Chega aos cinemas brasileiros "Ninguém Sai Vivo Daqui", um filme que mergulha na história sombria do Hospital Colônia, em Barbacena. Inspirado no livro "Holocausto Brasileiro" da jornalista Daniela Arbex, o filme é dirigido por André Ristum e protagonizado por Fernanda Marques no papel de Elisa. Com estreia marcada para esta quinta-feira, 11, a produção promete não apenas contar uma história, mas também provocar reflexões sobre um capítulo pouco explorado de uma atrocidade que ocorreu no Brasil.
O filme "Ninguém Sai Vivo Daqui" conta a história da jovem Elisa que no começo dos anos 1970 é internada à força pelo pai no Hospital psiquiátrico Colonia, por ter engravidado do namorado. Após passar por muitos abusos, Elisa, junto com outros colegas internos, tentam encontrar uma maneira de fugir do Colônia.
Em uma entrevista exclusiva, o Diário da Manhã teve a oportunidade de conversar com o diretor André Ristum sobre seu aguardado filme. "O livro de Daniela Arbex foi o ponto de partida essencial para nosso filme. Fizemos uma pesquisa meticulosa, visitamos o local, conversamos com especialistas e historiadores para capturar a autenticidade e a gravidade dessas narrativas", explicou André.
Ao adaptar uma narrativa tão intensa para o cinema, o desafio era manter a integridade histórica enquanto criava uma experiência cinematográfica envolvente. A atriz principal, Fernanda Marques, destacou como sua personagem trouxe à tona a luta pela dignidade humana em face da opressão. "Exploramos a história da protagonista, uma mulher enfrentando uma gravidez forçada em um ambiente hostil. Queríamos não apenas retratar o sofrimento, mas também despertar um diálogo sobre direitos humanos e justiça social", compartilhou Fernanda.
Arlindo Lopes, Ana Kurtner e Andreia Horta
Além de ser uma obra histórica, "Ninguém Sai Vivo Daqui" é uma reflexão contemporânea sobre questões de saúde mental e direitos individuais. André enfatizou como o filme ressoa com os debates atuais sobre políticas públicas e o tratamento de pacientes em instituições psiquiátricas. "Nosso objetivo é não apenas informar, mas também inspirar uma mudança significativa na forma como a sociedade encara essas questões. É um chamado à empatia e à ação", afirmou o diretor.
A decisão de filmar em preto e branco foi uma escolha deliberada para capturar a essência sombria e a intensidade emocional das histórias retratadas. "O preto e branco não foi apenas uma estética, mas sim um elemento narrativo que enfatiza a falta de luz e esperança nas vidas desses personagens. Era fundamental para transmitir a gravidade das situações vividas", destacou André. Sentimento também compartilhado pelo diretor de fotografia, Hélcio Alemão Nagamine.
Marco Bravo e Naruna Costa
Para Fernanda Marques, interpretar uma personagem tão complexa exigiu uma preparação intensa e emocional. "A preparação envolveu um trabalho meticuloso com o elenco, explorando não apenas os aspectos físicos, mas também as emoções profundas que permeiam cada cena. Foi uma jornada desafiadora e profundamente gratificante", revelou a atriz.
Ao discutir as diferenças entre o filme e a série "Colônia", também baseada nos mesmos eventos, Ristum enfatiza que o filme busca concentrar-se nos pontos mais intensos da narrativa. "No filme, as coisas são mais concentradas. O longa acaba sendo mais impactante do que a série, que vai aos poucos entrando naquele sofrimento, na dureza que é a vida dessas pessoas", explica o cineasta.
O Livro que Inspirou o Filme
O livro "Holocausto Brasileiro", escrito por Daniela Arbex, é uma obra de profunda importância histórica e social que expõe as atrocidades cometidas no Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais. Publicado em 2013, o livro se tornou um marco ao revelar as condições desumanas e os abusos sofridos por milhares de pacientes internados na instituição ao longo de décadas.
Arbex detalha como o Hospital Colônia, originalmente destinado ao tratamento de pacientes psiquiátricos, se transformou em um local de tortura e negligência extrema. Entre as décadas de 1930 e 1980, milhares de pessoas foram internadas sob condições desumanas, sem diagnóstico adequado e frequentemente sujeitas a tratamentos cruéis e abusivos.
Fundado em 1903, o hospital foi inicialmente projetado para atender a nata da elite brasileira como casa de repouso, oferecendo um espaço para tratamento e recuperação das doenças mentais. No entanto, com o passar das décadas, o hospital se tornou um cenário de negligência e abusos extremos.
Em declínio de suas funções nos anos de 1930 passou a receber uma quantidade absurda de pacientes que eram submetidos a condições precárias, tratamentos ineficazes, abusos físicos e psicológicos.
A maioria dos internos não tinham diagnósticos psiquiátricos claros, suas internações eram prescritas por delegados, ou médicos pagos por familiares e patrões. As pessoas eram frequentemente internadas por razões sociais, políticas ou simplesmente por serem consideradas incômodas. Homens, mulheres e até crianças com doenças mentais leves, deficiências ou vítimas de abuso sexual foram confinados sob condições desumanizadoras.
O Hospital Colônia se tornou um verdadeiro campo de concentração para seus internos. Estima-se que mais de 60 mil pessoas morreram em Barbacena devido às condições brutais de tratamento. Os pacientes viviam em situações de extrema superlotação, muitas delas morreram em decorrência de fome, doenças e frio. Pacientes eram desumanizados, tratados como objetos e privados de seus direitos básicos. Frequentemente eram deixados nus, sem camas ou cobertores, e submetidos a maus-tratos físicos e psicológicos. Casos de abuso sexual, estupros, tortura e experimentação médica brutais eram comuns.
Denúncias e Mudanças
As atrocidades cometidas no Hospital Colônia só começaram a ser amplamente conhecidas após uma série de reportagens investigativas na década de 1970, que revelaram ao público a realidade da instituição. Fotografias e relatos das condições dos pacientes geraram uma onda de indignação e protestos, levando a mudanças significativas no tratamento de pacientes psiquiátricos no Brasil.
O termo "Holocausto Brasileiro" se refere diretamente à magnitude das violações dos direitos humanos e à brutalidade sofrida pelos pacientes do Colônia. Daniela Arbex utiliza extensa pesquisa, incluindo relatos de sobreviventes, documentos históricos e investigações jornalísticas, para trazer à tona essa história pouco conhecida e muitas vezes negligenciada da história brasileira.
"Holocausto Brasileiro" se tornou um catalisador para debates sobre a saúde mental no Brasil, incentivando mudanças na legislação e políticas públicas para proteger os direitos dos pacientes psiquiátricos e garantir que episódios tão trágicos não se repitam.
Ficha Técnica
Diretor: André Ristum
Roteirista: André Ristum, Marco Dutra e Rita Gloria Curvo
Elenco: Fernanda Marques, Augusto Madeira, Andréia Horta, Rejane Faria, Naruna Costa, Aury Porto, Arlindo Lopes e Bukassa Kabengele
Diretor de fotografia: Hélcio Alemão Nagamine, ABC
Diretor de arte: Dani Vilela
Montagem: Bruno Lasevicius
Música original: Patrick de Jongh
Produtor executivo: Rodrigo Castellar
Produtores: André Ristum, Rodrigo Castellar, Caio Gullane, Fabiano Gullane e André Novis
Produtora: Sombumbo e TC Filmes
Coprodutora: Gullane