O dramaturgo Samuel Beckett volta a ter texto montado pelo grupo Máskara, em duas datas, no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (CCUFG). Hoje e amanhã, o coletivo apresenta, a partir das 19h, a peça “Ensaios de Esperando Godot”. Trata-se de homenagem ao primeiro espetáculo criado pela companhia goianiense há 20 anos, numa iniciativa que pretende enaltecer atores e atrizes que foram essenciais à trajetória artística do grupo.
Para tanto, o Máskara evoca a memória do ator Wesley Martins, falecido neste ano. Mas não deixa de valorizar o ímpeto cênico de Saulo Dallago, Valéria Braga, Karine Ramaldes e João Pedro Caetano. Também revisita a obra afetada pelas memórias dos artistas envolvidos e lança um olhar ao mundo contemporâneo. Ou seja, o que há nesta nova peça apresentada por uma das mais interessantes companhias é a tentativa de contemporaneizar, vamos colocar assim, o teatro existencialista consagrado por Beckett na década de 1950.
O Máskara chamou, neste novo espetáculo, os atores Almir de Amorim, 79, e Júlio Vann, 65, conhecidos na cena goianiense por seus trabalhos como diretores, atores, professores e preparadores de elenco, além de toda a contribuição para a construção, valorização e difusão da cena teatral goianiense. Para completar o elenco da peça, estão o diretor Robson Corrêa de Camargo, os atores Allan Lourenço e Ronei Vieira e Jefferson Barros de Camargo, 8.
Em fevereiro deste ano, o coletivo fez ensaio aberto de “Ensaios de Esperando Godot” - ainda em construção à época - para público interessado. O itinerário incluiu escolas públicas de ensino fundamental ou médio - todas na Capital. Rolaram debates que contribuíram para o processo criativo da peça a ser estreada nesta quinta, 5. A única vez que o Máskara havia mostrado fragmento cênico do espetáculo foi em Sopot, na Polônia, em maio último.
Os motivos para assistir a uma peça beckettiana, se recorrermos ao que dizem os mestres, parecem suficientes para nos levar ao teatro. Ítalo Calvino, por exemplo, define assim “Esperando Godot”: “livro que nunca termina de dizer aquilo que tinha para dizer”. Os mesmos vocábulos servem para descrever o fascínio em torno de outros autores também ligados ao teatro do absurdo, como Eugène Ionesco. Passam-se anos, ou até décadas, e essas obras continuam montadas, com público querendo compreender a magnitude estética delas.
Expressão
Para Martin Esslin, crítico que cunhou a expressão ‘teatro do absurdo’, Eugène Ionesco, Arthur Adamov, Harold Pinter e Fernando Arrabal se esforçam na tentativa de expressar o sentido sem sentido da condição humana. “Mostram a inadequação da abordagem racional, através do abandono dos instrumentos racionais e do pensamento discursivo e o realizam através de 'uma poesia que emerge das imagens concretas e objetificadas do próprio palco”, pinça o estudioso. Beckett situa-se neste grupo de dramaturgos que revolucionaram o teatro.
Escrito em 49 e só publicado três anos depois, em 52, a obra “Esperando Godot” acompanha a vida de dois personagens, Vladimir e Estragon. Eles são palhaços metafísicos, como foram nomeados pelo seu criador, e se encontram numa beira de estrada, tentando passar um tempo que parece não passar. Aparecem também na trama outros personagens importantes: Pozzo e seu serviçal Lucky, assim como um jovem emissário do esperado senhor Godot.
A fábula de Godot, diz a Máskara, caminha sobre a lâmina afiada do teatro imagético de Beckett. “E reflete-se nele. A forma informe do discurso de Lucky em Godot é o paradoxo exacerbado do que está a ser dito ao longo da peça. Exacerbação. Sim! Há uma ironia gritante. Não se está a tentar mostrar ou encontrar Godot, a encontrar o absurdo da vida, mas, sim, o de se mergulhar nela. A vida, nos aspectos tortuosos da incoerência quotidiana. Venha! O Máskara convida!”, diz a companhia goianiense, em texto enviado à imprensa.
Modernista por excelência, em termos estilísticos, Samuel Beckett tentava romper os limites categóricos da arte das palavras e explorava ao máximo o hibridismo, já que enxergava um aparente esgotamento na linguagem: escrevia em francês, traduzia para o inglês, quando não vice-e-versa. De tão absurda, com requintes de espanto, a realidade não seria capaz de ser traduzida, de forma fiel, para as letras a partir do realismo. Beckett percebeu, então, que era preciso encontrar uma maneira com a qual fosse possível dar conta da existência.
Coisa de gênio. Uma vez publicado a obra que lhe tornou conhecido, Beckett lançou nos anos 50 duas trilogias de sucesso: uma de romance, com “Molloy”, Malone Morre” e “O inominável”, e a de teatro, com os clássicos “Esperando Godot”, “Fim de Partida” e “Dias Felizes”. Beckett foi encenado por nomes de peso do teatro brasileiro, dentre eles Cacilda Becker, Walmor Chagas, Antunes Filho e Zé Celso. Em um Brasil calado, sem poder falar, o sucesso da espera pelo misterioso Godot se mostrava uma crítica ao regime militar.
No cenário goiano, a dramaturgia beckettiana está em boas mãos com as montagens feitas pelo Máskara Núcleo de Pesquisa. Neste mês, a companhia encena “Ensaios Esperando Godot” hoje e amanhã no CCUFG e, na 3ª semana deste mês, a peça é levada aos palcos do teatro do IFG, localizado na Rua 75, 2-186, Setor Central. Bom ver Beckett repaginado.
Ensaios de Esperando Godot
9 h
Dias 5 e 6 de outubro
Centro Cultural UFG
Dias 17, 18, 19 e 20 de outubro
Teatro do IFG campus Goiânia
Entrada gratuita
Retire ingresso no Sympla