Morre cantora e atriz Jane Birkin, conhecida pelos gemidos eróticos em ‘Je t´Aime’, aos 76
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 17 de julho de 2023 às 00:01 | Atualizado há 2 anos
Jane Birkin, eu te amo, eu também não. “Je t´Aime, Moi Non Plus”, essa é a chanson, o desejo, o grito, o gemido, a representação sonora do amor, o sussurro durante o vai e vem do quadril amado. Eu vou, eu vou, eu vou entre seus rins. Jane, a beldade atemporal, a beleza eternizada por Michelangelo Antonioni, Agnès Varda e Jacques Rivette. Ja-ne. Quer mais?
“Je t’Aime” se tornou a representação máxima da sensualidade. Estouro planetário em 1969, a faixa deixou os militares brasileiros desgostosos, que decidiram – em nome da moral e dos bons costumes – proibi-la. Até o Vaticano, berço do catolicismo, condenou o hit à indecência. Voz lânguida, gemidos excitantes, um ato sexual musicado. Roteiro quase idêntico também ocorreu na Espanha, país que vivia àquela época sob a ditadura de Francisco Franco.
Só na França de De Gaulle, por exemplo, o disco “Jane Birkin & Serge Gainsbourg” (1968) vendeu 6,5 milhões de cópias e chegou a disputar o topo das paradas britânicas com os Beatles. “Je t’Aime” virou hino de uma juventude que bradava “eu gozo” no Maio de 68 e acreditava que o fascismo nasce, na verdade, da repressão aos estímulos sexuais, como havia teorizado o psicanalista Wilhelm Reich na obra “A Função do Orgasmo”, publicada em 1927.
Se Birkin trabalhara antes com diretores de cinema renomados, a artista compreendia que “Je t´Aime” lhe eternizaria na história da música pop. “Quando eu morrer, essa será a música que tocarão, quando eu sair primeiro com os pés”, dizia, em entrevistas. A artista estava com 21 anos quando conheceu um certo Serge Gainsbourg e estrelaram juntos o filme “Slogan”, lançado em 1969 sob direção de Pierre Grimblat. Serge tinha 40 anos.
Há um detalhe impreterível aí: Serge veio ao mundo desprovido de beleza. Mas sua feiura lhe embelezava, se é que você entende. Relacionou-se com a diva Brigitte Bardot (talvez a mulher mais bonita dos anos 60) e, assim que conheceu Jane Birkin, apaixonou-se pela inglesa nascida em Londres no ano de 1946. “Minha primeira noite com Gainsbourg foi histórica”, lembrava Jane, que chegou a homenagear o ex com disco e turnê internacional.
Arte desde o berço
Filha do militar francês Dave Birkin e da atriz inglesa Judy Campbell, Jane descobriu o cinema na infância. Seus primeiros papéis foram em produções premiadas em Cannes: “Le Knakck”, dirigido por Richard Lester, no ano de 1965, além do clássico “Blow-Up”, filmado por Antonioni, em 1967, a partir de conto escrito por Julio Cortázar. Em 1968, a artista cruzou o Canal da Mancha, estabelecendo-se na França, onde virou estrela pop.
Com Serge, viveu um romance tórrido e escandalizou os puritanos. A princípio, o cantor escreveu a música para Bardot, de quem foi um amante tempestuoso, mas a musa decidiu vetar a primeira versão da música, que tinha seus vocais. Ou seja, abria-se caminho para que Jane Birkin virasse de fato uma lenda. E mexesse com a cabeça de Serge Gainsbourg, ao ponto de o cara ter feito a ela um dos melhores discos da carreira, “Baby Alone in Babylone”.
Na década de 1970, Jane cantou alto, à beira do colapso, como o jornalista Olivier Nuc, do jornal francês “Le Figaro”, resumiu essa fase da carreira. Longe do marido, popularizou-se ainda mais ao atuar em comédias que se tornaram sucesso entre as massas, como “La Course à L’échalote”, com Pierre Richard, ou “Don Juan 73”, no qual contracena com Brigitte Bardot. E posou nua para revistas destinadas “aos homens”. Ao set do filme “La Piscine”, de 69, Serge não a deixava ir, pois convenceu-se de que a amada não resistiria a Alain Delon.
Criativa, exuberante e intensa, Jane acompanhava nesta época o marido para cima e para baixo. Seguia-o pelas incursões noturnas e habitava meios de comunicação, tornava-se símbolo inegável de beleza e vivia em torno de Serge. Até que, então, um novo amor lhe surge: o cineasta Jacques Doillon a tira de papéis insignificantes para apresentá-la a uma perspectiva cinematográfica mais intelectualizada. “Aprendi que dá para filmar com seis pessoas, que o cinema pode ser muito artesanal e cheio de textos”, diria, anos mais tarde.
Jacques permitia que a amada se reinvente, enquanto Serge Gainsbourg lhe oferecia suas canções mais rasgadas. E, no fim dos anos 1980, Jane se libertou mais ao decidir que gostaria de cantar pela primeira vez no palco. “Eu queria ser ouvida pelas palavras e música de Serge. Quando contei a ele, ele me disse: “Você vai se esforçar mesmo assim? Usar batom, explodir o cabelo, enquanto eu tinha tomado a decisão de cortar o cabelo, não ficar maquiada e usar roupas de menino! Ele estava um pouco assustado por mim.”
Dores da vida
Ao longo das décadas, Jane se tornou não só a intérprete das canções lascivas escritas por Serge, mas – sobretudo – a atriz que atuou em 70 filmes, desde Godard até Agatha Christie. Um de seus últimos trabalhos, “Oh! Pardon Tu Dormais” (Oh! Desculpa, você estava dormindo), se baseou num filme que a artista tinha escrito na década de 1990. Foi seu primeiro disco de estúdio em anos e, segundo ela, tratava-se da frustração do desamor.
Nem sempre a vida lhe sorriu. Perdeu a filha Kate, fruto do relacionamento que teve com o compositor John Barry, nos anos 1960. Em 1994, fundou um centro para dependentes – Kate tinha histórico de álcool e drogas. “Minha filha se lançou no ar/ E no chão, e encontramos/ Será que ela abriu a janela/ Só pra deixar ir embora a fumaça?/ Cigarros/ Talvez seja um acidente/ Realmente estúpido/ Quem sabe”, lamuriou-se, na música “Cigarette”, escrita entre uma apresentação e outra na turnê “Birkin/ Gainsbourg: Le Symphonique”.
Tocou no Brasil em 2009, num tributo a Serge Gainsbourg realizado pela Orquestra Imperial, que contou com participação do brasileiro Caetano Veloso. Era para retornar ao País nove anos depois, mas o show precisou ser cancelado por questões logísticas. Sonhava-se que, quando o término da pandemia viesse, fosse possível vê-la de novo nos palcos brasileiros. Mas não deu tempo: Jane Birkin morreu ontem, aos 76 anos, em Paris. Ano retrasado, sofreu um AVC. A notícia foi dada pelo Ministério da França. Jane lutava ainda contra um câncer.