Home / Cultura

Música

Ouvimos: Brasilienses plugam nossos ouvidos à eletricidade do rock

Banda grava canção censurada de Raul Seixas. Com riffs vibrantes, grupo deixa boa impressão

Banda Corujones oscilam entre críticas à vida digital e aos distúrbios das metrópoles - Foto: Divulgação Banda Corujones oscilam entre críticas à vida digital e aos distúrbios das metrópoles - Foto: Divulgação

E, então, você se convence de que valeu a pena esperar pra ter escutado os Corujones, o novo e eletrizante disco publicado pelos brasilienses. Você até volta a achar que o rock, sim, dá um sentido a essa geringonça toda, de que nem tudo tá perdido.

Oito faixas são lançadas. Rockão desatinado berrando no último volume fantasmas do amanhã. Escrevo ao som de blues, o “Blues da Metade”, com riff, groove e compasso pulverizantes. A letra versa sobre conexão mística (prefiro eu chamar do bom e essencial tesão) entre duas pessoas. Delícia arder nos lençóis. Sexo, constato, é como solo de guitarra.

Sou guiado ao pretérito, pretérito mais que perfeito, se é que você me entende. Ezequiel Neves, meu guru da lauda roqueira, escreve na revista “Som Três” sobre a sensação de ouvir Barão Vermelho pela primeira vez. “Estou ouvindo uma fita transcendental”, avisa.

“Projeções Astrais” no streaming. Começo a mexer os pés assim que toca a introdução de “Visão Pineal”, cada qual como se estivesse carente de boas bandas, de grupos novos empolgantes e atitude contestadora. Impressionante: som maduro. Me jogo na ideia de Tarso Jones, Marcelo Moura, Hélio Miranda e Carlos Beleza. Boa sacada, essa ironia existencialista.

Tal qual fez Peninha no Barão, a percussão reforça brasilidade em diálogo constante com o rock’n’roll. Corujones mandam bem: “É por conta e risco a caminhada / gaste a sola como preferir / algo é diferente ou mesmo a gente / tantos já passaram por aqui / a noite é longa”.

Embora seja o primeiro álbum dos brasilienses, revelam surpreendente maturidade artística. “Sentado no Arco-Íris” fica matutando na cabeça. “Perceba a solidão pelas ruas da avenida/ sentado no arco-íris/ penso em minha vida”, vocaliza Tarso Jones, entre comentários feitos por Carlos Beleza em sua precisa guitarra. “Tambores gritam guerra/ em código/ e fumaça”.

Essa canção, inclusive, se perdeu na obra do soteropolitano Raul Seixas. Gravada em 1971, acabou censurada pela ditadura civil-militar. Corujones, então, recriaram a pérola, de forma que pudessem trazê-la aos ouvintes reenergizada e com participação especial de Luno Torres, compositor sergipano que colocou uma dose a mais de lisergia nos vocais.

Como a psicodelia é a tônica do disco, o baixista Marcelo Moura demonstra habilidade na balada lisérgica “Santa Maria”. Canção bem trabalhada. Sussurra os ecos de onde viemos, evoca as lembranças do tempo no encalço do coração. Boa ponte para “Blues da Metade”, música que proporciona viagem pela discografia de Barão, Blues Etílicos e Celso Blues Boys.

“Faroeste Digital” destila críticas à vida conectada. Fala da influência das big techs e da gamificação da vida. A guitarra base de Tarso prepara a cama musical — junto ao circuito bumbo-caixa-chimbal de Hélio Miranda — para os dedos de Carlos encontrarem na pentatônica uivos alarmantes. Já “Quanto Tempo um Pensamento” aposta em versos ácidos.

A vida urbana se faz presente ainda na balada “Todo Nó Tem Nome”. “Faz a cabeça/ na tempestade/ nuvens ao fundo/ nessa cidade”, vocaliza Tarso Jones. Aos poucos, o ritmo chega ao clímax, costurado pelo solinho discreto na guitarra, explodindo num ataque roqueiro impactante. Há nessa canção mistura de Smiths com Stones.

“Projeções Astrais” fecha com a filosófica “Fantasma do Amanhã”, cujo verso “humano até na própria ilusão” ressoa o pensamento de Friedrich Nietzsche. Lançado pela Monstro Discos, “Projeções Astrais” captura a crueza e o astral das performances ao vivo da banda. Corujones plugam nossos ouvidos à eletricidade do rock.

Mais vídeos:

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias