Mike Stern, 71, consegue a façanha de fazer Duke Ellington soar como Jimi Hendrix. Ou Charlie “Bird” Parker parecer Carlos Santana. E BB King ressoar tal qual Betty Davis. Para o guitarrista, que tocou no início dos anos 1980 com o lendário Miles Davis, esses artistas são emocionalmente iguais. Guiam-se por uma atitude básica. Fazem o coração vir à tona.
De sua guitarra, a indefectível Yamaha Pacifica 1511 (modelo de assinatura), Mike tira sons inconfundíveis. Cada nota expressa o léxico do fusion, bebop, post-bop, rock’n’ roll, funk e soul. É uma profusão de sotaques. De suingues. É uma abundância de estilos. De riquezas estéticas. É uma exuberância de formas. De dialetos. Ou ritmos. Foi Miles quem lhe deixou fluente nesses idiomas. E, como se sabe, o trompetista mudou a música cinco ou seis vezes.
Mike já admitiu que “todo mundo” possui voz própria. “Penso mesmo. Eu tive a sorte de poder ter gravado o meu som com pessoas tipo Miles ou esses caras, de poder divulgar o meu som para que as pessoas o reconheçam. Mas acho que todos têm seu próprio som mesmo”, disse o guitarrista, numa conversa com o professor Nelson Faria, em 2018. The Mike Stern Band se apresenta na quinta, 25, no Bolshoi Pub, Bueno, a partir das 22h.
Em turnê pelo Brasil, o guitarrista tocou no Sesc Barueri, na última sexta, 19. No dia seguinte, apresentou-se no Sesc Campinas e seguiu pelo Bourbon Street (dia 22), em São Paulo. Mike subiu nesta terça, 24, ao palco do Clube do Choro. Na quarta, é a atração da noite na filial carioca do Blue Note. Dessa vez, encerra sua passagem pelo país no Autêntica BH, em Belo Horizonte (MG), antes de ir ao Sesc Belenzinho, na capital paulista.
Nascido em janeiro de 1953, Mike enlouqueceu quando escutou pela primeira vez os deuses da guitarra Eric Clapton e Jimi Hendrix. Também, claro, pirou ao som de BB King, a quem o blues era uma música simples. Uma música simples, sim, mas tocada por gente sofrida. Então aos 12 anos, estimulado por essas lendas das seis cordas elétricas, matriculou-se na renomada Berklee College of Music, em Boston, Estados Unidos, no começo dos anos 70.
Ali se transmutou num jazzista. Descobriu os segredos das escalas tocadas pelos guitarristas jazzy Wes Montgomery e Jim Hall. Aplicado nos estudos, aprendeu a ler partitura – conhecimento que torna um músico apto a tocar sob qualquer circunstância, tendo ensaiado ou não, conhecendo os instrumentistas ou não e sabendo determinada música ou não. Ambos passaram a ser suas maiores influências na maneira de se apresentar, compor e gravar. Mas o artista decidiu que precisaria ir além – caso quisesse ser reconhecido.
Por dois anos, uniu-se à banda Blood, Sweat & Tears, lançando dois álbuns. Juntou-se, a posteriori, aos músicos que gravavam com o baterista Billy Cobham. Às excursões, o guitarrista chegou quando começou a acompanhar Miles Davis, a partir de 1981. Três discos do trompetista contam com a expressividade e o brilho dos acordes e das notas de Mike Stern: “The Man With The Horn” (1981), “We Want Miles” (1982), “Star People” (1983).
“Eventualmente, se você gravar o suficiente, ou – principalmente – se compor músicas originais, porque eu acho que isso realmente ajuda a juntar sua música e seu som. Você acha sua voz. Todos a têm”, ensina o guitarrista, cuja primeira faixa que gravou com Miles foi “Fat Time”, no disco “The Man...”. “Era a última faixa do álbum, mas ele gostou do jeito que ficou. Então, acabou sendo a primeira faixa. Mas foi a última a ser gravada.”
Lendas
Além de Miles, Mike Stern trabalhou com uma quantidade impressionante de lendas: Stan Getz, Jaco Pastorius, Eric Johnson, Brecker Brothers, Yellowjackets, dentre outras. Mas já pensou em cantar, Mike? “Eu cantando? Nunca. Só no chuveiro”, respondeu, ao passar pelo Brasil no início dos anos 2000, após ter sido questionado pelo jornalista Edson Franco.
Ou seja, o lance dele é a música instrumental. Pode-se dizer que, por isso mesmo, convém situá-lo no panteão das lendas jazzísticas. Dono de técnica inconfundível, alia feeling (recurso essencial aos bluesman) ao virtuosismo com que percorre o braço da guitarra (é um estudioso). Ninguém deve perder a chance de assisti-lo in loco – ficará gravado na memória.
Para o show no Bolshoi, o artista diz que apresentará as principais músicas de sua discografia. Será acompanhado por Leni Stern (guitarra e vocais), Bob Franceschini (sax), Rubem Farias (baixo) e Dennis Chambers (bateria). Os shows da turnê sul-americana, inclusive, trazem um tempero a mais: o baixista Rubem Farias. Soteropolitano, o instrumentista tem currículo extenso, já tendo tocado com Gilberto Gil e Ed Motta.
Talvez o destaque da noite – além de Mike Stern – seja a guitarrista Leni Stern, esposa dele. Alemã apaixonada por música africana, foi reconhecida pela revista “Guitar Player” como “uma das guitarristas mais sensacionais de todos os tempos”. The Mike Stern Band tem ainda o ritmo preciso – e funkeado – de Dennis Chamber nas baquetas. O saxofonista Bob Franceschini abrilhanta o jazz com o R&B. É técnica e amor a serviço da música – sempre.
Dono de carreira notável, Mike Stern trilhou caminho excepcional no jazz-fusion – primeiro, tocou na banda Blood, Sweat & Tears, depois veio o baterista Billy Cobham e, nos anos 80, integrou a banda de Miles Davis. Hoje, está perto do chão, conforme descreve o crítico Nate Chinen, do jornal “The New York Times”. E levará amanhã o clima de algum bar de Greenwich Village ao Bolshoi Pub. Será seu retorno à casa goiana, 12 anos depois de ter feito nela uma apresentação memorável. Dificilmente haverá coisa melhor para fazer.
The Mike Stern Band
Bolshoi Pub, quinta, 25, às 22h
R. T-53, 1140, St. Bueno
Ingressos a partir de R$ 120
Pelo aplicativo Sympla