Cultura

Pampinha completa 90 anos

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 23 de janeiro de 2023 às 14:24 | Atualizado há 2 anos

Ele esbanja simpatia. Leia sua coluna e veja você mesmo. E aqui vai mais: não foram uma, nem duas ou três vezes em que, ao perceber tropeços editoriais, pega o telefone. Ao sujeito do outro lado, já diz logo: “é preciso saber ler para fazer jornal”. Se já tentaram fazê-lo mudar de estilo? “Já. Muitos editores. Alguns, porque queriam homens no espaço”, recorda-se Luiz Augusto, conhecido apenas como Pampinha, que completa hoje 90 anos. 

“As mulheres são meu porto seguro”, confessa o jornalista, que pretende tê-las até em seu centenário. Se bem que, comovido pela morte do Rei Pelé, campeão nas Copas de 58, 62 e 70, designou ao repórter a missão de escolher uma “foto bonita” do craque brasileiro para ilustrar a coluna “Geléia Geral” veiculada no dia 2 de janeiro “Foi a primeira vez que publiquei imagem de homem”, conta, em almoço no Bristol Evidence Hotel, onde mora.

Pampinha assina há 40 anos a “Geléia Geral”, carro-chefe deste DMRevista, caderno referência na cobertura cultural criado pelo jornalista Reinaldo Jardim. “Reinaldo era tudo de bom. Tinha até uma sala na Globo só para pensar. É dele a ideia de segundo caderno”, diz sobre o amigo, idealizador do Caderno B, do extinto JB, importante instrumento intelectual para divulgação dos cineastas ligados ao cinema novo e dos poetas concretistas.

Sem concessões à mediocridade, Pampinha põe-se ao lado do leitor. Suas notas carregam fino acabamento textual, embora pequenas e, por isso, há quem imagine serem elas de fácil redação. Pampinha pinça do cotidiano as melhores sacadas humorísticas, noutras vezes ácidas e, quando o Jair Bolsonaro barbarizou a democracia, não poupou o ex-capitão de críticas. E sempre traz aforismos escritos por Nelson Rodrigues ou Clarice Lispector. 

“Quero ser diferenciado, fugir da mesmice, da breguice. Porque leio muito, ouço rádio, vejo televisão e tenho o celular na mão”, explica. O jornalista relembra, aos risos, os perrengues pelos quais passou nas últimas décadas para conseguir fotografias de mulheres do primeiro time, alma de sua “Geléia Geral”. “Antigamente fotografava as belezas de Goiás. Aí começou a dar problemas. Os pais não gostavam, os namorados tinham ciúmes e o custo era grande.” 

Pampinha, então, encontrou a solução ideal. “Agora as fotos chegam de uma agência de Florianópolis e fazem muito sucesso.” Ao longo das últimas quatro décadas, quantas mulheres passaram pela coluna? “Uai, são 40 anos, 30 por mês, é só multiplicar. Tem mulher até o meu centenário, se Deus ajudar”, avisa o lendário jornalista, que espelhou-se, para arquitetar sua Geléia Geral, em provocativa coluna de Sérgio Porto, um mulherólogo dedicado.

Entre a nata

Nas andanças pelas redações, entre uma lauda jornalística e outra, Luiz Augusto Pampinha trabalhou com a nata do jornalismo brasileiro, como Samuel Wainer, Armando Nogueira, Washington Novaes, Borjalo, Reinaldo Jardim, Ary Cunha e Eliezer Penna. Mas faz questão de destacar dois nomes: Batista Custódio e Consuelo Nasser, idealizadores dos jornais Cinco de Março, este um semanário que incomodava deus e todo mundo, e Diário da Manhã, que chegara a ser considerado pela ABL o terceiro melhor diário produzido no Paí

Nascido em Pontalina, o jornalista mudou-se para a Capital goiana aos 13 anos. Estudou na Escola Técnica e obteve diploma em eletrotécnica. Quando completou 16, ingressou no tradicional colégio Lyceu de Goiânia, ao mesmo tempo no qual foi contratado, pela primeira vez, como jornalista para trabalhar no “Popular”. Num primeiro momento, a chefia lhe deu a missão de cobrir esportes, porém foi transferido, pouco tempo depois, à geral. 

Cada vez mais conhecido no meio jornalístico goianiense, Pampinha deixou o veículo da família Câmara para arregaçar as mangas na redação da Rádio Anhanguera. Era narrador esportivo, vem daí sua paixão por futebol. Torcedor fanático do Palmeiras e do Atlético Goianiense, tem no futebol um de seus assuntos prediletos, razão pela qual, em caso de vitória dos seus times, insere os escudos deles no alto da coluna. E ai de quem lhe censure.

Era questão de tempo até o talentoso repórter embarcar em novas empreitadas. Em Brasília, já homem casado, de responsabilidade e sem dizer não ao trabalho, ganhou notoriedade. A Capital representava o futuro. “Cobria Congresso, fazia esporte. Todo mundo conhecia todo mundo”, relata ele, que passou, por lá, pelo “Correio Braziliense”. Até que, ao dar-se conta e cair na real, estava no Rio de Janeiro, à época cidade que dançava ao ritmo do violão de João Gilberto, inspirava-se no piano de Tom Jobim e, claro, era lida pela fina flor da crônica. 

E quem eram eles, afinal? Ora, ninguém menos que Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Rubem Braga, Antônio Maria, Sérgio Porto, Nelson Rodrigues e Vinícius de Moraes. “Gostei muito do Rio, apesar de ser tempo de ditadura.” Com o tricolor Nelson, dividiu a redação e viu o anjo pornográfico bater à máquina com apenas um dedo, enquanto fumava um cigarro atrás do outro. E andou, junto de Vinícius, em busca da musa que inspiraria, mais tarde, o poeta a criar os versos de “Garota de Ipanema”. 

Da Globo ao DM

Na recém-inaugurada TV Globo, a experiência conquistada em Brasília foi-lhe determinante para se tornar o primeiro chefe de reportagem da emissora de Roberto Marinho. A equipe era de peso: Jaime Dantas, Newton Carlos, José Ramos Tinhorão, Tarcísio Holanda, Lincoln Brun, Luís Augusto (Pampinha), entre outros. Em seguida, surgiu o que o jornalista Sebastião Nery chama de “furação Walter Clark”, que rapidamente escalou Armando Nogueira, “texto leve, enxuto e fervilhante”, para cuidar do departamento de Jornalismo.

A Goiânia, com currículo que englobava entrevistas com Jânio Quadros e Clarice Lispector, Pampinha voltou em 1980 e entrara no DM. Sua fonte de inspiração e, de certo modo, longevidade? Bem simples: as mulheres. Pai de Rita de Cássia e José Olímpio, pensou em parar, mas a saúde – ainda bem – anda boa. E Pampinha, bem, ele faz parte do time de Vinícius: “enquanto eu tiver língua e dedo nenhuma mulher me mete medo”.

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