
Cai chuva do céu cinzento. Janela entreaberta. Verão é assim aqui. Aqui e aí. Chuva, sol. A cidade está lá fora, barulhenta. O país e o mundo estão nas notícias. Neil Young rolando.
Tudo isso dito, começa a tocar “Big Change”. A guitarra distorcida, brandindo sujeira, me sassarica os ouvidos. “Uma chance está chegando, vindo direto para a casa, para você”, avisa o bardo canadense, 79, em novo single disponibilizado nas plataformas de streaming.
Só teria um caminho mesmo: “Big change is comming.” Novo disco na área? Possivelmente. Young diz que sai neste ano. Já ligou-se a novos parceiros, os caras da banda The Chrome Hearts. Pelo single lançado, observamos uma letra esperançosa e um rock clássico.
Tem lá sua relevância nesses tempos em que o rock desidratou, para sequestrar uma expressão do jornalista Julio Maria em sua coluna no jornal “O Globo”. Alerta Maria: “As energias responsáveis pelo carregamento das baterias do rock têm sido drenadas por outras expressões.” E não é de hoje. Por exemplo, a política alimenta o rap desde os anos 1980.
O cenário roqueiro piora se olharmos para o último guitar hero clássico da história. Slash é devoto ao blues, Slash ama Stones, Slash celebra os mestres. Slash tem 59 anos. Os delírios de Donald Trump, ao que parece, devem ainda realçar certo antiamericanismo mundo afora. Há quem palpite, como o próprio Maria, que será pior até mesmo do que os anos de Vietnã.
Mas, onde queres dinheiro, seremos paixão: Goiânia entra em cena. A Rádio Rock daqui anda a mil por hora, seus programas divulgam o gênero maldito, os pais e os filhos falam lá. O lance é criar memória afetiva, ouvir rock and roll na infância, escutá-lo na adolescência. Assim, as novas gerações amarão Stones, Beatles, Doors, Clash, Pistols, Ramones, Nirvana.
Amarão também Young, claro, esse cantor-compositor que sempre fez o que lhe vinha à cabeça. Além de tudo, era guitarrista talentoso. Esteve em dois grupos fundamentais para a música dos anos 1960, Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young, e inclusive com este gravou “Déjà Vu”, lançado em 1970. Difícil saber, até hoje, como esse elepê vingou.
As circunstâncias em estúdio eram melindrosas. Foram quase 800 horas ali. Muito tenso. A namorada de Crosby, Christine Hilton, morrera num acidente em setembro de 1969. Bebidas e drogas rolavam aos montes. Os músicos brigavam o tempo inteiro. Young vivia ausente. Mas de alguma forma, à base da intuição criativa, eles captaram o espírito daquele tempo.
Young, então, abandonou o supergrupo. Insatisfeito, falou que não podia continuar na banda porque Stills, Crosby e Nash eram “popstars ridículos e minados”. Em vez de amargurar-se, numa outra atitude surpreendente, o artista concebeu um disco doce, “Harvest”, no qual evoca certo otimismo decadente da contracultura pós-beat generation.
Mil novecentos e setenta e dois, parafraseando o escritor John Fante, foi um ano ruim. Um ano ruim em partes, como veremos. Se, em 1972, “Harvest” rendeu ao artista seu único primeiro lugar nas paradas e definiu a linguagem do soft-rock nos anos 1970, também o machucou: morrera Danny Whitten. Overdose. Whitten fazia parte do Crazy Horse.

Young fala sobre a banda em sua autobiografia, editada no Brasil pela Globo Livros: “Para mim, essa banda é um veículo para áreas cósmicas que sou incapaz de descrever.” Mesmo assim, Whitten foi despedido do Crazy Horses em 18 de novembro de 1972. Horas depois, o músico morreu. Neil Young, claro, nunca se recuperou totalmente desse baque.
Os dois álbuns lançados na sequência são permeados por tragédias, já que seu “roadie”, Bruce Berry, também saiu de cena. “Tonight's The Night”, 1973, e “On The Beach”, 1974, têm aura pesada, depressiva, como se Young estivesse prestes a sair de si em suas vocalizações angustiadas. Mas os anos 1970, apesar dessas obras-primas, reservam mais novidades.
Lançamentos
Em seu site oficial, o lendário cantor-compositor canadense anuncia que lançará outro álbum daquele período — em 2020, no auge da pandemia, Young publicou o engavetado “Homegrown”, também produzido nos anos 70. Ele diz que o material fora gravado entre maio e dezembro de 1977 e antecede em sua discografia o elepê “Come a Time”, de 1978.
Um comunicado oficial conecta os discos “Oceanside Countryside” e “Come a Time”, obras com “som country/folk”. Young declara que as músicas são as mixagens originais feitas à época em uma ordem que planejou para o álbum. “Espero que você curta esse tesouro de uma gravação original analógica, gravada por Tim Mulligan, tanto quanto eu”, afirma.
“Ouvindo agora, acho que eu deveria ter lançado naquela época” Neil Young, cantor e compositor
“Ouvindo agora, acho que eu deveria ter lançado naquela época”, derrete-se, dizendo que cantou e gravou os instrumentos na Flórida, Estados Unidos, nos estúdios Triad e Malibu. “Eu cantei os vocais e gravei com minha ótima banda de amigos, Ben Keith, Joe Osborn, Karl T. Himmel e Rufus Thibodeaux, no Crazy Mama's em Nashville, no Countryside.”
Há uma prévia desse disco no streaming: “Field of Opportunity”. Sairá em CD e vinil. O Crazy Horse estava com sua formação original, com Billy Talbot no baixo, Ralph Molina na bateria e Danny Whitten na guitarra. O pianista Jack Nitzsche participa de três canções. Um luxo.