Divirjamos – ou não – de suas opiniões nem sempre assertivas, o rocker carioca João Luiz Woerdenbag Filho, 66, precisa ser situado na história da música brasileira como artista de verbo ferino, som penetrante e atitude controversa. Talvez por causa desses três elementos – não necessariamente na mesma ordem elencada aqui –, Lobão tenha virado um dos personagens mais originais da geração que popularizou a música jovem, nos anos 1980.
Já se transcorreram cinquenta anos desde que o artista debutou na cena musical patropi. Ele jogou luz no fim do túnel pra nos hipnotizar em 1974, aos 17 anos, e em seguida integrou a banda progressiva Vímana – formada pelos futuros hitmakers Lulu Santos e Ritchie. Seis anos depois, em 1981, juntou-se a Evandro Mesquita para cair numa certa Blitz, da qual se livrou pouco tempo depois e foi gravar o tímido disco “Cena de Cinema”, lançado em 1982.
Não é – portanto – uma mera jogada de marketing, embora possa soar como se fosse: Lobão, realmente, completa cinco décadas de carreira. E irá repassar a obra posta em pé nesses anos no show “50 Anos de Vida Bandida”, que chega ao palco do Bolshoi Pub, em Goiânia, nesta sexta-feira, 12, a partir das 20h. Da capital goiana, o roqueiro pega a estrada até Brasília, onde tem compromisso marcado no sábado, 13, na casa noturna Toinha Brasil Show.
Se – com “Cena de Cinema” – ensaiou carreira newavizada, o rocker renegociou contrato que tinha com a gravadora RCA e lançou o disco “Ronaldo Foi Pra Guerra”, petardo publicado em 1984. Há uma evidente mutação e uma óbvia maturação se comparado ao elepê anterior, porque é feito por (boa) banda, tocado por um quinteto formado por Guto Barros nas guitarras, Odeid Pomerancblum, no baixo, Alice Pink Pank no vocal e teclado e Baster Barros, na bateria. Esses músicos fizeram a direção musical do trabalho.
Tirando o detalhe de que Guto havia sido companheiro de Lobão na Blitz e de que Alice era sua atual namorada, o espírito coletivo se faz ouvir por todo o repertório: “Teoria da Relatividade”, “Bambina”, “Abalado” e “Tô à Toa, Tokio”. Para trabalhar o disco nas rádios, a gravadora escolheu “Os Tipos que Não Fui”, mas foi um fracasso. E, de repente, surgiu “Me Chama”, balada transformada em sucesso pela voz rouca e sensual de Marina.
“Ronaldo Foi Pra Guerra” ainda legou à posteridade o hit “Corações Psicodélicos”, parceria entre Lobão, Bernardo Vilhena e Julio Barroso. Integrada ao pop da época, a banda capitaneada pelo lobo maluco e maldito (ninguém em sã consicência deixa a Blitz prestes a se tornar um fenômeno e passa despercebido por isso) dividiu palco com os Paralamas do Sucesso, que viriam a ser desafetos no futuro. Mas a junkeria selvagem, as loucuras inconcebíveis e o comportamento imprevisível culminaram na sua expulsão do grupo.
Amado por uns e odiado por outros, o artista se insurge contra o gênero barulhento no disco “O Rock Errou”, lançado em 1986, e vocaliza sua “Vida Bandida”, no ano seguinte, num álbum que reúne a pesada “Vida Louca Vida”, o fracasso sexual confessado na tal “Rádio Blá” e a balada felliniana “Chorando no Campo”. Mesmo assim, o disco – cujo título da turnê a ser apresentada no Bolshoi alude a seu nome – deixou Lobão pra lá de irado.
Como andava preso por ter sido pego com maconha, a gravação do disco ocorreu à revelia do roqueiro. Quer dizer, segundo ele. Não é incomum vê-lo blasfemando contra a obra, dizendo que o som é ruim, a estética é absolutamente cafona, a bateria lembra um trovão, a guitarra tem uma melodia horrorosa e os backing vocals remetem a um motel. Isso seriam marcas indeléveis – na peculiar visão loboniana – “de cafajestice de rock farofa”.
Inquieto
Dentre os anos 1980 e 1990, Lobão fez quatro dos melhores discos da carreira: “Cuidado”, de 1988, “Sob o Sol de Parador”, de 1989, “Vivo”, de 1990, e “O Inferno é Fogo”, de 1991. Nas próximas décadas, por ser artista inquieto e dono de boca capaz de produzir polêmica com alta performance, manteve-se sob os holofotes – a partir de discos bons mas quase não ouvidos, caso de “Noite”, de 1998, “A Vida é Doce”, de 1999, e “Canções Dentro da Noite Escura”, de 2005. E envolveu-se em contendas que, para os fãs, eram equivocadas.
Uma delas, por exemplo, diz respeito a ter apoiado Jair Bolsonaro, em 2018 – com fervor. Afirmando-se descontente com os rumos tomados pelo governo eleito, rompeu com o ex-capitão – antes disso, voltara-se contra o Partido dos Trabalhadores, para o qual fizera campanha nas eleições de 1989. A mudança, inclusive, o levou a se distanciar de pessoas com as quais tinha uma relação de longa data, como o músico Roger Moreira, do Ultraje a Rigor.
Quando o compositor Aldir Blanc morreu por causa da covid-19, em 2020, Lobão ficou abalado. Decidiu, então, entrar no estúdio para gravar todos os instrumentos, cantar todas as faixas, mixá-las e masterizá-las. De certo modo, “Canções de Quarentena” (Spotify) se presta ao papel de reconhecer a relevância criativa dos artistas-desafetos, caso de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque – além, claro, dos queridinhos Jimi Hendrix e Led Zeppelin.
No Bolshoi Pub, deve-se esperar um power trio afinadíssimo, que é formado pela bateria de Armando Cardoso, pelo baixo de Guto Passos e pela voz e guitarra de Lobão. O músico avisa que será uma celebração de sua carreira, com todo o peso que lhe é peculiar, demonstrando que João Luiz Woerdenbag Filho tem – sim – muita lenha pra queimar. O rock errou? Difícil saber. Mas Rita Lee, certa vez, ironizou que o roqueiro brasileiro “sempre teve cara de bandido”. Carapuça que, bem sabemos, serve ao lobo doido.
50 Anos de Vida Bandida
Bolshoi, sexta, 12, às 20h
R. T-53, 1140, St. Bueno
Ingressos a partir de R$ 150
Pelo app Sympla