Cultura

Pearl Jam resgata sonoridade pesada

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 16 de fevereiro de 2024 às 15:43 | Atualizado há 4 meses

Mais ou menos lá pelo meio da música você imagina ouvir a guitarra de Pete Townshend: power chords poderosos de duas ou três notas, um riff que parece estourar nossos tímpanos com sua força e uma brutalidade que há muito era pedida pelos fãs. Uau, será que dessa vez o Pearl Jam retornou àquela sonoridade parruda do “Ten” e “Vs”?! Sei eu não sei, só sei que – ao suassunar-me – admito a boa impressão deixada pelo single “Dark Matter”.

De cara, fiquei empolgado com a guitarra rítmica pilotada por Stone Gossard. E, de repente, senti nela um peso parecido ao encontrado na música “Once”, faixa que abre “Ten”, de 1991. Jeff Ament senta o dedo no baixo e, então, Matt Cameron marca o tempo na bateria. Está tudo preparado para receber a voz corpulenta do vocalista Eddie Vedder. Ele começa assim: “Just cause your heart´s afraid/ Doesn’t give the right to say/ I was born this way”, algo como “só porque seu coração está com medo/ Não te dá o direito de dizer/ Eu nasci assim”.


O Pearl Jam nos apresenta um sedutor cartão de visitas. Com lançamento previsto para 19 de abril, o álbum recebe o nome de “Dark Matter”, cuja faixa que o nomeia já está disponível nas plataformas de áudio. O disco é produzido por Andrew Watt, que também trabalhou em “Hackney Diamonds”, dos Rolling Stones. De acordo com jornalistas convidados a uma audição da obra, em Los Angeles, trata-se realmente de regresso à sonoridade pesada.

Há que se destacar, segundo eles, a guitarra elegante tocada por Mike McCready, cuja Fender Stratocaster – à moda Stevie Ray Vaughan, influenciada por Jimi Hendrix – continua emocionante nos solos. Aliás, solos mais bonitos do que aqueles construídos por ele para “Gigaton”, último disco de estúdio lançado pelo Pearl Jam, em 2022. O próprio McCready revelou no mês passado, durante entrevista à “Classic Rock”, que o público deve esperar melodia e energia dos primeiros discos, lançados nos anos 90, no auge da era grunge.

“Andrew nos incentivou a tocar de forma tão forte, melódica e cuidadosa como fazíamos há muito tempo. Eu sinto que a bateria de Matt Cameron tem elementos do que ele fez no Soundgarden. Para o bem ou para o mal, você vai ouvir muito mais guitarra solo de mim, coisas que eu não faço há muito tempo. Geralmente o primeiro ou o segundo take são melhores. Depois disso começo a pensar nisso e não sinto”, avisa o guitarrista, fazendo ecoar a máxima segundo a qual para tocar rock’n roll não é preciso pensar demais.


		Pearl Jam resgata sonoridade pesada

Mike McCready, guitarrista: solos elegantes e bonitos – Foto: Andrew Zaeh/ Arquivo.


Queremos exatamente isso, McCready! Só de te ouvir fazendo aquela dualidade com Gossard já vale a espera até abril. Você trouxe a atitude punk dos Ramones ao estilo clássico tocado pelo The Who. Seu companheiro nas seis cordas elétricas, como sabe, tocou riffs demolidores num grupo considerado pioneiro do grunge: Green River. Antes de te encontrar, só pra avisar ao leitor, fez um som junto aos roqueiros alternativos do Mother Love. Numa festa, estraçalhando uma guitarra, encontrou Gossard – e o resto é história.

De olho na cena

Desde os anos 90, McCready e Gossard unem suas sensibilidades para produzir os riffs pelos quais o Pearl Jam se tornou conhecido, como “Alive”, “Jeremy”, “Even Flow”, “Animal” e “Yellow Ledbetter”, bela música inspirada em “Little Wing”, gravada pelo deus máximo do blues-rock, Jimi Hendrix, no disco “Bold as Love”, de 1967. O som deles é tão refinado que também possui óbvia referência a Neil Young, adicionando à sonoridade do Pearl Jam exuberantes texturas da música folk. Ouve-se isso em “Daughter”, por exemplo.

Jovens rebeldes, músicos antenados às novidades e jornalistas musicais acompanharam com interesse a cena grunge de Seattle. Ali estava algo novo, revolucionariamente simples, revestido numa camisa de flanela: punk desacelerado e com pulso marcante. Era guiado por um espírito jovem. Começou com Green River e Mother Love Bone, mas rolou – além do Pearl Jam – Nirvana, Soundgarden e Screaming Trees. É um tipo de música que foi parar até na literatura, especialmente no romance “A Maçã Envenenada”, do escritor Michel Laub.


		Pearl Jam resgata sonoridade pesada

Capa do disco “Ten”, obra essencial para o grunge.

Foto: Divulgação


No Brasil, esse estilo impactou bandas surgidas alguns anos antes. O Barão Vermelho se hidratou no rock simples que vinha de Seattle. “Nirvana chegou metendo o pé na porta”, recordou o baterista Guto Goffi, durante participação no podcast “Papo Com Clê”. Já o guitarrista e vocalista Roberto Frejat, numa entrevista para um perfil seu publicado no jornal “O Globo”, nos longínquos anos 90, assumiu sua preferência pelo Pearl Jam. Basta ouvir o álbum “Carne Crua”, do Barão, para sacar a sintonia dos cariocas com um rock grungeado.

Se Seattle era cinza, tinha o céu azul escondido por mais de 200 dias ao ano e o frio soprado pelo Alasca fazia o clima ser apropriado a jaquetas sobre camisas de flanela, é certo que só restava a Eddie Vedder e seus amigos uma coisa: gritar contra um país que sequer escondia que não precisava deles. Já começou a contagem regressiva para “Dark Matter”. Enquanto isso, pegue um vinho, puxe uma cadeira e ouça a faixa-título: ela é fodástica, meus amigos!

Dark Matter

Banda: Pearl Jam

Gênero: rock

Avaliação: bom

Disponível no Spotify


		Pearl Jam resgata sonoridade pesada

Capa do disco: arte foi criada pelo artista Alexandr Gnezdilov.



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