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Marcelo Rubens Paiva entrelaça memória e família em novo romance

O Novo Agora’ recria história recente do Brasil ao mesmo tempo em que se vê envolto nos dilemas da paternidade

Escritor mistura fatos da história brasileira com memórias de sua vida - Foto: Fiorenzo de Luca/ Festival de Veneza Escritor mistura fatos da história brasileira com memórias de sua vida - Foto: Fiorenzo de Luca/ Festival de Veneza

Dono de texto envolvente, o escritor Marcelo Rubens Paiva, 65, entrelaça memória e episódios familiares no romance “O Novo Agora”, sequência dos festejados “Feliz Ano Velho” e “Ainda Estou Aqui”. O livro chegará às livrarias goianas no próximo dia 22.

Marcelo se descreve desta forma em seu novo livro: escritor, pai após os cinquenta, cadeirante e inimigo do governo vigente. Com delicadeza e agilidade — recursos estilísticos comuns ao autor e pelos quais é respeitado —, ele recria a história recente do Brasil ao mesmo tempo em que se vê envolto nos dilemas muitas vezes difíceis da paternidade.

Com 272 páginas, “O Novo Agora” se inicia no verão de 2014. Entre ondas de calor e chuva torrencial, Marcelo e sua esposa, grávida, se dirigem à maternidade. Ele, pai de primeira viagem, prevendo que ficaria horas sem comer, descasca uma banana enquanto espera o elevador. A esposa direciona-lhe um olhar crítico: “você ainda come uma banana?”.

Às vezes bem-humorado, noutros momentos melancólico, Marcelo teme pelo País. Afinal, constata, a guinada à direita atingiu sua família e os artistas de quem era amigo. Depois, a pandemia o fez confinar-se em casa. Barra, esse coronavírus. Horrorosa, essa covid. Matava fácil, agonizando, e o presidente? Negacionista. O casamento se fragmenta, se dissolve.

Como em “Ainda Estou Aqui”, a escrita avança e recua no tempo. O narrador revisita memórias infantis, tal e qual o jovem Marcel em “No Caminho de Swann”, de Marcel Proust, e lembra-se dos relatos do pai, Rubens Paiva, e da mãe, Eunice, na tentativa de encontrar modelos educacionais libertários para o filho pequeno. Contudo, a vida política se deteriora.

O casal tem mais um filho, a direita incivilizada pretende abolir o Estado Democrático de Direito e, a partir daí, Marcelo tem seus projetos cancelados. Na pandemia, com crianças pequenas, precisa tocar uma casa desprovida de ajuda externa, atravessada por crises, temerosa quanto ao futuro. Pela necessidade prática, no entanto, aprende a sobreviver.

Conforme a Companhia das Letras, “O Novo Agora” se mostra ao leitor “franco” e “emocional”. A editora classifica a obra como “sequência autobiográfica” de “Feliz Ano Velho” e “Ainda Estou Aqui”, cujo filme, dirigido pelo cineasta Walter Salles e com Fernanda Torres no papel principal, fez o Brasil vibrar e refletir sobre os crimes da ditadura militar.

Será o terceiro romance autobiográfico de Marcelo, embora “Meninos em Fúria” também possa ser categorizado dessa maneira. Em parceria com o músico Clemente, dos Inocentes, o escritor fala não só da eclosão do punk em São Paulo, mas também rememora a abertura política, a fúria jovem e o desencanto político no fim da década de 1980.

Nessa obra, sexo e amor são descritos com sensibilidade. Marcelo, aos 22 anos, tetraplégico, putaço, relacionava-se com Fernanda, de 17. “Fui reaprendendo a viver, a me relacionar, a ter alguém, a gostar, a sentir saudades, controlar o ciúmes, presentear, querer fazer rir, agradar, gozar”, escreve o autor, dizendo que a namorada cuidava de sua pele desidratada.

Em certa altura, o escritor revela suas escolhas estéticas e narrativas. Conta, por exemplo, da vez em que a mãe da namorada lhe teceu elogios pelas cenas de sexo escritas com “muita precisão”. Pra quê? Marcelo, então, dedicou-se a transformar um livro político num livro “pornô soft de esquerda”. “Feliz Ano Velho”, como se nota, agitou o mercado editorial.

Vendeu muito: 1,2 milhão de cópias, de acordo com cálculos de Luiz Schwarcz e Marcelo Rubens Paiva. Se Marcelo inaugurou no Brasil a categoria “escritor pop star”, como sugere a atriz Maria Ribeiro na edição que comemora 40 anos de “Feliz Ano Velho”, é difícil dizer. Sabe-se, contudo, da penetração tida pelo livro em distintas áreas da indústria cultural.

Adaptações

Sob direção do cineasta Roberto Gervitz, “Feliz Ano Velho” chegou à tela grande em 1987. Quem viveu Marcelo nos cinemas foi o ator Marcos Breda. O elenco tinha ainda Malu Mader, como Ana, Marco Nanini, que fazia Beto, e Odilon Wagner, o Carlos. Além da adaptação ao audiovisual, houve versão teatral com texto de Alcides Nogueira Pinto.

A montagem, idealizada por Marcos Kaloy, era dirigida por Paulo Betti, com atuação de Denise Del Vecchio, Lilia Cabral e Marcos Frota. “Queríamos contar no palco a história do Marcelo e chamar a atenção sobre a realidade do Brasil da época, comandado pelo regime militar, e o desaparecimento de Rubens Paiva, pai do Marcelo”, diz Kaloy, que é sociólogo formado pela PUC-SP, em texto consultado pela reportagem no Arquivo Nacional.

Escrito em primeira pessoa, o romance narra acidente em que Marcelo bateu cabeça no fundo de um lago. Escutou zumbido no ouvido: piiiiiiiiiii. Nada de sentir as pernas. Amigos o tiraram da água, e médicos o examinaram. Diagnóstico: fratura de vértebra cervical. Medula comprimida. Cirurgia, unidade de terapia intensiva, internação longa pela frente.

Quando criança, Marcelo Rubens Paiva viu seus pais serem exilados porque simpatizavam com o governo de João Goulart. Por isso, tiveram de fugir para Paris e, ao retornarem ao Brasil, ingressaram em um ciclo de amigos cassados e perseguidos pelo regime fardado. Como disse Karl Marx, “a história se repete a primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa”.

O NOVO AGORA

Marcelo Rubens Paiva

Cia das Letras, R$ 79,90

Romance autobiográfico

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