Organizado pela jornalista Britz Lopes e idealizado pelo professor Joveny Cândido de Oliveira o recém-lançado livro "Procurados, eles contaram as suas verdades sobre o Regime Militar" reúne 12 artigos e uma entrevista, originalmente publicados na revista eletrônica Bybritznews ao longo deste ano. A obra apresenta as convicções e experiências pessoais de diversos autores durante os 21 anos do Regime Militar no Brasil.
A publicação, motivada pelos 60 anos do Golpe de 1964, não é apenas um trabalho de memorialismo jornalístico, mas também um testemunho significativo, refletindo a pluralidade de opiniões sobre os cinco governos liderados por generais do Exército.
Memória e resistência
Em 31 de março de 1964, um golpe militar no Brasil derrubou o presidente democraticamente eleito João Goulart, alegando a necessidade de combater o comunismo e a instabilidade política. O novo regime, liderado por uma série de generais, implementou um governo autoritário que durou até 1985. Durante este período, as eleições diretas foram suspensas, a censura foi intensificada e os direitos civis foram drasticamente reduzidos.
Goiás, como muitas outras regiões do país, foi palco de intensa resistência contra o governo militar. A capital, Goiânia, tornou-se um centro de atividades clandestinas e de mobilização política. Estudantes universitários, professores, sindicalistas e outros militantes se organizaram para desafiar a repressão e lutar pela restauração da democracia.
Entre os muitos casos de perseguição política no estado, destacam-se figuras como Arno Preis e sua esposa Sônia Angel Jones. Militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ambos foram capturados e torturados em Goiânia. Arno desapareceu em 16 de outubro de 1970, e seu destino permanece desconhecido até hoje. Esses casos simbolizam a brutalidade do regime contra aqueles que ousaram se opor.
Outros 12 desaparecimentos forçados foram registrados no estado entre 1968 e 1969. A repressão aos considerados subversivos e terroristas foi dura e implacável, geralmente resultando em morte e ocultação de seus corpos, muitos dos quais eram sepultados sem nenhuma identificação.
Em Goiânia, um monumento esférico localizado na Avenida Assis Chateaubriand, no Setor Oeste, em frente ao Bosque dos Buritis, homenageia os goianos desaparecidos durante o regime militar. Inaugurado em 27 de agosto de 2004, o monumento possui uma forma esférica que lembra o planeta Terra. Ao lado da esfera, é possível ler o nome dos 15 goianos desaparecidos e a frase: “Porque defendiam a Justiça e a Liberdade”. No projeto original, a esfera ficava sobre um espelho d’água e do seu topo a água descia suavemente pelo contorno. No centro da esfera, deveria haver uma pira vermelha simbolizando a vida. No entanto, a restauração do monumento acabou alterando suas características originais.
Relatos de resistência e memória
A historiadora Maria Amélia Alencar abre a publicação com um relato sobre sua vida como estudante universitária durante o AI-5. Ela contou sobre as constantes invasões militares que na universidade onde estudava e que marcou para sempre em sua memória os colegas e professores que foram levados para locais incertos. O jornalista Ricardo Pedreira nos leva para dentro do Palácio do Planalto, narrando os bastidores dos dois últimos governos militares e destacando a importância de que a ditadura nunca mais se repita.
O jornalista Marcio Fernandes revive a história de seu avô preso político e os tempos do movimento universitário pós-Anistia de 1979. Em uma entrevista reveladora, o jurista Joveny Cândido de Oliveira compartilha verdades sobre o Regime Militar, trazendo à luz histórias até então desconhecidas.
A diversidade de vozes no livro é um dos seus maiores destaques.. O publicitário Marco Antônio Chuahy narra a perseguição ao seu tio militar e os desafios da propaganda sob censura. O ex-governador Irapuan Costa Junior oferece uma visão sobre o planejamento estratégico e os investimentos em infraestrutura durante os governos militares.
O médico Elias Rassi Neto alerta para os danos duradouros da ditadura de 1964 na saúde democrática do Brasil, lembrando que as cicatrizes ainda não se fecharam. A jornalista Cecília Aires ilumina as principais obras literárias sobre o período, ressaltando que a memória de 1964 está registrada nos livros.
Vozes da direita
Hiram de Souza, publicitário e defensor da direita desde 1964, compartilha histórias de seus encontros com Carlos Lacerda, um dos arquitetos civis do golpe militar. Luiz Gravatá, geólogo e jornalista, detalha a revolução no setor mineral brasileiro promovida pelo Regime Militar, que transformou o país em uma referência global.
O escritor Px Silveira apresenta um texto bem elaborado de suas memórias, guardadas como segredos de Estado. O jurista Demóstenes Torres encerra a obra com uma viagem no tempo, relembrando seus dias de estudante secundarista e universitário durante o Regime Militar.
O processo de publicação
Em entrevista para o Diário da Manhã, a jornalista Britz Lopes compartilha os bastidores da criação do livro: "Primeiro, decidi escolher algumas personalidades para escrever sobre o tema na minha revista eletrônica Bybritznews. Quando terminei de publicar a série, o Dr. Joveny Cândido sugeriu que ela pudesse se transformar num livro, já que muito pouco havia sido publicado sobre a data na imprensa. Foi uma decisão tomada a partir da qualidade e ineditismo da maioria dos textos."
Ela fala dos desafios enfrentados: "Os desafios são os mesmos de qualquer publicação: revisão criteriosa, checagem de datas, nomes, fatos etc. Daí tentei algum patrocínio para fazer a publicação física e não consegui. Foi quando surgiu a ideia de estabelecer uma cota para que cada autor pagasse seu lote de livros, incluindo projeto gráfico e impressão. E acabou dando certo a vaquinha."
Sobre a organização dos textos, Lopes explica: "Decisão tomada, resolvi publicar na edição física na ordem em que os textos me foram enviados. Acho que se trata de um livro que mistura memorialismo, jornalismo e história. Um documento precioso com visões diferentes sobre o período; umas de vivências muito particulares e outras relatando fatos interessantes – alguns inéditos até – da época, como os textos do ex-governador Irapuan, do professor Joveny e do jornalista e geólogo Luiz Gravatá."
"Procurados" emerge como um documento histórico importante, proporcionando ao leitor uma visão multifacetada do Regime Militar no Brasil. "Acho que a maneira mais eficiente para se entender a história é a partir de pontos de vista tão diversos que vai muito além do contra e a favor. Esse formato dá margem para que o leitor tire as suas conclusões e forme sua própria opinião. Entendo que o livro, da forma como foi concebido, passa a ser um documento histórico," conclui Britz Lopes.
Com suas histórias e relatos sinceros, o livro não apenas narra o passado, mas também ilumina o caminho para um futuro mais consciente e informado.