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Homenagem

'O Amor, A Morte e As Paixões' celebra trajetória de Fernando Gabeira

Com início amanhã no Oscar Niemeyer, mostra homenageia a jornada cultural do jornalista, escritor, ex-preso político e deputado federal

Gabeira se notabiliza como um dos principais pensadores da política na imprensa - Foto: Agência Brasil Gabeira se notabiliza como um dos principais pensadores da política na imprensa - Foto: Agência Brasil

Ex-preso político e deputado federal por quatro legislaturas, o jornalista Fernando Gabeira, 84, será homenageado durante a 16ª edição da mostra “O Amor, A Morte e As Paixões”, que começa amanhã e segue até o próximo dia 5 de março. Setenta e cinco filmes de 31 países passarão em sessões realizadas no Cinex, subsolo do Centro Cultural Oscar Niemeyer.

Gabeira participará de encontro com o público ali. O bate-papo acontecerá no sábado, 1°, às 19h30. Histórias não faltam ao hóspede da utopia. Quem largaria, diga aí, uma carreira em ascensão no “Jornal do Brasil” para jogar-se às sombras da militância clandestina em pleno AI-5?

Exato, só mesmo Gabeira. Certa vez, sabendo das pretensões marxistas de seu subordinado, Alberto Dines o chamou para um drinque e lhe pediu, conforme conta César Motta no livro “Até a Última Página”: “Tenho a maior confiança em você, que é um grande profissional. Por isso, quando sentir que sua militância está interferindo em seu trabalho, peça para sair.”

O talentoso jornalista continuou no diário fundado pelo monarquista Rodolfo Dantas por mais um ano. Com o dinheiro de sua rescisão, alugou um casarão na Rua Barão de Petrópolis, no bairro carioca de Santa Teresa. Gabeira jamais pegou em armas, todavia. Era bom na argumentação. Redigia textos inteligentes pedindo a libertação de presos políticos.


		'O Amor, A Morte e As Paixões' celebra trajetória de Fernando Gabeira
Gabeira fala com a imprensa no Congresso Nacional. Foto: Agência Senado


Nas redações, ao receberem os explosivos manifestos, os ex-colegas falavam: “Isso só pode ser coisa do Gabeira.” Se os fuzis lhe eram instrumentos estranhos, restou a esse mineiro nascido em Juiz de Fora militar na logística — além, claro, de armar-se com a caneta e a datilografia. Assim, munido sobretudo da palavra, testemunhou uma ação histórica.

Nada menos do que um sequestro espetacular. Um sequestro espetacular bolado pela organização leninista MR-8, da qual Gabeira era militante, em 7 de setembro de 1969. O raciocínio dos jovens revolucionários: capturar o embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick, para trocá-lo por prisioneiros políticos torturados nos porões da ditadura.

Deu certo. Mas sucedeu-se uma verdadeira caça dos agentes a Gabeira: esconderijos, casas, aparelhos revirados. Nada. Só foram encontrá-lo em São Paulo meses depois, em 1970. Tentou fugir, mas não deu pé — embora procurasse correr velozmente e em ziguezague. “Ouvi os tiros e inclusive me entusiasmei”, relata no livro “O Que é Isso, Companheiro?”.

“Continuava correndo”, revive, dizendo que, ao buscar sair da rua e entrar num mato, um dos disparos o alcançou. Conta que sentiu um baque, dor aguda nas costas, até que o corpo caiu. “Pensava: vou levantar e continuar minha carreira, mesmo com esse tiro nas costas. Vou levantar e me meter no mato. Tudo isso se passava, mas meu corpo estava afundado.”

Os policiais discutiam entre si. Um deles queria matá-lo. O cano da pistola apontado para a cabeça de Gabeira. “Quem prevaleceria naquela história? O tiro de misericórdia não era desfechado. Passaram-se alguns minutos e percebi que não seria desfechado”, narra, lembrando que o jogaram numa caminhonete. O atirador cumpriu seu dever violento.


		'O Amor, A Morte e As Paixões' celebra trajetória de Fernando Gabeira
Capa de best-seller que descreve luta contra a ditadura. Foto: Divulgação


Amparando-se na banalidade do mal — termo cunhado pela filósofa judia-alemã Hannah Arendt em seu livro “Eichmann em Jerusalém”, de 1963 —, Gabeira declarou nos anos 1990 que era possível o torturador brasileiro ser um bom pai de família, um ótimo oficial. Mas continuava um torturador, um profissional disso, afirmava ao jornal “Folha de S. Paulo”.

Com o estômago, um rim e um fígado perfurados, Gabeira foi colocado em cela solitária. Ali, ouviu gritos ufanistas. O Brasil virava em cima da Tchecoslováquia na estreia pela Copa do Mundo de 1970. Difícil vencer nosso escrete. Difícil Médici, o ditador reacionário da ocasião, não roubar os feitos de Pelé e companhia no México para legitimar seu regime autoritário.

Libertação

Em junho daquele ano, o jornalista se viu com outros 39 militantes trocados pela libertação do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben. Gabeira, então, morou no Chile, na Itália e estabeleceu-se na Suécia, onde conheceu a social-democracia. No país escandinavo, ele cursou antropologia na Universidade de Estocolmo e chegou a ser condutor de metrô.

Assinada a Lei da Anistia em agosto de 1979, retornou ao Brasil nos braços do povo. Uma multidão o recebeu no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Contudo, país ainda amordaçado, o Brasil chocou-se quando viu o jornalista metido numa tanguinha na praia de Ipanema. Melhor dizendo, numa calcinha emprestada da prima, a jornalista Leda Nagle.

Além da liberdade comportamental e sexual, do punk rock de Patti Smith e do reggae de Bob Marley, Gabeira trouxe em sua bagagem um best-seller: “O Que é Isso, Companheiro?”, levado à tela grande pelo cineasta Bruno Barreto (veja abaixo), em 1997. Ele relatava na obra a luta pretérita contra a ditadura. Já rendeu pelo menos 40 edições, com 250 mil cópias vendidas.

A primeira edição desse livro saiu pela editora Codecri, criada pela patota do Pasquim. Publicaria ainda outros nove livros, como “O Crepúsculo do Macho” — no qual bota no papel suas memórias do golpe civil-militar de 1964 — e “Hóspede da Utopia” — em que narra um relacionamento ceifado pela rotina. Nessa obra, o agora ex-marxista se pergunta: “Quem dará o balanço dos abraços que se negaram, dos beijos paralisados, tudo por medo?”

Concorreria ainda a cargos executivos, mas sem sucesso: governador do Rio em 1986, enquanto estava no PT, e em 2010, já pelo Partido Verde – quem venceu foi Sérgio Cabral. Disputou a eleição presidencial de 1989 pelo PV e também tentou a prefeitura do Rio, em 2008, derrotado por Eduardo Paes. Para o jornalista Zuenir Ventura, Fernando Gabeira “é o mais bem-sucedido remanescente de 1968”. Atualmente, é comentarista na GloboNews.

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