
Pelo segundo ano consecutivo, os Paralamas do Sucesso sobem ao palco do Goiânia Arena para revisitar a carreira durante “Um Festival”, realizado amanhã a partir das 16h30. O público deve ficar do mesmo jeito que ficara no ano passado: musicalmente entorpecido.
Antes de Herbert Vianna (guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) incendiarem o público com músicas atemporais — algo previsto para ocorrer à noite —, CPM 22, Detonautas e Raimundos farão shows de hits afetivos. Nando Reis encerrará o festival.
Tudo para preparar a galera aos Paralamas e sua sensualidade reggaeada, sua consciência terceiro-mundista, seus riffs e grooves da arte de viver da fé, sua bateria veloz mas essencial, fluente. Ó, sopra-me Vianna aos ouvidos, mundo tão desigual, tudo é tão desigual.
O cantor-guitarrista enfatiza versos duros, contudo também se deixa levar pela paixão. Sóbrio na cozinha, Ribeiro assume nas quatro cordas graves um amor correspondido ao reggae. Barone, esse verdadeiro motor rítmico, hipnotiza qualquer um mais ou menos sensível à música com suas baqueteadas metálicas e agudas entre compassos alternados.
Se Vianna, Ribeiro e Barone são a base desse conhecido som, João Fera (teclados), Monteiro Jr. (saxofone) e Bidu Cordeiro (trombone) sedimentam a latinidade afro do grupo. Vê-los ao vivo é catártico, fitá-los em ação é transcendental, assisti-los é experiência que alivia a vida.
Desde os ensaios adolescentes transcorridos na casa da Vovó Ondina, em 1981, os Paralamas se inserem num capítulo importante dentro da música brasileira. “Vital e Sua Moto” virou hit do rock caboclo e rendeu-lhes convite da EMI-Odeon para gravar um disco, como faziam The Police e Led Zeppelin, bandas das quais o trio paralâmico era fã confesso.
Lançado em 1983, o primeiro elepê, “Cinema Mudo”, traz as canções “Patrulha Noturna”, “Química” e uma homenagem à avó de Bi, “Vovó Ondina é Gente Fina”. No entanto, o resultado não agradou Vianna, Ribeiro e Barone, que decretaram o disco mal gravado e longe da estética desejada. Isto é, muito distante daquilo que o trio mostrava nos shows.
Vianna lembra que o tempo no estúdio ficou marcado pelas interjeições equivocadas do produtor Marcelo Sussekind. “Era um tal de ‘vamos dobrar a guitarra’, ‘vamos botar mais um solo’, ‘um reverb na caixa’ que o disco foi um fiasco”, conta o músico, em trecho do livro “Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80”, publicado pelo jornalista Ricardo Alexandre.
Era um tal de ‘vamos dobrar a guitarra’, ‘vamos botar mais um solo’, ‘um reverb na caixa’ que o disco foi um fiasco”, conta o músico, em trecho do livro “Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos Anos 80” Herbert Vianna, cantor, compositor e guitarrista
De novo sob a batuta Sussekind, dessa vez menos assíduo no estúdio do que durante as sessões de “Cinema Mudo”, os Paralamas explicitaram suas influências em “O Passado do Lui”, de 1984. O disco estourou com “Óculos”, cuja letra folcloriza o fato de Vianna ser míope. As demais composições, todavia, eram dor-de-cotovelo da melhor qualidade.
Sem superprodução — ao contrário da Blitz e Kid Abelha —, o trio enfrentou milhares de pessoas em duas noites no primeiro Rock in Rio. Por duas vezes, nos dias 13 e 16 de janeiro de 1985, Vianna, Ribeiro e Barone saíram ovacionados pelo público. O cantor-guitarrista, embalado pela vitória de Tancredo Neves, chegou a interpretar “Inútil”, do Ultraje a Rigor.
Tomada de consciência
“Selvagem”, terceiro disco dos Paralamas, manifesta a tomada de consciência pelo grupo. Em “Alagados”, além da sonoridade africana e caribenha, Vianna canta versos que traduzem abismo entre as classes sociais: “Alagados, Trenchtown, Favela da Maré/ A esperança não vem do mar/ Nem das antenas de TV/ A arte de viver na fé/ Só não se sabe fé em quê.”
Hit à parte, o elepê contém ainda letra do imortal Gilberto Gil, “A Novidade”, e uma versão reggeada para Tim Maia, “Você”. O álbum recebeu elogios da imprensa argentina. No jornal “Clarín” de 19 de novembro de 1986, o jornalista Carlos Polimeni destacou “o convite à sensualidade e a densa calma do reggae jamaicano” presentes no som dos Paralamas.
De lá para cá, os Paralamas conquistaram uma carreira internacional como nenhuma outra brasileira jamais conquistara. No Festival de Montreux, em show dado no dia 4 de julho de 1987, gravaram o primeiro disco ao vivo, chamado “D. Abriram para Tina Turner em 1988 no Monumental de Nuñez, Buenos Aires, e se trancaram no estúdio para fazer “Bora Bora”.
Em seguida, tendo sido enaltecido pelo reggae “O Beco”, os Paralamas lançaram o ensolarado “Big Bang”, em 1989. O grupo deu boas-vindas aos anos 1990 com “Arquivo”, no qual apresentava a pesada “Caleidoscópio” e uma versão turbinada para “Vital e Sua Moto”. Uma história de música, amizade, superação, uma história que atravessou os anos 1990, resistiu ao acidente de Herbert Vianna e chega aos palcos da Capital goiana. Prestigiemos.
UM FESTIVAL
Sábado, 22
A partir das 16h30
Ingressos pelo Icones
De R$ 100 a R$ 280