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Ney Matogrosso se junta ao duo Hecto em disco de inéditas

Artista conserva límpido aquele soprano que lhe é característico em letras que falam de mudança, transformação e amor

Parceria se mostrou frutífera em disco que traz grandes participações - Foto: Marcos Hermes/ Divulgação Parceria se mostrou frutífera em disco que traz grandes participações - Foto: Marcos Hermes/ Divulgação

Se o mundo anda mesmo chato, Ney Matogrosso sabe como melhorá-lo. Junta-se ao duo Hecto para lançar hoje nas plataformas digitais suas “Canções Para um Novo Mundo”. Das nove faixas, seis são inéditas e trazem participações de Frejat, Ana Cañas e Will Calhoun.

Ney conserva límpido aquele soprano que lhe é característico. Canta com emoção versos escritos por Paulo Sérgio Valle, Mauro Santa Cecília, Déa Moura e Sérgio Britto (Titãs). As letras falam do desejo por mudança, transformação, novas formas de viver, amar e pensar.

Para Gê, parecia impossível convidar Ney para gravar todas as faixas do disco. Ele o coloca dentre os maiores intérpretes da música popular brasileira, como um fã mais ou menos faria. A ditadura militar, sempre caretaça, se pegou escandalizada: não é possível deixarmos esse cara, totalmente andrógino, ultrafeminino, imoral, aparecer na televisão. Não adiantou.

Em 1973, Ney liderava o grupo Secos & Molhados, cujo som misturava tropicalismo, rock progressivo e glitter. Suas performances mostravam a delícia de ser você mesmo. As coreografias provocavam, hipnotizavam, excitavam. Eram deliciosamente sexuais. Aquele homem livre encarnava a teoria orgástica desenvolvida pelo psicanalista Wilhelm Reich.

Nos anos 1980, Ney enveredou pelo rock. Deu força ao Barão Vermelho, gravando “Pro Dia Nascer Feliz”, que levou a música do grupo a ser aceita pelas rádios. Do Barão, releu também o hit “Por Que a Gente é Assim”. Queria, porém, mergulhar no passado da música popular, entender o que nos leva a ouvir o que ouvimos, a beleza de nosso cancioneiro.

A partir de 1987, voltou-se às releituras num espectro que abrangia Cartola, Noel Rosa, Angela Maria, Chico Buarque, Tom Jobim e Heitor Villa-Lobos. “Eu tinha muitos pudores de cantar Secos & Molhados. Achava que era facilitar demais. Agora estou dando uma arejada de novo”, disse Ney, em 1999, numa entrevista ao jornalista Pedro Alexandre Sanches.

Aos 83 anos, deseja se manter jovem. Continua arejado. Uniu-se a dois jovens músicos, aos quais se conectou de cara, e começou a trabalhar em novo disco. Tudo ali funcionou como uma grande parceria. Ney ofereceu tranquilidade. Ensinou seus colegas jovens, os acalmou.

As letras são contundentes (o que me chamou a atenção), aí eu canto, porque não tenho restrição. E olha, a parceria vocal com o Gê é novidade, né? Eu tinha feito isso só com o Pedro Luis, lá atrás Ney Matogrosso, cantor

“As letras são contundentes (o que me chamou a atenção), aí eu canto, porque não tenho restrição. E olha, a parceria vocal com o Gê é novidade, né? Eu tinha feito isso só com o Pedro Luis, lá atrás (2004). E agora é assim. Pra mim tudo isso é interessante e eu gosto dessas novidades artísticas. Gosto muito do resultado do álbum”, revela Ney, exultante.

O disco abre lá em cima. “Pátria Gentil” faz as vozes de Ney e Gê se entrelaçarem num rock rápido, fácil, mas que destila ironia às esperas telefônicas e à chatice dos menus numéricos. “Digite 1 para famintos, 2 para sem tetos, 3 para mendigos, 4 para analfabetos”, cantam, sob compasso contado pelo baterista Will Calhoun, da banda norte-americana Living Colour.

“Monólogo”, por sua vez, traz a bateria econômica de Guto Goffi, fundador do Barão Vermelho. Ney abre novas janelas, descortina caminhos interpretativos, como numa peça teatral. Conduzida por piano, violão e riff de guitarra, a canção se origina em poema do artista Paulo Sérgio Valle musicado por Gê e Sérgio Britto, integrante dos Titãs.


		Ney Matogrosso se junta ao duo Hecto em disco de inéditas
Ney e o duo Hecto. Foto: Marcos Hermes/ Divulgação


Ex-barão

Com letra de Mauro Santa Cecília, o pop-rock “Solaris” foi transformado em canção por Guilherme Gê. Traz a voz firme de Frejat, que divide os microfones com Ney e Gê. O grave do ex-barão significa sombra, enquanto o agudo dos dois últimos representa o sol. Fernando Magalhães, guitarrista do Barão Vermelho, imprime solo sentimental para a canção.

Segundo Frejat, tudo na música funciona bem. “Desde que a ouvi, eu gostei de tudo. Da letra, da música, dos cantores, Ney tá muito bem, Gê também e o arranjo tá maravilhoso. Fiquei muito entusiasmado de participar e fiquei muito feliz com o resultado final”, afirma.

Costurada pelo som de sitar — instrumento eternizado por Ravi Shankar e George Harrison —, “O Amor Vem Antes de Tudo” toca a vida no mundo. Nela, ouve-se a voz açucarada de Ana Cañas em versos de Gê e Déa Moura a respeito de nossa realidade. Já “Troço”, com discurso pró-novo mundo, tem arranjo de cordas que lembra progressivo dos anos 1970.

As letras são contundentes (o que me chamou a atenção), aí eu canto, porque não tenho restrição. E olha, a parceria vocal com o Gê é novidade, né? Eu tinha feito isso só com o Pedro Luis, lá atrás Ney Matogrosso, cantor

Poeta identificado com Barão Vermelho, Santa Cecília escreveu a balada-título “Canção para um Novo Mundo”: “Diziam pra você não ir adiante/ No simples sonho de viver/ Diziam muitas coisas que você já sabia/ A sombra é incerta proteção”. Em seguida, “Anonimato” narra a invisibilidade social pelo ponto de vista daqueles que moram nas ruas.

“Canções Para um Novo Mundo” fecha com “Teu Sangue”, que grita um amor furioso, e “Nosso Grito”, essa reflexiva e desesperada. Cañas resume a qualidade das composições de Gê. “São ótimas e me senti honrada com esse convite, ainda mais ao lado de Ney Matogrosso”, derrete-se. Bom disco para começar este ano. A música melhora o mundo.

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