aparece na primeira faixa, “Nunca Mais”, com a guitarra flutuante de Hyldon na introdução: “Sou o filho de José e Maria/ Morri de tristeza para viver de alegria/ Sou o que resta de noite esquecida”.

Para o pesquisador Diogo Direna Fonseca, autor da tese “Entre o Brega e o Rock: a Ressignificação da Música de Odair José”, defendida em 2015 na UFF, a primeira música do lado B, “O Casamento”, demonstra rebeldia. Odair interpreta padre que questiona o sacristão para saber “quem são essas pessoas” e “o que elas querem aqui na minha igreja”.

A igreja na época ameaçou me excomungar. Não sei se excomungou. Não fui atrás disso. Isso ajudou muito para que a mídia, as pessoas fossem contra o disco" Odair José, cantor e compositor

“Já na faixa-título, desfeito o casamento, o músico narra a rotina do filho de um casal divorciado: ‘Maria e José se amaram e um lindo menino nasceu/Depois eles dois brigaram e o menino sofreu (..) Seis meses na casa do pai/ Seis meses na casa da mãe’”, analisa Diogo.

Produzido por Durval Ferreira, o disco contou com participação dos músicos Jaime Alem (guitarra e violão), Robson Jorge (piano, piano elétrico), José Roberto (órgão, clarinete e arp string), Alexandre (baixo), Ivan Conti ''Mamão'' (bateria) e José Lanforge (harmônica).

Os arranjos de base, por sua vez, são de Odair, enquanto o inigualável Don Charley criou os de sopro e cordas. “Lá nos anos 70, eu tive dificuldade com o ‘O Filho de José e Maria’. A igreja na época ameaçou me excomungar. Não sei se excomungou. Não fui atrás disso. Isso ajudou muito para que a mídia, as pessoas fossem contra o disco”, diz o artista.


		Livro debate cultuada ópera-rock do cantor e compositor Odair José
Odair se aliou à tecnologia para executar um disco contemporâneo. Foto: Bernardo Guerreiro/ Divulgação

Elitismo

Sabe-se que não existe cafonice maior do que certo elitismo agarrado às tradições. Ou, melhor, não existe cafonice maior do que menosprezar o popular, a classe média baixa, o povo. Sim, todo dia amamos, mas não queremos deixar nascer o fruto desse amor. E daí?

Ora, pare de tomar a pílula. E, não minta, você já cantou “eu vou tirar você desse lugar” escondido de ouvidos julgadores. É provável ainda que tenha classificado tal sucesso como indecente, já que, em certos ambientes, entende-o inaceitável. “Muito mau-gosto”, avalia.

Nascido em Morrinhos, a 130 km de Goiânia, Odair José narra em suas letras situações comuns às nossas vidas. Na capital goiana, onde morara nos anos 60, frequentou bastidores do programa “Juventude”, comandado pelo jornalista Arthur Rezende na rádio e TV Anhanguera. Ali, ainda muito novo, conheceu Roberto, Erasmo Carlos e Wanderléa.

Quando abrira para Roberto — em show sintonizado com sonoridade dos Beatles —, Odair procurou o ídolo da Jovem Guarda. Disse ao cantor famoso que escrevia músicas, mas a frase “agora não, bicho, me procura no Rio” lhe ressoaria pela cabeça durante dias.

O goiano chegou à Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, com alguns endereços e pouca grana. No dia seguinte, bateu de porta em porta atrás dos nomes anotados em papel que trazia consigo, porém percebeu que não era fácil ser recebido pelas pessoas nas gravadoras Odeon, EMI, Philips, Continental, Copacabana e CBS — as maiores do mercado fonográfico à época.

Enquanto encontrava formas de sair desse lugar, o dinheiro começou a ir embora. Observou, então, movimento na Praça Tiradentes. Coisa de músico à procura de trabalho, agenciadores, lugar para tocar. Aos poucos, Odair foi se enturmando e, em seguida, estava trabalhando em boates cariocas: observou o comportamento humano e suas contradições. “O Filho de José e Maria”, portanto, é fruto desse olhar atento à sociedade e seus dogmas religiosos.

O EVANGELHO SEGUNDO ODAIR

Leonardo Vinhas, autor

Editora Barbante

164 páginas

R$ 49,90

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